Opinião
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
Batismo de fogo no país mais supersticioso do mundo
Até o nome do país é polêmico. Oficialmente, é Mianmar desde 1989. Mas quem não gosta do governo militar ainda o chama de Birmânia (Burma). É pouco maior que Minas Gerais, com população de 57 milhões. Tem fronteira com China, Índia e Tailândia. Todos os homens vestem o Longhi, uma espécie de saia, ideal para o clima quente e úmido do país.
Foi lá a minha primeira missão no meu primeiro ano de trabalho na ONU, 1993. Mianmar queria melhorar sua imagem internacional e pediu apoio da ONU para aprimorar a qualidade de vida da população urbana. Representei o Programa de Desenvolvimento da ONU em parceria com o Banco Mundial e a ONU Habitat. O objetivo foi preparar um projeto para tentar desenvolver habitação de baixa renda, saneamento e transporte para parte dos três milhões de pessoas que haviam ocupado áreas periféricas da capital, Yangon.
Havia um desafio adicional: qualquer financiamento internacional teria que ser aplicado diretamente em melhorias locais, sem passar por vários intermediários no governo. Isso porque a Assembleia Geral da ONU havia criticado o regime militar de Mianmar e limitado ajuda internacional para o país. Por outro lado, havia um ponto crítico em cooperação internacional: o povo não é culpado pelo comportamento de seu governo. A busca desse equilíbrio foi instrutiva para mim. Nas reuniões em Yangon, sempre muito formais, vários generais com o peito coberto de medalhas diziam: “Estamos muito felizes em cooperar com a ONU”. E nós dizíamos: “Estamos muito felizes em cooperar com o povo de Mianmar através de seu governo”.
Mianmar é um país curioso. Todos são muito supersticiosos. Cada general tem seu astrólogo pessoal. Ex-colônia inglesa, o país proclamou sua independência às 4h20 da manhã do dia 4 de janeiro de 1948 – data e hora consideradas auspiciosas pelos astrólogos. Em 1970, o astrólogo do poderoso General Ne Win sentiu que a Birmânia havia se movido muito para a esquerda, então ordenou que os motoristas deixassem de dirigir do lado esquerdo da estrada, como se faz na Inglaterra, e dirigissem do lado direito. Em 1987, o mesmo general introduziu cédulas de 45 e 90 Kyat, porque os valores numéricos dessas notas somam nove, seu número de sorte.
Há um antigo embate entre o governo militar e a ganhadora do Prêmio Nobel Aung San Suu Kyi. Ela passou 15 anos em prisão domiciliar e foi libertada. A partir de um golpe militar em 2021, sofreu uma série de acusações e julgamentos. Em agosto de 2023, aos 78 anos, foi condenada a 27 anos de prisão, estando detida em local desconhecido.
O projeto não mudou os rumos do país, mas foi financiado e avaliado positivamente como uma contribuição modesta, mas efetiva para o desenvolvimento local.