Faleceu nesta quarta-feira (16) aos 61 anos o designer e artista Fernando Campana, caçula dos Irmãos Campana, dupla criativa que é sinônimo máximo do design brasileiro contemporâneo. A informação foi anunciada na noite desta quarta pelo perfil oficial dos irmãos. A causa da morte não foi informada.

"É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento de Fernando Campana hoje, dia 16 de novembro, em São Paulo. Agradecemos a solidariedade de todos e pedimos que respeitem a privacidade da família neste momento", informa a nota pública postada nas redes sociais.

O velório será realizado nesta quinta-feira (17) no Funeral Home (Rua São Carlos do Pinhal, 376, Bela Vista, São Paulo), das 15h às 17h30.

Natural de Brotas, interior de São Paulo, onde agora a dupla se dedicava a criar um museu de design a céu aberto no mesmos moldes de Inhotim, Fernando era formado em Arquitetura pelo Unicentro Belas Artes de São Paulo e havia sido professor da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) no Curso de Desenho Industrial e professor no Museu Brasileiro de Escultura.

Juntos profissionalmente há 37 anos, os dois irmãos são aclamados internacionalmente ao longo de décadas por sua criatividade disruptiva e brasileiríssima. Suas peças estão em coleções permanentes do Moma de Nova York, do Pompidou em Paris e do MAM em São Paulo, para citar apenas alguns dos museus que fazem questão de ostentar algumas das criações dos Irmãos Campana (veja aqui a última entrevista dos Campana para HAUS).

Fernando e Humberto explodiram para o mundo com as poltronas “Vermelha” e “Favela”, que conseguiram encantar a italiana Edra, marca que nunca mais se desgarrou dos criativos brasileiros. Depois disso, colaboraram com centenas de empresas ao redor do mundo, como Louis Vuitton, Melissa, Paola Lenti e Lasvit, para citar apenas algumas das maiores marcas de moda e design do planeta.

Em 2009, os dois criaram o Instituto Campana com o objetivo de atuar na esfera cultural, social, educacional e ambiental, com diversos workshops e criações com ONGs seguindo o DNA original de Fernando e Humberto (veja entrevista da dupla para HAUS em 2011).

Não é exagero dizer que o mundo lamenta, desde o anúncio da morte, na noite desta quarta-feira (16), a partida precoce de Fernando Campana. Afinal, como bem lembra o designer e colunista de HAUS Pedro Franco, "é sempre difícil perdermos nossas referências".

"A intensidade do trabalho desenvolvido juntamente a seu irmão Humberto revolucionou a forma de 'ser criativo' brasileiro. Em um intenso processo de pesquisação, driblavam a falta de apoio e tecnologia da indústria brasileira transformando matérias-primas banais (mas nas quais viam potencial) na mais pura obra de arte. Ressignificaram o 'fazer design'. O Brasil passava, então, de mero observador à protagonista do design mundial, através do olhar e das mãos da dupla brasileira", aponta o designer ao lembrar da influência dos Irmãos Campana sobre sua própria carreira no design quando, no final dos anos 1990, participou de um workshop com a dupla "F+H" no qual criou sua primeira peça, o pufe Orbital (feito com câmara de pneus), vencedora de concursos e exposta da Semana de Design de Milão. "O resto é história", relembra.

Outros dos muitos designers brasileiros que reverenciam e reconhecem o impacto dos Irmãos Campana sobre o trabalho que produzem e o reconhecimento do país enquanto polo criativo são a dupla Rodrigo Brenner e Mauricio Noronha, do premiado Furf Design Studio, que coleciona, entre outros, os três principais prêmios mundiais do setor.

"O Fernando era uma daquelas pessoas que parecem eternas, e eu acho que ele é eterno. Nas vezes em que nos encontramos, ele sempre parecia que estava em outro planeta, um planeta mais feliz, parecia flutuar um pouquinho. Eu acho isso muito bonito. Ele sempre falava que queria ser astronauta, penso que agora ele virou astronauta. Fica o legado gigantesco, pois, com certeza, são os designers brasileiros que colocaram o Brasil no mapa do design. É um sentimento de gratidão absurda por esse caminho que eles desbravaram. E é uma perda gigantesca", reforça Brenner.

Um dos mais renomados arquitetos e designers do chamado "Made in Italy", Ferruccio Laviani lamentou a morte do amigo e "irmão brasileiro" em seu perfil no Instagram.

"Hoje tenho que escrever algumas linhas para lembrar de uma pessoa que me foi muito querida e que não está mais entre nós e que realmente merece: Fernando Campana. Conheci Fernando e Humberto no início dos anos 90, quando comecei a trabalhar no Brasil e imediatamente nos tornamos bons amigos. Lembro que a primeira vez que visitei a oficina deles fiquei fascinado por aquele mundo híbrido de design, artesanato e loucura em que eles viviam, e a primeira coisa que fiz foi trazer alguns slides de seus trabalhos para a Itália (ainda tenho uma cópia na minha gaveta) para publicá-los na revista Interni. A partir daí nos tornamos cada vez mais próximos e, de alguma forma, sempre os considerei como meus dois 'irmãos' brasileiros" e, principalmente com o Fernando, compartilhamos nossa vivência em Salvador da Bahia descobrindo uma tradição e cultura que muito nos influenciou. Hoje, o Fernando se foi e, com ele, leva uma parte da minha vida. O eco da sua voz grave, das nossas gargalhadas e dos belos momentos que passamos juntos ficarão para sempre gravados na minha memória e estou ao lado do Humberto neste momento difícil que nos deixa a todos sem palavras. Nesses momentos me arrependo de não ter tirado mais fotos juntos e poder relembrar aqueles bons momentos em que éramos jovens, felizes e até um pouco malucos. Ciao Fernando e obrigado por tudo que nos deixou nesta vida", manifestou Laviani.

A mídia internacional também repercutiu e lamentou a morte de Fernando Campana, relembrando seus trabalhos para as marcas que estão entre as gigantes do design mundial e as instalações que convidavam seus visitantes a refletir e se permitir invadir por tudo o que a arte pode representar, para o coletivo e individualmente.

A Interni Magazine, publicação italiana parceira do Fuorisalone, mostra paralela da Semana de Design de Milão, noticiou o falecimento destacando que Fernando e Humberto são "o símbolo do design inspirado na poética da rua (mas também comprometido com as questões sociais que dela derivam) e chegam longe: nas galerias, no mobiliário internacional, em museus, sem nunca perder a carga revolucionária do pensamento que o originou".

A publicação lembrou, ainda, da instalação "Sleeping Piles", assinada pelos irmãos na mostra "Human Spaces", realizada pela Interni na Semana de Design de Milão 2019, no pátio da Universitá Degli Studi di Milano. Para destacar o tema da sustentabilidade e convidar os visitantes a um momento de relaxamento e descompressão, eles instalaram sete torres, de cinco metros de altura, revestidas com grama em um dos pátios da universidade.

A também italiana Designboom recuperou uma entrevista de 2021 concedida por Humberto para destacar as diferentes personalidades e estilos dos Irmãos Campana, que resultavam no trabalho inconfundível realizado pela dupla. "Todos pensam que somos a mesma pessoa, mas somos completamente diferentes um do outro. Eu gosto de estar aqui todos os dias no estúdio. Gosto do processo de estar com os artesãos, ou de desenhar — preciso de um pouco de disciplina. Fernando, fica a maior parte do tempo em casa e chega aqui com um olhar novo. Ele gosta de desenhar projetos, e eu gosto de realizar os projetos dele e os meus. Às vezes é difícil, mas nós dois temos paixão pelo design e também gosto muito dele. Somos bons amigos", descreveu para a publicação Humberto Campana.

A lista de menções, referências e agradecimentos é extensa, mas certamente não consegue alcançar a imensidão do que o trabalho e o legado deixados por Fernando, no que realizou na companhia do irmão Humberto, significam. Como bem resumiu o designer brasileiro igualmente celebrado internacionalmente Sergio Matos, "se foi um dos mais importantes designers da cena mundial".