Decoração

Caminhos do design absoluto

Daliane Nogueira
01/09/2011 03:28
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Levar a vida no design e partir sempre da forma e do material mais simples parecem ser os lemas dos irmãos Fernando e Humberto Campana. Eles são, sem dúvida, os nomes mais conhecidos do design nacional e seus trabalhos estão expostos nos principais museus do mundo. O ponto de partida de boa parte dos móveis, objetos e instalações criados por eles é o que chamam de “artesanato funcional”, que se vale de materiais comuns e desvalorizados, como rejeitos da indústria.
Durante a terceira edição da Casa Brasil, feira de design contemporâneo que aconteceu em Bento Gonçalves (RS) no início de agosto, eles conversaram com a revista Viver Bem Casa & Decoração.
Como é a quase obrigação de sempre surpreender?
Humberto: Não é nada fácil, pois a cada degrau que subimos o nosso nível de exigência cresce. É preciso um diálogo interior constante.
Falar em Irmãos Campana é falar de design brasileiro. Como vocês percebem e vivem essa realidade?
Humberto: É engraçado porque nossos produtos precisaram ser editados lá fora para depois receber algum reconhecimento por aqui. Levamos 15 anos para começar a viver do design. De dois anos para cá, vejo que há pessoas novas com peças publicadas em revistas internacionais. É um momento profícuo e uma conquista do design nacional.
O que é o design brasileiro para o mundo?
Humberto: O Brasil não é muito bem percebido, mas há grande curiosidade em relação a nossa cultura. O caminho para emplacarmos é unir a funcionalidade e a cultura territorial. O mundo se globalizou e isso fez com que muitas pessoas quisessem voltar a produzir em suas ‘casas’, como se fazia antigamente. Em nosso caso, mesmo produzindo em algumas companhias italianas, por exemplo, tentamos retratar o nosso meio, sem estereotipar o Brasil em Carnaval e cores vivas.
Qual a contribuição que vocês ao mundo do design?
Humberto: É uma pergunta difícil. Não penso muito no futuro e creio que o tempo vai mostrar isso. Acho muita pretensão querer ser eterno, quando tudo é efêmero.
O estúdio de vocês fica em uma região (no bairro Santa Cecília, em São Paulo) onde convivem imigrantes nordestinos, coreanos entre outros. Isso ajuda na produção criativa?
Fernando: Todo o movimento agrega. O lugar pulsante aguça o olhar e a tradução disso para o que fazemos é inconsciente, mas está lá. Nossa referência é a rua, a vida, o comportamento e também a relação com as pessoas com as quais trabalhamos.
Hoje o estúdio conta com quantos profissionais?
Fernando: A equipe é formada por 15 pessoas entre arquitetos, costureiras e artesãos.
O fato de vocês terem vivido a infância e a adolescência no interior (Brotas, SP) influencia de que forma o trabalho ?
Humberto: Nosso trabalho com fibras naturais, bambu têm ligação com esse mundo mais rural. Carregamos também a valorização de uma vida mais simples e discreta. Lá, nós tínhamos o hábito de ir ao cinema quase todos os dias. Em nossas brincadeiras recriávamos o que tínhamos visto no cinema. O design tornou-se nossa linguagem de expressão.
Você estudou Direito, Humberto, e você, Fernando, Arquitetura. Como o perfil de vocês se integra no trabalho como designers?
Humberto: Eu estudei Direito, mas abandonei. O que sei sobre design, aprendi na prática, visitando museus e conhecendo o trabalho dos outros. O que posso dizer é que meu trabalho é mais intuitivo e o do Fernando mais racional. Ele dá corpo ao que eu sonho e nossas criações se dão a quatro mãos. Criamos juntos, sempre.
A instalação que vocês fizeram para a Casa Brasil foi toda feita com garrafas pet. Não é a primeira vez que vocês trabalham com esse material. O que ele pode oferecer?
Fernando: É um projeto que envolveu uma comunidade aqui da cidade, mobilizou crianças e um grupo de senhoras. A ideia foi explorar a forma, desmaterializando o pet, dando uma segunda funcionalidade às garrafas. Encontrar novas funções para os materiais mais simples é o que gostamos de fazer e pesquisar. O plástico já deu origem a outras peças nossas, como a Cadeira de Plástico Bolha.
O design brasileiro já despertou para isso que vocês exploram tanto?
Humberto: Quase toda a escola de design no Brasil é focada em design industrial. E eles esquecem que a gente tem uma grande quantidade de mão de obra, habilidade manual com artesanato. Isso acaba sendo relegado a segundo plano. O artesanato é uma saída para o design brasileiro, como foi para o design italiano no pós-guerra. Foi olhando para os seus valores culturais, que conseguiram desenvolver produtos bonitos e bem feitos, reconhecidos por todos.
E em que ponto estamos nesse processo?
Humberto: Antes de mais nada é preciso olhar o Brasil com as raízes e não fazer design igual ao parisiense ou ao alemão. Depois é preciso orientação, pessoas que observem o artesanato, que mostrem o caminho. Um caminho, aliás, que pode ser muito produtivo, uma economia de grande força para o país. Ampliar a comunicação entre designers e as comunidades de artesãos é a principal solução. Acreditamos que ao se trabalhar com quem está do nosso lado, com as pessoas menos favorecidas, não se cria barreiras, cria-se uma produção sustentável.
Qual a contribuição efetiva do artesanato para o design?
Humberto: O artesanato é a diferença. Ele dá o toque humano. Hoje se fala no slow design, que significa repensar a produção industrial de uma forma mais humana, que não agrida tanto o meio ambiente e agregue pessoas e comunidades.
Qual o futuro dos Campanas?
Humberto: Estamos investigando novas áreas, estivemos dois anos envolvidos no restauro do café do Teatro Municipal de São Paulo e estamos projetando algumas residências. Experimentar é sempre enriquecedor.

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