Arquitetura
Dois escritórios de arquitetura brasileiros figuram entre os dez mais promissores do mundo
Instalação "A praia e o tempo", realizada pelo Grua em 2018 na Praia de Copacabana. Foto: Acervo pessoal/Tempo Festival
A arquitetura moderna brasileira elevou o Brasil ao patamar dos melhores do mundo na área há décadas. Mas se engana quem pensa que a fama criada por grandes nomes do século 20 ficou por aí. A geração contemporânea de arquitetos tem feito jus à sua história, e com reconhecimento internacional. Prova disso são os dois escritórios brasileiros finalistas do Prêmio Début, promovido pela Trienal de Arquitetura de Lisboa: o gaúcho Sauermartins e o carioca Gru.a Arquitetos.
A premiação chega à sua terceira edição em 2019 com o objetivo de celebrar o trabalho e impulsionar a carreira de arquitetos de até 35 anos de idade. Os dez nomes mais promissores integram a lista de finalistas, divulgada em agosto. Todos concorrem ao prêmio de 5 mil euros que será concedido em Lisboa durante a semana inaugural da Trienal, entre 3 e 5 de outubro. Os finalistas foram selecionados por um júri internacional composto por profissionais de seis diferentes países.
E qual é o segredo que faz a ginga dos brasileiros mais uma vez saltar aos olhos do que está sendo produzido no mundo? Conversamos com Pedro Varella, da Gru.a, e Cássio Sauer e Elisa T. Martins, da Sauermartins, para entender a identidade de seu trabalho e quais projetos representam sua essência.
Grua: fluindo entre arte e arquitetura
A zona híbrida entre artes plásticas e arquitetura é o espaço que o escritório carioca Gru.a busca ocupar. O escritório criado em 2013 e atualmente formado pelos sócios Pedro Varella e Caio Calafate atua em várias frentes — projetos residenciais, comerciais, retrofits e instalações para festivais —, mas é nas instalações efêmeras que flui a identidade artística reconhecida pela Trienal.
Como ambos os arquitetos também são acadêmicos, é natural que as dimensões de pesquisa e prática se entrelacem. “Um procedimento comum nos nossos trabalhos é uma pesquisa histórica que não tem comprometimento com a verdade tradicional. A gente aborda assuntos com uma certa liberdade ficcional“, explica Varella. “A gente se dá ao direito de criar narrativas a respeito dos lugares onde a gente intervém — um procedimento bastante característico da arte contemporânea que incorporamos nos projetos de arquitetura”, complementa.
Exemplo dessa estética é um dos três projetos apresentados ao prêmio, “A praia e o tempo”, instalação realizada na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 2018. O espaço foi idealizado para receber performances da coreógrafa francesa Julie Desprairies durante o Festival Internacional de Artes Cênicas do Rio de Janeiro.
Mas, mais do que o palco, o espaço foi criado como uma reflexão urbanística que parte da operação de aterro que Copacabana recebeu nos anos 1970 para alargar sua faixa de areia.
“Essa faixa de areia tão extensa foi viabilizada por essa grande obra que alterou a geomorfologia da cidade, e são frequentes no Rio de Janeiro. Esse é um assunto urbanístico que a gente transporta para as artes plásticas de forma que a gente não conta uma história, mas pega dessa história o que nos interessa para construir uma narrativa ficcional“, conta o arquiteto.
Nessa zona cinzenta em que uma área empresta ferramentas e estratégias uma à outra, um conceito clássico da arquitetura é posto em dúvida: as funções específicas dos ambientes projetados pela arquitetura propositalmente se perdem, sem remeter a uma utilidade específica, como um quarto ou uma sala. “Esses projetos remetem a uma experiência de deslocamento da posição do público, de colocar o público em uma situação em que normalmente ele não estaria”, destaca Varella.
Os outros dois destaques enviados à Trienal também articulam essa visão. São eles a instalação “De onde não se vê quando se está”, que levou turistas ao teto do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, e a “Cota10”, estrutura de escadas tubular que levava pessoas a observar a Praça XV, no Rio de Janeiro, de um ângulo 10 metros mais alto do que o habitual.
Sauermartins: pluralidade na essência
Assim como os cariocas, os gaúchos da Sauermartins também procuram experimentar linguagens em diferentes escalas e nichos — de pequenas reformas à revitalização de um centro histórico inteiro. Com dez anos de escritório, os arquitetos Cássio Sauer e Elisa T. Martins buscam como essência um significado local para cada projeto.
A busca por retratar o contexto em cada obra faz com que os arquitetos participem ativamente da sua construção, criando um processo de experimentação e aprendizagem a cada vez. “A gente busca as técnicas construtivas disponíveis no local e, por isso, já trabalhamos com várias, da madeira à estrutura metálica, sempre mantendo a nossa conexão com o lugar em que está o projeto”, esclarede Martins. Por isso, os projetos ganham um caráter quase artesanal, com maquetes e desenhos à mão.
Sauer divide a atuação do escritório em duas frentes. A primeira trabalha com edifícios públicos, através de concursos e parcerias com outros profissionais. Já a segunda tem um caráter experimental, com maior pluralidade.
É nessa área que se encontram os três projetos apresentados ao prêmio, selecionados como destaques de atuação do escritório. O primeiro deles é uma casa de fim de semana com 45 m² em uma região rural próxima a Porto Alegre. A madeira como técnica construtiva vem como um resgate de métodos tradicionais.
O segundo é o “Observatório do campo e das estrelas”, construído em Ceibas, na Argentina, resultado de um workshop de construção em madeira. “Trabalhamos com a singularidade de construir em madeira em um contexto de campo que acabou produzindo o que a gente chama de observatório, literalmente construído por nós, com estudantes”, conta Sauer. O projeto criou uma estrutura de 9 m de altura, com planta de 3m x 5m, coberto por um sombrete, e explorou as possibilidades que poucos elementos podem criar.
O terceiro projeto, por fim, é a Casa de Lata, terceiro lugar na categoria Edificação Residencial do 6º Prêmio Saint-Gobain, de 2019 e exibida na Bienal de Veneza de 2018. A casa “metálica” construída na Serra Gaúcha é fechada em telha e trabalha uma linguagem entre o artesanal e o industrial. “Exploramos como fazer uma arquitetura industrial com caráter local”, define o arquiteto. Ela é subdividida em três partes: a parte habitacional para duas pessoas, uma garagem para oito carros e um pátio com área verde — todos eles conectados entre si em volta de um pátio central.
Sauer vê esses trabalhos como integrando um primeiro ciclo do escritório. “A gente busca um significado local para as nossas obras e é interessante ver que isso pode ter um significado com relação ao que se está construindo no mundo inteiro”, declara.