Urbanismo

Jonas Rabinovitch

Jonas Rabinovitch

Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).

No Planeta das Cidades

Um colibri e o planejamento de Curitiba

22/03/2024 19:03
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O colunista discute os reflexos de um planejamento urbano consistente na vida das cidades. | Jonas Rabinovitch

Visitando parentes em Curitiba, vi um colibri no Jardim das Américas, a uns quatro quilômetros do centro. Muitos curitibanos não têm a menor ideia de como a presença daquele colibri reflete um planejamento urbano consistente. 
A pedido de Jaime Lerner, apresentei e debati em muitas conferências internacionais os desafios e soluções de Curitiba. Nunca escondi os problemas, o que ajudou a demonstrar que Curitiba não é diferente – mas foi ficando diferente. Isso levou ao reconhecimento mundial da cidade pelas mais sérias instituições em urbanismo. Mas o povo sabe como a cidade funciona?
Deixando a política de lado, quantos curitibanos sabem explicar por que os habitantes da cidade acordam todas as manhãs respirando ar relativamente puro e ouvindo pássaros perto do centro? 
Resumindo:
1) Curitiba definiu seu crescimento através de cinco eixos estruturais, por onde passam os ônibus expressos. O que isso quer dizer? O centro da cidade não cresceu desordenado em todas as direções, como em outras cidades. Foi como se o centro se expandisse ao longo desses eixos, onde há comércio, serviços e transporte público. Ou seja, entre os eixos há menos construções, mais árvores e mais pássaros.  
2) A capital paranaense inventou o sistema BRT (Bus Rapid Transit), que usa o transporte como instrumento para direcionar o crescimento e hoje está presente em mais de 150 cidades no mundo.
3) Além disso, Curitiba conta com um cadastro eficiente que controla construções e usos em cada rua da cidade.
4) Um sistema de parques (Barigui, São Lourenço, Barreirinha etc.) foi feito em áreas sujeitas a inundações para funcionarem como estabilizadores de águas. Ciclovias e proteção de riachos acompanham esses parques.
5) A arquitetura histórica, áreas verdes e valores culturais da cidade foram protegidos e preservados.
6) Há uma política integrada para gerenciar o lixo urbano, incluindo reciclagem (Lixo que não é Lixo) e compra do lixo.
7) Curitiba fez estoques de terras para construção de casas populares de interesse social, inclusive na direção da Cidade Industrial.
8) A cidade valoriza a circulação de pedestres no centro, tendo construído a primeira rua de pedestres na América Latina, conhecida como Rua das Flores – influenciando várias outras cidades.
9) Os projetos acima funcionam de forma integrada; o mais importante é o conjunto dessas iniciativas e a forma inovadora como foram gradualmente inseridas na administração pública municipal.
Curitiba ainda tem problemas: nenhum planejamento pode ser considerado finalizado. Nenhuma cidade consegue ser uma ilha isolada da realidade nacional.
Enquanto isso, os colibris e seus amigos, que não entendem nada de planejamento urbano, continuam vindo a Curitiba.