Opinião

Jonas Rabinovitch

Jonas Rabinovitch

Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).

No Planeta das Cidades

O enigma de lugares que vivem e morrem

21/06/2024 19:35
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Mercado flutuante na Tailândia, 2017 | Jonas Rabinovitch/Arquivo pessoal

Quando estive na Tailândia, em 1999, adorei o mercado flutuante de Damnoen Saduak, perto de Bangkok. Voltei lá vinte anos depois e toda a autenticidade desapareceu! Foi invadido por turistas. O mesmo aconteceu com as típicas cidades inglesas na região de Cotswolds, Inglaterra, onde, hoje, os residentes colocam avisos em chinês pedindo aos turistas que respeitem a privacidade dos moradores. Veneza também foi invadida por turistas chineses. Voltei mais de vinte anos depois à comunidade portuguesa de Malaca, na Malásia, e fiquei desapontado: crianças que falavam o português antigo tinham ido embora buscar empregos em Kuala Lumpur. Quem visita pirâmides no Egito, perto do Cairo, entende o significado de assédio: moradores locais dependem de vender aos turistas para ganhar a vida. Em todos esses locais, séculos de História convivem com pressões mundanas do dia a dia. E o mundo vai mudando muito mais rápido do que a gente pensa.
Em 1972, a UNESCO iniciou uma lista - hoje com 1.199 locais - representando o patrimônio histórico da humanidade. Entre esses, há uma lista de 56 locais com patrimônio histórico em perigo, devido ao turismo, guerras ou simples falta de planejamento urbano. A lista inclui cidades históricas na Síria, o centro histórico de Viena e a cidade de Potosí, na Bolívia. No Brasil, Ilha Grande e Ouro Preto, incluídos na lista do patrimônio universal, estão, com certeza, ameaçados. Ainda não escrevemos para a UNESCO sobre isso.
Placa para turistas chineses em Cotswolds, na Inglaterra, 2023 | Jonas Rabinovitch/Arquivo pessoal
Placa para turistas chineses em Cotswolds, na Inglaterra, 2023 | Jonas Rabinovitch/Arquivo pessoal
Os locais famosos da lista estão longe de nós. Mas cada um acaba fazendo uma lista, consciente ou inconsciente, do relacionamento pessoal com a sua cidade. O seu café, a sua livraria, o seu ponto favorito na praia ou na praça, lugares onde encontramos família e amigos, locais com memórias de infância… Enfim, essa conexão emocional com lugares físicos nos faz mais humanos.
Lugares são organismos vivos que nascem, crescem e, às vezes, morrem, como qualquer organismo. Nem toda cidade pode ser um patrimônio histórico da humanidade. Mas cada cidade tem potencial para se transformar em um patrimônio público para todos os seus habitantes.
Ilha Grande, no Brasil, 2024: paraíso ameaçado | Jonas Rabinovitch/Arquivo pessoal
Ilha Grande, no Brasil, 2024: paraíso ameaçado | Jonas Rabinovitch/Arquivo pessoal
Cidades são invenções extremamente eficientes por concentrarem em apenas 3% da área do planeta mais de 80% da economia global. Não sei se o planejamento de cada cidade será feito de forma inteligente para beneficiar a todos. Mas, nesse ano de eleições municipais, todos têm o dever de escolher bem seus prefeitos. No fundo, é essa vontade de “consertar o mundo” que acaba fazendo a diferença entre lugares desenvolvidos ou não.
Tenho certeza que o somatório das decisões tomadas hoje em cada cidade irá definir se teremos um planeta mais ou menos sustentável para toda a humanidade nas próximas décadas.