Opinião
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
África Vapt-Vupt
Foi uma das viagens mais rápidas e estranhas que já fiz. Guiné Equatorial, na costa oeste da África. Fui convidado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para fazer uma palestra pela ONU e debater governo digital: políticas para facilitar a vida dos cidadãos oferecendo serviços públicos via computador, sem filas; por exemplo, renovação de carteira de motorista, pagamento de multas, matrícula em escolas públicas etc.
Saindo de Nova York, passei mais tempo no avião do que na África. Quando finalmente cheguei, tarde da noite, o carro que deveria me buscar não apareceu. Acabei pegando uma carona até o hotel com um senhor que conheci no avião.
A capital da Guiné Equatorial, Malabo, fica na ilha de Bioko, a 160 km do litoral do país. A comunidade lusófona organizou o Congresso ali para promover cooperação em governo digital entre todos os países de língua portuguesa. O português é a quinta língua nativa mais falada no mundo, sendo idioma oficial de nove países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Todos participaram da reunião. Até me perguntaram: quando o português será uma língua oficial da ONU? Eu disse que dependia mais deles do que do Secretariado das Nações Unidas. Os países promotores da ideia teriam que arcar com custos adicionais de tradução, interpretação etc.
Uma curiosidade: a Guiné Equatorial é o único país da África onde se fala espanhol. O país também escolheu o português como uma de suas línguas oficiais, apesar de pouco falado por lá. Outra curiosidade: a conferência começou com três horas de atraso porque o ministro encarregado dela recebeu todos os convidados internacionais separadamente para reuniões de cortesia nos bastidores, ignorando totalmente a agenda do evento. Coisas da cultura local.
A Guiné Equatorial é o país rico mais pobre que eu já vi. É a maior renda per capita da África, devido ao petróleo, mas 75% da população é pobre. O presidente Teodoro Obiang governa desde 1979. Fui visitar a feira central de Malabo, onde a carne de macaco é vendida como iguaria para ricos, apesar da proibição oficial. É triste, mas verdadeiro: a Bélgica tem uma área semelhante, mas um produto interno bruto 50 vezes maior. Um bebê nascido na Bélgica tem muito mais chance de prosperar na vida do que um bebê nascido na Guiné Equatorial.
Fiquei um dia e meio na África. A viagem “bate e volta” foi bem-sucedida. A cooperação da ONU na área de governo digital foi elogiada pelos países de língua portuguesa. Se alguém me perguntar se a vida dos equato-guineenses vai melhorar por causa dessa iniciativa, minha resposta honesta vai ser: espero que sim. Por razões políticas, o resultado final está sempre muito além do meu controle.