Gentileza urbana
Instituto Jaime Lerner
Lentes positivas para pensar a cidade como solução pelo olhar do Instituto Jaime Lerner.
Instituto Jaime Lerner
O que sonham as cidades para o Ano Novo?
Rua Prudente de Moraes passou por reforma para ampliar o espaço de pedestres, ciclistas e flores
Se as nossas cidades fizessem resoluções de ano novo, o que será que almejariam?
Ponderando possíveis respostas, recordamos algumas conversas com o Jaime e um especial capítulo do seu livro "Acupuntura Urbana", no qual ele aborda o tema da gentileza.
Gentileza, como colocam diferentes dicionários, é o substantivo que define a qualidade do que é gentil, um ato de delicadeza, uma ação de grande distinção. É mais do que uma atitude educada, pois carrega em si o atributo da generosidade. A sabedoria popular coloca que “o favor é feito com o cérebro e a gentileza com o coração”. Diversos estudos demonstram que a prática da gentileza irriga nosso sistema nervoso central com o trio hormonal do bem-estar (endorfina, serotonina e dopamina) ao mesmo tempo em que reduz os níveis de cortisol (o hormônio do estresse) e a pressão arterial.
Talvez, para o novo ano, nossas cidades, se pudessem, resolveriam por mais – muito mais – gentileza. Uma "gentileza urbana" que se expresse de maneira singela ou grandiosa, capitaneada pelos mais diferentes atores, nas mais diversas formas, em múltiplas escalas.
Um violino tocado em uma varanda, como o que emocionou vizinhos na pandemia. Um ponto de comércio que ilumina uma esquina no cenário noturno. A reforma de uma rua que abre mais espaço para pedestres, ciclistas e flores. Um sistema de transporte público ágil, pontual e confortável. A recuperação de um imóvel histórico para o usufruto da população. A transformação de uma orla em um parque. De uma pedreira em sala de concertos. De praças em eventos gastronômicos e da cidade em um palco para atividades culturais. Ônibus decorados com luzinhas de Natal. Um músico que se apresenta em uma entrada de metrô. O resgate social em uma noite fria. Um banco à sombra de uma árvore frondosa em um dia quente. Enfim, grandes e pequenos gestos que aproximam as pessoas das cidades, as cidades das pessoas, as pessoas das pessoas.
Gentilezas que, quiçá, gerem mais gentilezas, contribuindo para um ambiente urbano mais saudável.
Nos últimos 50 anos, Curitiba passou de cerca de 5 m2 de área verde por habitante para mais de 50 m2, em que se pese que nesse período a população mais que triplicou. Milhares e milhares de árvores gentilmente contribuem para o conforto ambiental da metrópole, para a macrodrenagem e para corredores da vida silvestre. Tal resultado é fruto de um conjunto robusto de políticas públicas, boas práticas e incentivos, mas há uma singelamente ambiciosa iniciativa inaugurada em meados dos anos 1970 que influenciou essa transformação cultural-ambiental. Conforme o Jaime narra no "Acupuntura": “Curitiba plantou um milhão de árvores em menos de duas décadas. O começo foi um gesto de verdadeira gentileza urbana. Para garantir a irrigação de todas estas pequenas árvores plantadas nas ruas, foi solicitado o apoio da população. O governo municipal lançou uma campanha que dizia: ‘A Prefeitura dá a sombra e você, a água fresca’.”
No livro "Dicionário da Alma", Chico Xavier coloca que “A gentileza é filha dileta da renúncia e guarda consigo o dom de tudo transformar em favor do infinito bem.” São os votos do Instituto Jaime Lerner que, em 2024, possamos caminhar, a passos largos, em sendas borbulhantes de gentilezas urbanas, realizando o sonho das nossas cidades! Feliz Ano Novo!
*Urbanista da Jaime Lerner Arquitetos Associados, é doutora em Gestão Urbana pelo PPGTU-PUCPR e professora na Universidade Tuiuti do Paraná