Opinião
Sheyla Christina
é a primeira arquiteta drag queen da América Latina. Criada em 2021, durante a pandemia, a personagem idealizada por Fábio Marxx aborda nesta coluna e nas suas redes sociais questões sociais e trivialidades do cotidiano, com muito conteúdo e humor. Desde que criou a personagem, Fábio construiu uma narrativa de sucesso unindo conteúdos sobre arquitetura e decoração com lifestyle.
Arquitetura por amor
Como arquitetos e designers devem se posicionar nas redes sociais em tempos de influência digital?
Querid@ leitor@,
Hoje vou falar sobre um assunto muito delicado, que divide opiniões assim como política e religião, mas que deve ser discutido com mesma intensidade e paixão, afinal de contas trata-se das nossas carreiras e como ela vem se transformando ao longo dos anos - nos últimos 3 ou 4 anos mais rápido que nosso próprio raciocínio.
Uma das frases que eu mais ouço é: eu sou arquiteto, não sou influencer. Tenho que admitir que também acho chato essa tendência de que todo profissional deve ser influenciador, desde o artista, o dentista, até o veterinário. Mas infelizmente o mercado mudou e eu agora vou te dar algumas dicas de como você deve pensar no seu posicionamento e do seu escritório nesta era da influência digital.
Parte da minha jornada, como poucos sabem, não se deu inicio na internet, muito menos no escritório do meu pai sendo herdeira, mas sim em uma pequena marcenaria em Pinhais, região metropolitana de Curitiba, no Paraná. Na rotina dessa marcenaria, aprendi muitas coisas que inclusive busco inspiração para desenvolver meus conteúdos até hoje. Naquela época eu não imaginava que tudo que eu estava vivendo iria se transformar em conteúdo e que iria me acompanhar por tanto tempo. Agora, vejo que tudo que eu vivi também se aplica a uma dica preciosa que quero compartilhar nesse texto com você: não há fonte maior de inspiração para criação de um conteúdo ou até mesmo de um projeto que a nossa própria história.
Mas para que mexer em seus medos, anseios, passado em busca de histórias que talvez você nem queira lembrar? Engana-se quem achou que eu viria com um papo de coach dizendo uma frase de impacto sobre auto aceitação. Em época de criação de conteúdo e influência na internet você tem que se humanizar para conseguir o que todo arquiteto que tem seu próprio escritório quer: atrair clientes, ganhar dinheiro e se tornar um profissional de sucesso ou no mínimo relevante.
Nada substitui o velho boca a boca, mas lembre-se que não é só você que tem o poder da fala, mas o seu cliente também. Com amplo acesso às redes sociais ele tem a liberdade e expertise de expor o seu trabalho em um raio muito maior que só o condomínio onde foi realizada a obra, transformando aquela fofoquinha que inicialmente estaria só no bairro em uma thread poderosa que pode ser compartilhada milhares de vezes no X, antigo Twitter.
O boca a boca continua sendo uma das ferramentas mais poderosas de um profissional, isso se ele souber usar essa ferramenta a seu favor e, de certa forma, “induzir” o seu cliente a abrir o seu bocão e falar bem dele nas redes - eu digo induzir porque ninguém vai falar bem de você ou te marcar nos stories sobre algo positivo que você fez se você não pedir, então não tenha medo de falar para as pessoas te marcarem em uma foto ou em um vídeo.
Imagine um caso: O cano da cozinha do seu cliente estourou por erro do encanador, situação não impossível, erros humanos acontecem. A cozinha está alagada com os móveis que acabaram de ser finalizados, seu cliente chega em casa e se depara com esta cena. Provavelmente, ele lindamente vai tirar o celular do bolso e postar um storie te culpando. Como dizia aquele ditado popular “notícia ruim corre rápido” e mesmo em tempos de internet, não há verdade que mais prevalece do que essa.
Mas nem só de boca a boca vive um escritório em 2024. Quando eu explodi nas redes sociais com Sheyla Christina, essa persona super debochada, bem humorada e às vezes até escrachada demais - o que mais surgiu foi gente querendo fazer projeto com ela (e veja bem: as pessoas não estavam querendo um projeto assinado por Fábio Marx, mas sim por Sheyla Christina, a maior arquiteta do país) isso porque Sheyla já chegou se posicionando como a maior e não importa se isso é mentira ou verdade, as pessoas que foram impactadas por aquele vídeo acreditaram no que estavam assistindo.
“Ah, então você está me falando que para eu me posicionar na internet eu tenho que mentir?” Muito pelo contrário: eu estou falando que você tem que falar a verdade, uma verdade que você acredita, uma verdade que só você tem, uma verdade que vai fazer as pessoas te notarem no meio da multidão. Eles costumam chamar essa verdade de AUTENTICIDADE e autenticidade nada mais é do que ser você mesmo independente do que os outros vão pensar e ter o poder de convencê-los que o que você acredita é real - mesmo que você seja um pouquinho delusional, como foi o caso de Sheyla Christina.
Depois de descobrir essa verdade vem um dos processos mais difíceis (na verdade todos eles são) – perder a vergonha e mostrar essa verdade para o mundo. O medo, como minha querida amiga Eliana falou em seu posicionamento oficial depois de sair do SBT e ir para a GLOBO, pode ser um aliado, mas também pode acabar com sua carreira te deixando estagnado em sua zona de conforto: “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. Tudo bem ter medo de errar quando você liga uma câmera e tem que falar com o nada, isso vai fazer você tomar cuidado com as palavras, prestar atenção na sua dicção, perceber que milhares de pessoas podem ver aquele vídeo e você não quer que a atenção vá para o resto de batom que você deixou sujar seu dente. Mas não se bloqueie por conta disso e saiba que mesmo um dente sujo de batom pode ser um gancho para fazer as pessoas prestarem atenção no que você está falando e postar esse vídeo que não está perfeito, mas pode ser visto como um ato de coragem e autenticidade.
Eu não estou falando que você deve sujar o seu dente de propósito ou forçar narrativas que não fazem parte do seu cotidiano para parecer autêntico, mas como aprendi com minha amiga Gabi Lopes no título do seu livro que já é bem explicativo “Antes feito, do que perfeito” e é isso que vai fazer sua audiência se identificar verdadeiramente com você: a sua humanidade.
Existem duas formas de fazer as pessoas compartilharem seus conteúdos e te seguirem nas redes sociais e eu já vou relacioná-las com a criação de conteúdo sobre arquitetura. A primeira é através da identificação e vocês podem perceber isso em uma das maiores trends dos últimos tempos das redes sociais, o tal do POV, que significa Point Of View (ponto de vista) e basicamente se resume em alguém interpretar alguma situação do dia-a-dia, fazendo com que as pessoas se relacionem com aquela realidade e acabam compartilhando o vídeo.
O mais engraçado disso tudo é que não existe fórmula de pensar um conteúdo, pois literalmente qualquer coisa do seu dia-a-dia pode virar vídeo, afinal nenhuma experiência humana é única e mesmo que você pense “esse tipo de coisa só acontece comigo” pode ter certeza que você não é um alecrim dourado e milhares de pessoas estão passando pela mesma situação... e que bom, porque tem gente ganhando muito dinheiro recriando essas ceninhas do cotidiano.
A outra forma é através de conteúdo aspiracional, o que nos interessa muito quando se fala de projetos arquitetônicos, pois as pessoas vão te seguir, te compartilhar e virar seu cliente única e exclusivamente se elas sentirem uma coisinha por você: inspiração e admiração.
Você é um objeto de desejo, o seu trabalho é transformar sonhos em realidade, as pessoas te procuram porque veem em você, arquiteto e designer de interiores, uma possibilidade de tirar do papel aquele projeto que nem elas sabem como está na cabeça delas (porque sim, o cliente confuso é o mais comum nesse meio) você é arquiteto, mas também é psicólogo quando tem que ficar ouvindo as frustrações do casamento do seu cliente. Você é arquiteto, mas também é humorista quando tem que sair de uma saia justa entre seu mestre de obras e o síndico do condomínio. Você é arquiteto, mas também entende de gastronomia, afinal de contas tem que engolir cada sapo. E agora mais que nunca, você deve ser arquiteto, mas também deve se aventurar nessa profissão nova que todo mundo está falando: o tal do digital influencer.
A melhor forma de atrair pessoas no seu perfil é mantendo o equilíbrio entre o aspiracional e a identificação. Se você é distante demais do seu público mostrando sempre a obra pronta e nunca aparecendo, pois você é caro e inacessível, isso vai fazer as pessoas se afastarem. Agora se você mostrar cada cano que furou, cada porta que instalaram torta e cada pepininho que teve na obra, isso também vai desvalorizar seu trabalho te vulnerabilizando de tal forma que as pessoas vão olhar pra você e pensar: ah isso eu também consigo fazer, nem preciso dele.
Mas aí podem me perguntar “e quem é você para falar tudo isso sem conhecimento de causa, já que nem projetos você faz mais hoje em dia?” e sim, hoje em dia, por escolha minha, não faço mais projetos de interiores, depois de 10 anos trabalhando na área. Além dos anos de experiência, depois de tanto tempo trabalhando com internet, ouvindo relatos de outros arquitetos, ouvindo relatos de clientes e tendo sido obrigado a ler comentários maldosos de haters que não querem acrescentar em nada na sua vida, eu passei de um simples designer de interiores para um comunicador do mercado da construção civil, que conversa com outros profissionais, conecta empresas, pensa em formas de aproximar pessoas e mesmo não reformando mais casas e prédios eu ainda construo pontes entre seres humanos (Sheyla Christina, arquitetura por amor).
Com Fábio eu me mostro humano e faço as pessoas se identificarem comigo, com Sheyla eu faço as pessoas se inspirarem, se aceitarem, e até soltarem suas feras pois ela faz coisas que são politicamente incorretas, mas que no fim todo mundo queria fazer igual. E é assim que você deve pensar com os seus projetos: seus projetos são aspiracionais, são o ápice de tudo que você construiu, é a Sheyla Christina do seu conteúdo.
Mas para chegar lá houve um longo caminho que foi percorrido e é aí que você deve se mostrar e fazer as pessoas se identificarem com você. Citando Rupaul pela segunda vez nesta coluna: Vulnerabilidade é poder. Mostrar tudo pronto é maravilhoso, mas se você não mostra o processo, ninguém vai saber o quão difícil foi, quanto tempo levou para fazer aquilo, o quanto você se dedicou, quantas lágrimas foram derramadas, quanto pó de MDF foi espalhado, quanto cano foi furado (lembrando óbvio de mostrar só o necessário) isso vai fazer com que as pessoas se identifiquem com seu trabalho, humanizem sua imagem e queira te contratar para ser o arquiteto da vida delas.
Se mesmo depois disso tudo você acha que não é capaz de se posicionar nas mídias sozinho – afinal de contas isso leva muito tempo e dedicação, coisa que um escritório de arquitetura não tem, pois nunca para – não tenha medo de procurar uma empresa especializada no assunto. Investir tempo é importante, mas às vezes você deve investir dinheiro também. Não leve isso como algo passageiro, supérfluo que não vai trazer retorno nenhum, não coloque seu estagiário para fazer o trabalho de um social mídia ou assessor de imprensa (o meu é ótimo por sinal), não faça o funcionário que está detalhando um projeto complicadíssimo parar para fazer um conteúdo para sua página. Existem pessoas especializadas nisso hoje em dia e está cada vez mais comum existir dentro de escritórios um setor focado apenas na criação de conteúdo. Se não pode ter um setor inteiro, tenha pelo menos uma pessoa contratada que foque só nisso. Experimente e me agradeça depois.
Dito isso, eu sei que a coluna de hoje foi mais séria, com menos trocadinhos Sheylisticos e mais focado. Mas é porque eu preciso que você PARE DE SER LOUCA e olhe com mais atenção para essa parte da sua vida profissional, talvez esse seja o motivo do seu escritório estar estagnado.
Depois de 2.077 palavras eu ainda acho que falei pouco pois poderia desenvolver um livro inteiro só sobre o assunto trazendo temas, formas de gravar, editar, postar um Reels/ Tiktok ou até mesmo um tweet. Mas no fim, a nossa conversa hoje foi apenas para ajudar você no seu processo de “fazer”. Fazer do seu jeito pois eu tenho certeza que a concorrência já está fazendo do jeito dela.
Um Sheyro e até o seu próximo Reels.