Opinião
Sheyla Christina
é a primeira arquiteta drag queen da América Latina. Criada em 2021, durante a pandemia, a personagem idealizada por Fábio Marxx aborda nesta coluna e nas suas redes sociais questões sociais e trivialidades do cotidiano, com muito conteúdo e humor. Desde que criou a personagem, Fábio construiu uma narrativa de sucesso unindo conteúdos sobre arquitetura e decoração com lifestyle.
Arquitetura por amor
Atemporalidade não existe
Querida leitora, se no nosso último encontro aqui na coluna eu me senti em "Gossip Girl", nesta estou me sentindo a própria Lady Whistledown, em "Bridgerton", porque a fofoca vai ser forte e polêmica! Talvez, nem todos os citados nesse texto saiam felizes, mas saibam que o objetivo dessa escritora não é ofender ninguém, mas sim, trazer verdades que merecem ser ditas.
Fala-se muito sobre ambientes atemporais, espaços vazios com paredes brancas, móveis seguindo a mesma paleta, formas retas, tecidos que podem ter ou não texturas, mas que seguirão os tons de cinza e bege do resto da casa - tal qual Kanye West fez em sua mansão com Kim Kardashian, que mais parecia um templo do que um lar.
As curvas das obras emblemáticas de Oscar Niemeyer também são consideradas atemporais, com concreto que parece massinha maleável que modela verdadeiras obras de arte que desafiam as leis da física, assim como a rampa vermelha que leva a "naves espaciais”, do MAC [Museu de Arte Contemporânea], em Niterói.
De acordo com o Google: “atemporal é um adjetivo usado para qualificar algo ou alguém que não é afetado pelo passar do tempo, ou seja, que faz parte de qualquer época ou tempo”. Dentro da arquitetura pensamos nesses espaços como projetos que não sofreram influência de nenhum tipo de tendência ou moda de sua época, buscando por conceitos próprios mesclado com a contemporaneidade e, em algum momento, trazendo algo modernista para o ambiente.
Mas como criar um espaço que não sofra a afetação de tendência nenhuma? Que esteja antes e, ao mesmo tempo depois, de seu próprio tempo? Que não seja moderno, mas não seja vintage, não seja contemporâneo e nem neoclássico. Que seja o tudo e o nada, que tenha referências, mas que não tenha nenhuma e que fale por si só através de todos os tempos a sua própria linguagem?
Para mim, um ambiente atemporal é um ambiente sem personalidade, sem vividez, que tenta passar despercebido, não provoca felicidade, alegria, vontade ou nem mesmo tristeza. Mas o pior de tudo é querer se denominar atemporal mesmo tendo sofrido claramente com tendências do nosso tempo, do que se imagina do futuro ou do que foi o passado. Por isso, na minha concepção, não existe atemporalidade, nunca existiu e nunca existirá. Seja no âmbito da arquitetura, das artes plásticas ou musicais.
Alguns consideram Tom Jobim atemporal, mas ele marcou uma era. O mesmo pode estar acontecendo com Anitta, em "Funk Generation", ou com as músicas de Liniker, que pela sua qualidade pode perdurar por gerações. Chico Buarque conseguiu fazer isso, mas mesmo assim ainda é responsável por marcar um período da história. Quando falo sobre atemporalidade na música só me vem "Sangue Latino", de Ney Matogrosso (mas aí estaria me contradizendo), então melhor não citar essa obra-prima atemporal.
Por isso, e por muitos outros motivos, acho que temos que nos livrar desse termo e admitir que o projeto que estou fazendo hoje é sim TEMPORAL. Temporal por ser potente, por fazer barulho, assim com seus trovões e trovoadas, por chegar sabendo o que quer e por querer, sim, marcar uma geração. A tinta que pintei na minha parede hoje não é para me agradar o resto da vida, pois tenho o direito de enjoar desta cor, tenho o direito de ser uma "metamorfose ambulante" e, por vezes, não ser coerente com ideias e pensamentos que tive dias atrás.
O ser humano é incoerente e, muitas vezes, o que se determina ser atemporal hoje não será amanhã, e depois de amanhã pode voltar a ser. E sinceramente, usar a palavra atemporal para descrever seu projeto é tão ultrapassado quanto usar os termos confortável, único e personalizado. Isso porque todo ambiente deve ter conforto, todo ambiente deve ser único e personalizado para quem vai morar nele e, principalmente, todo ambiente deve tentar durar o máximo de tempo possível independentemente das influências de sua geração, mas consciente de que isso não vai acontecer.
Nesta coluna, não trago somente a crítica. Mas, sim, a reflexão: você acha que existe mesmo um projeto atemporal? Hoje, com inspirações mais misteriosas e introspectivas, esta colunista também quer saber, pois, até agora, não me recordo de admirar algo realmente atemporal - ou melhor, que se autodenomina atemporal. Lembre-se que até mesmo o Sol sabe a hora de se retirar. Você acha mesmo que os estilos e repetições que criamos devem mesmo perdurar para sempre? Saiba o momento de se retirar, minha cara, e também de se reinventar. Por isso, me retiro agora, com muito amor. Um Sheyro: Sheyla Christina, Arquitetura por amor e temporal.