Estilo & Cultura

Monumentos ao ar livre, cruzes gigantes de Curitiba remetem à demarcação de terras pelos imigrantes

Marina Pilato*
30/07/2018 10:30
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Ao passar por uma igreja, fazer o sinal da cruz como demonstração de fé ou pedido de proteção é um hábito entre muitos católicos. Em alguns bairros de Curitiba, o gesto é repetido quando os fiéis caminham em frente às chamadas cruzes ou cruzeiros. São monumentos simples, ao ar livre, dedicados ao símbolo dessa crença. Bairros como o Umbará e o Pilarzinho têm esses espaços como parte de sua paisagem, mas com significados distintos.
São conhecidos quatro monumentos como esse no Umbará, de tradição italiana e católica. As cruzes estão sempre localizadas em cruzamentos entre ruas. De acordo com o arquiteto e historiador Irã Dudeque, essa localização estratégica diz muito sobre o simbolismo da intenção quando as cruzes foram instaladas. “Desde a Antiguidade, os cruzamentos simbolizam locais de transição. Colocar uma cruz ou sinal em um espaço assim significa o encontro de caminhos, independentemente de em que bairro ela esteja”, explica.
Fotos para matéria da Haus sobre as cruzes existentes na cidade e suas histórias e crendices . cruz religião fé .  Local: Rua Vereador ângelo Burbello 2275 Umbará
Fotos para matéria da Haus sobre as cruzes existentes na cidade e suas histórias e crendices . cruz religião fé . Local: Rua Vereador ângelo Burbello 2275 Umbará
Entre 1930 e 1950, incursões dos missionários passionistas pelos bairros buscavam levar os ensinamentos da Bíblia e as práticas cristãs. Por uma semana, esses missionários pregavam aos fiéis não só na igreja, mas em encontros e palestras pela comunidade. Ao final desse período, era realizada uma procissão da Paróquia São Pedro com toda a comunidade até o local onde a cruz seria instalada. No Umbará, os monumentos são uma lembrança da passagem dessas missões.
Embora façam parte da mesma iniciativa, as cruzes foram instaladas em anos distintos. A mais antiga delas fica na Rua Nicola Pellanda e data de 1937. Já a da Rua Ângelo Gai é de 1948 e em torno dela foram plantadas árvores e instalados bancos, formando o Jardim Júlia Scroccaro Burbello, em homenagem à uma senhora que morava em frente ao local e cuidava com esmero do espaço comum. A manutenção das cruzes é toda feita pela vizinhança. “A gente cuida, cortamos os matos e limpamos quando precisa”, conta o morador Renato Wacheski, que chegou a participar das missões mais tarde, na década de 1970, quando as cruzes já estavam instaladas.
Se traçadas linhas ligando as quatro cruzes do Umbará, forma-se um cerco quase nos limites do bairro. “Os moradores mais antigos contam que os missionários pregavam para que houvesse uma cruz nos quatro cantos, assim o mal não penetraria”, conta Marcos Zanon, historiador que estuda a região. As atividades tornavam a população mais unida. “Os padres tinham grande poder de comunicação e promoviam uma vivência religiosa que intensificava a vida em comunidade”, completa.

No Pilarzinho, cruz lembra os imigrantes

Fotos para matéria da Haus sobre as cruzes existentes na cidade e suas histórias e crendices . Na foto a Cruz do Pilarzinho , erguida em homenagem aos imigrantes poloneses , pioneiros na região . cruz religião fé .  Local: Av. Des. Hugo Simas 2798 Pilarzinho .
Fotos para matéria da Haus sobre as cruzes existentes na cidade e suas histórias e crendices . Na foto a Cruz do Pilarzinho , erguida em homenagem aos imigrantes poloneses , pioneiros na região . cruz religião fé . Local: Av. Des. Hugo Simas 2798 Pilarzinho .
A Cruz do Pilarzinho, localizada na esquina das ruas Hugo Simas e Raposo Tavares, foi objeto central de polêmicas ao longo sua história. Não há registros concretos, mas acredita-se que tenha sido erguida no mesmo ano que a Capela Nossa Senhora do Pilar, em 1782, e que representaria um marco territorial dos primeiros imigrantes a chegarem na região, como se fosse uma bandeira fincada. Local de devoção e de pedidos dos fiéis, no alto da cruz há uma caixa com a imagem de Cristo crucificado.
Entre os percalços já passados pelo marco, estão a chuva que destruiu parte dela nos anos 80 – essa foi sua terceira reconstrução, as outras duas aconteceram para manutenção, em 1906 e no final dos anos 1950 –, a tentativa de mudá-la de lugar e a ideia frustrada de torná-la nome de bairro, em uma possível separação do Pilarzinho.
Porém, o que se sabe é que, hoje, a cruz homenageia os imigrantes poloneses que se instalaram na região a partir de 1871. Uma placa no local lista os nomes das primeiras famílias a habitarem o entorno. Há uma discussão na Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, da Fundação Cultural de Curitiba, para que a Cruz do Pilarzinho seja tombada como patrimônio histórico. “É claro que é preciso criar um sentido de preservação dos elementos que têm valor simbólico, por isso o ideal seria que todas essas cruzes representativas fossem cuidadas”, opina o arquiteto Irã Dudeque, que faz parte da Conselho.
*Especial para Haus.

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