Você sabe o que é que fisga o seu coração em uma cidade?
O que é marcante em uma cidade está nas áreas de renovação lenta ou preservada, os distritos históricos. Foto: Marialba Gaspar Imaguire
A recente preocupação com a “fisionomia” das cidades, num certo sentido, visa torná-las turisticamente mais atraentes: qual, de entre as várias paisagens culturais existentes, é representativa dela?
Às vezes, durante um percurso, uma casa ou construção estabelece uma empatia imediata e nos leva a comentar: “Ah, parece a minha cidade”. Depois, procurando racionalizar a observação, não encontramos onde está a semelhança – ou esta é irrelevante.
Não é imprescindível que a empatia seja com a nossa cidade de origem, poderá ser com qualquer uma que conheçamos relativamente bem, e que tenha agradado a ponto de permanecer gravada nas nossas retinas.
Dificilmente a paisagem evocada será modernista: não só pela quantidade, como também pela mesmice da arquitetura de mercado, as paisagens contemporâneas são áridas e inexpressivas ou muito semelhantes em qualquer canto do planeta.
O que é marcante em uma cidade está nas áreas de renovação lenta ou preservada, os distritos históricos. Aí pode ser lida, nas arquiteturas e configurações urbanas, a formação e a evolução da cidade, em nuances que às vezes requerem malabarismos por parte dos historiadores para serem entendidas. Para o morador, é a pertinência que irá despertar a estima.
Não estou pensando nos grandes monumentos, que comportam, em si, uma inserção histórica até mais forte que a paisagística. Penso naquelas casas discretas, que foram ocupando os lotes ao redor do centro antigo das cidades. Abrigaram gerações, foram formando ou sendo incorporadas à paisagem, consolidaram-se nela e na rua, na vida – da quadra, do bairro, da cidade inteira. Sua demolição é sempre traumática.
Há muitos motivos para que isso aconteça: a época em que foram feitas, os materiais então disponíveis e o acervo cultural de quem as construiu. Quando se trata com fases de crescimento intenso de uma cidade, é provável que os construtores, sendo poucos, tenham impresso às obras sua própria concepção espacial, repetindo as fórmulas que, consciente ou inconscientemente, dominavam melhor.
Mesmo dentro de uma aparente diversidade, haverá parâmetros de escala, de comportamento urbanístico, de estética, em relação à paisagem da urbe da qual participam.
Monteiro Lobato não teve o azar de conhecer uma palavra atualmente em moda, o desapego. Ele nos chamava atenção para a palavra “querência” e para seu conteúdo poético profundo: o lugar para o qual se quer voltar, que é da estima acima das considerações práticas.
As casas comuns, a fisionomia – ou a paisagem, se preferirem – da cidade, são a parte maior dessa querência.