A individualidade que resta nas casas contemporâneas
Na cozinha, o registro de uma produção criativa caseira, antes que desapareça. Foto: Marialba Gaspar Imaguire
Há tempo, circulou por aqui uma exposição alemã – excelente como todas as que nos mandavam – de fotos, mostrando “artistas em seus locais de trabalho”. Fiquei pensando com meus botões – coitados, cansados do tanto que os incomodo – que colecionar espaços poderia revelar muita coisa sobre nossa sociedade.
Por exemplo, vemos na HAUS documentações sobre casas, dos espaços que as compõem. Esses ensaios revelam, sob o trabalho do decorador, características do proprietário e de sua família. Mas se reunirmos espaços de mesma função, sob abordagens diferentes, as conclusões serão outras.
Não, não estou querendo inventar a roda, claro que isso já foi feito. As coleções de espaço a que me refiro teriam mais interesse quanto menos houvesse intervenção nossa. Porque o arquiteto trabalha com produtos do mercado – que são datados pelo material, desenho e modismos.
As coleções que sugiro aos fotógrafos deveriam ter um amplo espectro de regiões, classes sociais e, evidentemente, ocupações e profissões. A sequência de imagens, revelaria mais do que singularidades individuais e regionais: mostraria, num corte diacrônico, a riqueza das abordagens na solução das funções espaciais.
Assim: as primeiras churrasqueiras de apartamento que conheci, foram em Porto Alegre. Faz sentido, certo? Como faz sentido um fogão a lenha em casa atual, encostado numa parede e com três lados livres para as pessoas se agruparem ao redor do calor: fala de sociabilidade e intimidade.
Assim como cozinhas – agora comuns – acopladas à sala de jantar, onde as vitualhas saem do fogão para a degustação com percurso mínimo. Elas lembram uma época bem distante, em que a cozinha era isolada da sala, e a comida preparada por cozinheiras. Agora, gostamos de fazer diante dos convidados, enquanto rolam a conversa e os causos.
Estou na cozinha porque, já perceberam, gosto dela. Mas os espaços de, digamos, produção criativa caseira, precisam de registro antes que desapareçam. A tendência é uma mesinha com espaço apenas suficiente para o notebook, quando muito. As bibliotecas, então, nem se mencionam – no máximo uma estante mais para o ornamental e um toque de refinamento cultural, numa parede da sala.
As casas japonesas – como se sabe, nos limites do despojamento – têm o “tokonoma”, um canto pouco elevado do piso onde, com poucos elementos, os moradores expõem algumas predileções: um bonsai ou ikebana, um quadro, um ou outro objeto que ressaltam na baixa densidade do ambiente.
É um mínimo de individualidade que resta nas casas contemporâneas. Encontramos largueza de espaços para jogos, home theater, garagem para vários carros – mas raramente uma parede ou pequena estante para uma coleção de qualquer coisa, lembranças de viagem, quadros, plantas ou fotos que fazem as visitas exclamarem: “Ah, esse canto é a sua cara!”