Arquitetura
Urban Sketchers, os retratistas do tempo em ação em Curitiba
Sketch de Fabiano Vianna, na Sim Galeria
Em uma tarde gelada de sábado, cerca de 20 pessoas concentram seu olhar na Casa de Pedra, onde funciona a Galeria SIM, no Batel, e voltar sua atenção para o caderno em seu colo. Alguns improvisam um cavalete usando um tripé, uma prancheta ou o próprio muro, ficando de costas para a edificação. Nas mãos, grafite, pincel, marcadores, canetas. Desenham a casa de ângulos diferentes, compondo histórias e realçando detalhes: o tronco da árvore em frente, o padrão das pedras da fachada. O silencioso grupo é o Urban Sketchers, “croquizeiros” que se reúnem aos sábados à tarde, por duas horas, em locais diferentes. O grupo é espontâneo e combina pelo Facebook os endereços.
A Casa de Pedra foi o tema do 75º encontro dos desenhistas (amadores e profissionais), que já traçaram linhas para retratar o Jardim Botânico – em um encontro nacional que reuniu em Curitiba mais de 300 desenhistas –, um orquidário, o ensaio da orquestra sinfônica, uma fábrica de aviões, uma aula de balé. “Desenhar prédios e casas é mais comum porque é um exercício que arquitetos e artistas fazem. Tem coisas que a gente não conseguiu desenhar, como shopping. Mas não temos preconceito com os temas”, explica Fabiano Vianna, ilustrador e designer, um dos organizadores do Urban Sketchers Curitiba.
Ele descreve seu trabalho como uma crônica gráfica, fabulando histórias e incluindo personagens no cenário. Um de seus registros no caderno é a casa de vidro de Lina Bo Bardi, em São Paulo. No primeiro plano, colocou Lina sentada. “O sketch é um desenho rápido, um exercício, e quando estamos desenhando algo tão dinâmico como alguém dançando, é desafiador, porque toda hora mudam as posições”, diz Fabiano.
Experiência
Duas páginas do caderno de Sueli Baglioli reúnem pequenos desenhos de detalhes da Casa de Pedra. Ela começou a desenhar há três anos, quando foi a um encontro do Croquis Urbanos, outro grupo que reúne desenhistas nas manhãs de domingo. “Nos primeiros meses, saía de lá chorando”, brincou a administradora de 57 anos. Quem folheia seu caderno retangular não percebe que a experiência é tão recente. “Gosto dos detalhes do cotidiano. Desenho em bilhete de loteria, em convite de casamento, em tudo.”
Perto dela, o casal João Paulo de Carvalho, de 29 anos, e Ana Beatriz Artigas, de 25, levaram um tripé de fotografia para fazer as vezes de cavalete. Eles estudam e trabalham com artes, produzindo seus próprios cadernos, estojos e outros itens. “A gente prefere a aquarela por ser mais portátil, é fácil de levar para qualquer lugar e desenhar no caderninho, que seja. Mas no ateliê trabalhamos com todas as técnicas”, diz João. Ao redor, a aquarela é a técnica mais usada, mas há gente sentada nos muros e no gramado com grafite, marcadores, pincéis e canetas. Um rapaz se prepara para abrir o caderno e começar seu desenho. Do alto de uma das árvores, um passarinho faz sua contribuição com um excremento. “Ah, começamos com uma cagada”, brincou, enquanto limpava com um papel. E completou, arrancando gargalhadas: “É que é um sketch mais orgânico”.
Início
O projeto Urban Sketchers começou em Seattle em 2006, quando o espanhol Gabriel Campanario passou a registrar as ruas de seu cotidiano para gravar itinerários. Começou a compartilhar no Flickr, rede social de fotografia, e seus amigos em Barcelona passaram a fazer o mesmo. E, como tudo na internet, disseminou-se rapidamente. Atualmente há grupos auto-organizados em dezenas de países e em várias cidades brasileiras. Quem frequenta os encontros nem sempre tem a profissão ligada ao hobby: são muitos arquitetos, artistas, designers e fotógrafos, mas também advogados, contadores e zootecnistas, com ou sem experiência. “O desenho é também uma forma de registro do tempo, de gravar algo antes que desapareça”, diz Fabiano. Casas de madeira são o principal exemplo desse tema: muitas delas continuam existindo apenas em papel algodão e aquarela.