O mundo inteiro corre atrás da nossa fábrica de aviões. Sim, temos uma e ela vai bem, obrigado. No passado eram universidades da Inglaterra, da França ou da Alemanha que mandavam seus projetos para cá para ver que tipo de solução magistral os brasileiros da terra dos pinheiros criariam. Sempre saíam surpreendidos. Hoje é um xeique dos Emirados Árabes que entrou em contato para a fábrica desenvolver veículos aéreos não tripulados com materiais mais leves e resistentes.
Batizada de Ipe Aeronaves, a fábrica sobrevive silenciosamente em uma área de 20 mil m² no Batel há mais de 40 anos. Quem passa em frente a suas muralhas cinzas, ali na Jerônimo Durski, próximo ao burburinho do bairro nobre, nem imagina que os galpões amarelos produziram de forma seriada mais de 300 aeronaves. Inclusive 155 exemplares do planador mais famoso e numeroso até hoje nos clubes brasileiros de voo a vela, o Quero-Quero KW1.
Como as melhores invenções que o mundo já viu, o nascimento da fábrica aconteceu meio ao acaso. A área era uma chácara e, desde a década de 1940, passou a abrigar a serraria e serralheria da família Boscardin. “Lá pelos anos de 1970 meu pai, que é um apaixonado por aviação, foi voar no Clube Politécnico de Planadores de São Paulo e percebeu a demanda que havia pela manutenção e reparos de aeronaves. Ele aproveitou a expertise da serralheria e iniciou esse novo capítulo”, conta o piloto e engenheiro civil João Carlos Boscardin Filho, vulgo Mini, 52 anos, que hoje conduz os negócios.
Laboratório de ideias
João Carlos não desgrudava do pai quando pequeno e, por terem o mesmo nome, acabou rotulado de mini. Cresceu no meio dos aviões e antes de andar de bicicleta aprendeu a voar. Ele resiste a admitir, mas hoje é um cientista incansável. Borbulha com tanta ideia, energia e vontade de fazer que cansa os desavisados só de olhar.
Com a transição do governo militar para o civil, a fábrica levou um baque. “O foco da presidência mudou e optou-se por importar centenas de monomotores argentinos em vez de continuar investindo na indústria nacional”, lamenta. E embora ainda produzissem pequenas aeronaves, também passaram a fabricar lanchas e veleiros.
Em paralelo, Mini começou a explorar novos materiais. Criou um sistema de laminação, que permite fazer a aplicação dos laminados em aeronaves de uma única vez (quando antes a aplicação era feita separadamente, área por área, durante dias), economizando tempo e dinheiro, além de sistemas novos de compósito, material resistente e flexível à base de fibra de vidro ou carbono, resina e espuma, que pode ser usado na estrutura dos aviões.
Eureka
Essa é sua filosofia de vida: sempre em busca do desconhecido, do ainda não feito, do momento eureka. Ele chama de filosofia da aviação. E está dando resultado. Nas experiências que desenvolveu na fábrica, acabou criando um novo tipo de revestimento. Por intermédio de amigos, levou o material que nasceu na indústria aeronáutica para ser comparado na França, Alemanha, Espanha e Estados Unidos. O resultado é animador: em nenhum desses lugares existe algo parecido. Nada tão flexível, resistente e à prova d’água. A ideia atraiu a atenção de alguns conhecidos, como os médicos Rodrigo e José Fernando Macedo, e o empresário Ricardo Meister, que juntos fundaram a AeroRevest, empresa responsável pelo novo material, e hoje procuram apoiadores para maior inserção no mercado. Anote aí, você ainda vai ouvir falar da fábrica de aviões do Batel.