Arquitetura e design
Arquitetura
“Projetar é ter a capacidade de dar forma ao futuro”, atesta o rockstar italiano Fabio Novembre
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Quem acompanha o dia a dia de Fabio Novembre nas redes sociais entende porque ele é conhecido como um artista pop. O italiano, 56 anos, é também um aclamado designer e arquiteto capaz de interpretar ideias contemporâneas e aproximar o público dos encantos do design. As criações desse pugliese que, aos 18 anos, deixou sua cidade natal em direção à metrópole milanesa, trazem uma estética singular com uma mensagem onírica. E por falar em sonhos, o italiano, com seu estilo inconfundível, conquistou seu espaço com obras fabulosas como a cadeira Nemo, para a Driade, célebre e enigmática, inspirada no rosto de estátuas da Grécia Antiga.
"Mais que um arquiteto e designer, sou um 'realizador' de fantasias", atesta ele em um bate-papo exclusivo com HAUS. O italiano é irrequieto. Está aqui e lá. Sempre em movimento. Trabalho e casa se confundem e não só geograficamente. O escritório ocupa parte de sua residência e é de lá que nascem peças icônicas desenhadas para a Cappellini, Kartell, Bisazza, Natuzzi e muitas outras marcas, além de projetos de arquitetura revolucionários e bem-sucedidas incursões no mundo da moda. Esse é Fabio Novembre, talento irrefreável de alma cosmopolita. Arquiteto, designer e rockstar!

Um pugliese em Milão. Um pugliese que conquistou o mundo do design com sua criatividade. Quanto da Puglia está presente em seus trabalhos?
Nasci em Lecce, uma cidade com uma estética fortemente barroca. Às vezes, os caminhos trilhados e o que vivemos ficam esquecidos no passado, mas com o tempo, inconscientemente, vem tudo à tona, até mesmo quando a tua vida toma rumos inesperados. Ou seja, a Puglia está presente em cada segundo da minha vida, está dentro de mim e se reflete em meus trabalhos até mesmo quando menos espero.
Você é considerado um artista pop, visionário e poliédrico. Como você se define?
Acredito que a definição do que somos é importante para os outros. É um modo de dar um nome, uma função, um cargo, o que ajuda na compreensão do que somos e fazemos. Então, vamos lá: sou formado em Arquitetura, mas por tudo que estudei também posso dizer que tenho um diploma de formação em Literatura.
Lecce - Milão. Primeiro, Arquitetura no Politécnico e ,depois, Direção Cinematográfica em Nova York. Quanto há de cinematográfico em seus projetos de arquitetura e design?
Minha abordagem nasce já com um limite profissional: eu não sei desenhar. Assim sendo, procurei transformar essa "lacuna" em uma oportunidade, substituindo a expressão gráfica pela escrita e adotando métodos cinematográficos em todo o meu processo criativo. O curso de direção em Nova York me ajudou a definir parâmetros em uma base totalmente nova: minha intenção é contar histórias tridimensionais. Sempre uso uma metáfora cinematográfica em meus projetos de design e arquitetura: os objetos que crio são curtas-metragens e os prédios são longas-metragens.

Qual é a diferença - se é que existe uma - entre "projetar" um showroom como o da Natuzzi, um par de óculos para a Kartell, cozinhas para a Scavolini, a sede de um time de futebol como o Milan, jaquetas para a Adidas e a icônica poltrona Nemo para a Driade. Como o cérebro criativo de Fabio Novembre "funciona"?
Para mim, projetar um showroom, uma casa ou uma nave espacial é a mesma coisa. Não há diferença. Projetar é ter a capacidade de dar forma ao futuro. Se os desafios são dos mais diferentes, aí sim aceito de 'bom grado'. O importante é ter uma visão original. Como designer, não posso dar nenhuma resposta ao cliente, no máximo posso ajudá-lo a fazer outras perguntas. Corrado Levi, que foi meu professor na universidade, sempre dizia que temos de abandonar as certezas e adotar soluções simples. Ou seja, adaptar-se em vez de seguir regras rígidas.
Como nasce um projeto ou uma peça de design assinada por Fabio Novembre?
Não tenho um método até porque as chamadas soluções e ideias se manifestam naturalmente. Digamos que eu tenho a sorte de ser um visionário e isso me isenta da aplicação metódica. No entanto, compenso esse dom natural com muita pesquisa. A minha característica fundamental na hora da criação é usar o meu know-how e a influência dos meus amigos que atuam em diferentes áreas. Os melhores resultados são alcançados através da diversidade.
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Falando em projetos: você pode nos contar um pouco sobre o projeto Villa Al Gurm em Abu Dhabi?
Para o projeto Villa Al Gurm refleti muito sobre o conceito da "privacidade". Privacidade é uma palavra-chave importante para a cultura local e, assim, concebi paredes de diferentes alturas, porém abertas, como um abraço, em direção ao mar. Um simples gesto, uma resposta arquitetônica perfeita para o que havia pedido meu cliente. As formas nascem exatamente da escolha inicial do projeto de ter como visão principal o mar. O material utilizado para a construção foi um travertino persa que oferece uma sensação de refúgio. E um outro elemento essencial foi a água: a do mar, que circunda grande parte do terreno, e a piscina, que, juntas, constituem uma espécie de sistema cardiovascular que dá vida a todo o complexo.
Você se sente mais arquiteto ou um designer?
“Dal cucchiaio alla città” [Da colher à cidade, na tradução do italiano] é o slogan criado pelo arquiteto e escritor italiano Ernesto Nathan Rogers, em 1952. Pode-se dizer que essa frase define a cultura italiana do design do pós-guerra até os dias atuais. Muitos designers italianos, incluindo os da minha geração, saíram das universidades de Arquitetura e abordaram o design com as mesmas ferramentas críticas e técnicas. Como já disse, o objetivo final é comunicar através dos nossos trabalhos, e o design e arquitetura são formas de expressão no espaço.

Você tem um estilo único quando se trata de suas roupas. Isso lhe rendeu uma colaboração com a marca esportiva Adidas. Há outros projetos futuros no mundo da moda?
Sim. E já estou trabalhando neles a todo vapor. Na loja ioNoi -- [em setembro, Fabio Novembre inaugurou no centro de Milão um espaço dedicado às criações realizadas ao longo dos anos com grande marcas internacionais de design] -- vendo minha própria linha de produtos lifestyle e, ao mesmo tempo, estou trabalhando em um grande projeto com a grife japonesa Tatras que, em breve, estará no mercado.
Em uma entrevista você disse: "É muito difícil fazer arquitetura contemporânea na Itália". Por quê?
Com relação às suas características geográficas, a Itália já é um país densamente urbanizado. Some-se a isso uma atitude muito conservadora em relação aos projetos já existentes. Se nos referimos à arquitetura histórica de qualidade, eu concordo, mas muitas vezes esse mesmo pensamento se aplica a obras antigas sem nenhum valor projetual. Esse medo de tomar decisões ousadas acabou por frear o desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica contemporânea na Itália. Admito que esta é uma questão muito delicada em um país com uma das mais importantes concentrações de monumentos artísticos do mundo, mas desta forma corre-se o risco de transformar o país em um grande museu e se esquecer de criar obras que sejam também interessantes e vitais.
Um projeto que faz parte dos seus sonhos. O que não fez que gostaria de fazer?
Eu pertenço à categoria daqueles que não se lembram de seus sonhos. Sempre justifiquei essa afirmação explicando que vivo uma vida onírica e sendo um sonhador diurno, tendo a realizar todas as minhas fantasias.
Você tem duas filhas adolescentes, é apaixonado por futebol, torcedor de carteirinha do Milan... o que faz Fabio Novembre quando não está trabalhando?
Não quero parecer banal, mas realmente não consigo separar minha vida pessoal da profissional. Tudo que faço durante o meu dia tem um fundo emocional. Há amor nas coisas que realizo e nas relações que estabeleço com os que me rodeiam. A vida é apenas uma.
Se Fabio Novembre não fosse um arquiteto/designer, seria um…
Aos dez, eu queria ser agricultor, aos dezoito, arquiteto, aos vinte e cinco, diretor de cinema. Hoje, eu canto e toco violão. Nunca somos uma única coisa, somos tudo ao mesmo tempo.