Arquitetura e design

Arquitetura

“Projetar é ter a capacidade de dar forma ao futuro”, atesta o rockstar italiano Fabio Novembre

Fernanda Massarotto, especial para HAUS
29/11/2022 21:09
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Quem acompanha o dia a dia de Fabio Novembre nas redes sociais entende porque ele é conhecido como um artista pop. O italiano, 56 anos, é também um aclamado designer e arquiteto capaz de interpretar ideias contemporâneas e aproximar o público dos encantos do design. As criações desse pugliese que, aos 18 anos, deixou sua cidade natal em direção à metrópole milanesa, trazem uma estética singular com uma mensagem onírica. E por falar em sonhos, o italiano, com seu estilo inconfundível, conquistou seu espaço com obras fabulosas como a cadeira Nemo, para a Driade, célebre e enigmática, inspirada no rosto de estátuas da Grécia Antiga.
"Mais que um arquiteto e designer, sou um 'realizador' de fantasias", atesta ele em um bate-papo exclusivo com HAUS. O italiano é irrequieto. Está aqui e lá. Sempre em movimento. Trabalho e casa se confundem e não só geograficamente. O escritório ocupa parte de sua residência e é de lá que nascem peças icônicas desenhadas para a Cappellini, Kartell, Bisazza, Natuzzi e muitas outras marcas, além de projetos de arquitetura revolucionários e bem-sucedidas incursões no mundo da moda. Esse é Fabio Novembre, talento irrefreável de alma cosmopolita. Arquiteto, designer e rockstar!
 Cadeira Nemo, para a Driade, inspirada no rosto de estátuas da Grécia Antiga.
Cadeira Nemo, para a Driade, inspirada no rosto de estátuas da Grécia Antiga.

Um pugliese em Milão. Um pugliese que conquistou o mundo do design com sua criatividade. Quanto da Puglia está presente em seus trabalhos?

Nasci em Lecce, uma cidade com uma estética fortemente barroca. Às vezes, os caminhos trilhados e o que vivemos ficam esquecidos no passado,  mas com o tempo, inconscientemente, vem tudo à tona, até mesmo quando a tua vida toma rumos inesperados. Ou seja, a Puglia está presente em cada segundo da minha vida, está dentro de mim e se reflete em meus trabalhos até mesmo quando menos espero.

Você é considerado um artista pop, visionário e poliédrico. Como você se define?

Acredito que a definição do que somos é importante para os outros. É um modo de dar um nome, uma função, um cargo, o que ajuda na compreensão do que somos e fazemos. Então, vamos lá: sou formado em Arquitetura, mas por tudo que estudei também posso dizer que tenho um diploma de formação em Literatura.

Lecce - Milão. Primeiro, Arquitetura no Politécnico e ,depois, Direção Cinematográfica em Nova York. Quanto há de cinematográfico em seus projetos de arquitetura e design? 

Minha abordagem nasce já com um limite profissional: eu não sei desenhar. Assim sendo, procurei transformar essa "lacuna" em uma oportunidade, substituindo a expressão gráfica pela escrita e adotando métodos cinematográficos em todo o meu processo criativo. O curso de direção em Nova York me ajudou a definir parâmetros em uma base totalmente nova: minha intenção é contar histórias tridimensionais. Sempre uso uma metáfora cinematográfica em meus projetos de design e arquitetura: os objetos que crio são curtas-metragens e os prédios são longas-metragens.
Novembre Studio assina projeto da Casa Milan
Novembre Studio assina projeto da Casa Milan

Qual é a diferença - se é que existe uma - entre "projetar" um showroom como o da Natuzzi, um par de óculos para a Kartell, cozinhas para a Scavolini, a sede de um time de futebol como o Milan, jaquetas para a Adidas e a icônica poltrona Nemo para a Driade. Como o cérebro criativo de Fabio Novembre "funciona"?

Para mim, projetar um showroom, uma casa ou uma nave espacial é a mesma coisa. Não há diferença. Projetar é ter a capacidade de dar forma ao futuro. Se os desafios são dos mais diferentes, aí sim aceito de 'bom grado'. O importante é ter uma visão original. Como designer, não posso dar nenhuma resposta ao cliente, no máximo posso ajudá-lo a fazer outras perguntas. Corrado Levi, que foi meu professor na universidade, sempre dizia que temos de abandonar as certezas e adotar soluções simples. Ou seja, adaptar-se em vez de seguir regras rígidas.

Como nasce um projeto ou uma peça de design assinada por Fabio Novembre?

Não tenho um método até porque as chamadas soluções e ideias se manifestam naturalmente. Digamos que eu tenho a sorte de ser um visionário e isso me isenta da aplicação metódica. No entanto, compenso esse dom natural com muita pesquisa. A minha característica fundamental na hora da criação é usar o meu know-how e a influência dos meus amigos que atuam em diferentes áreas. Os melhores resultados são alcançados através da diversidade.
Flagship store da italiana Natuzzi por Novembre Studio
Flagship store da italiana Natuzzi por Novembre Studio

Falando em projetos: você pode nos contar um pouco sobre o projeto Villa Al Gurm em Abu Dhabi?

Para o projeto Villa Al Gurm refleti muito sobre o conceito da "privacidade". Privacidade é uma palavra-chave importante para a cultura local e, assim, concebi paredes de diferentes alturas, porém abertas, como um abraço, em direção ao mar. Um simples gesto, uma resposta arquitetônica perfeita para o que havia pedido meu cliente. As formas nascem exatamente da escolha inicial do projeto de ter como visão principal o mar. O material utilizado para a construção foi um travertino persa que oferece uma sensação de refúgio. E um outro elemento essencial foi a água: a do mar, que circunda grande parte do terreno, e a piscina, que, juntas, constituem uma espécie de sistema cardiovascular que dá vida a todo o complexo.

Você se sente mais arquiteto ou um designer?

“Dal cucchiaio alla città” [Da colher à cidade, na tradução do italiano] é o slogan criado pelo arquiteto e escritor italiano Ernesto Nathan Rogers, em 1952. Pode-se dizer que essa frase define a cultura italiana do design do pós-guerra até os dias atuais. Muitos designers italianos, incluindo os da minha geração, saíram das universidades de Arquitetura e abordaram o design com as mesmas ferramentas críticas e técnicas. Como já disse, o objetivo final é comunicar através dos nossos trabalhos, e o design e arquitetura são formas de expressão no espaço.
Jaquetas assinadas por Fabio Novembre para Adidas
Jaquetas assinadas por Fabio Novembre para Adidas

Você tem um estilo único quando se trata de suas roupas. Isso lhe rendeu uma colaboração com a marca esportiva Adidas. Há outros projetos futuros no mundo da moda? 

Sim. E já estou trabalhando neles a todo vapor. Na loja ioNoi  -- [em setembro, Fabio Novembre inaugurou no centro de Milão um espaço dedicado às criações realizadas ao longo dos anos com grande marcas internacionais de design] -- vendo minha própria linha de produtos lifestyle e, ao mesmo tempo, estou trabalhando em um grande projeto com a grife japonesa Tatras que, em breve, estará no mercado.

Em uma entrevista você disse: "É muito difícil fazer arquitetura contemporânea na Itália". Por quê?

Com relação às suas características geográficas, a Itália já é um país densamente urbanizado. Some-se a isso uma atitude muito conservadora em relação aos projetos já existentes. Se nos referimos à arquitetura histórica de qualidade, eu concordo, mas muitas vezes esse mesmo pensamento se aplica a obras antigas sem nenhum valor projetual. Esse medo de tomar decisões ousadas acabou por frear o desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica contemporânea na Itália. Admito que esta é uma questão muito delicada em um país com uma das mais importantes concentrações de monumentos artísticos do mundo, mas desta forma corre-se o risco de transformar o país em um grande museu e se esquecer de criar obras que sejam também interessantes e vitais.

Um projeto que faz parte dos seus sonhos. O que não fez que gostaria de fazer? 

Eu pertenço à categoria daqueles que não se lembram de seus sonhos. Sempre justifiquei essa afirmação explicando que vivo uma vida onírica e sendo um sonhador diurno, tendo a realizar todas as minhas fantasias.

Você tem duas filhas adolescentes, é apaixonado por futebol, torcedor de carteirinha do Milan... o que faz Fabio Novembre quando não está trabalhando?

Não quero parecer banal, mas realmente não consigo separar minha vida pessoal da profissional. Tudo que faço durante o meu dia tem um fundo emocional. Há amor nas coisas que realizo e nas relações que estabeleço com os que me rodeiam. A vida é apenas uma.

Se Fabio Novembre não fosse um arquiteto/designer, seria um… 

Aos dez, eu queria ser agricultor, aos dezoito, arquiteto, aos vinte e cinco, diretor de cinema. Hoje, eu canto e toco violão. Nunca somos uma única coisa, somos tudo ao mesmo tempo.