Curitiba

Arquitetura

Câmara ignora concurso de arquitetura e Ippuc apresenta projeto para nova sede da CMC

Luan Galani
22/11/2022 11:30
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A proposta projetual apresentada pelo arquiteto do Ippuc João Guilherme Dunin prevê 20 mil m² de área construída, auditório para 250 pessoas, acessibilidade, equidade entre os espaços administrativos, gabinetes parlamentares com 90 m² e cafeteria | Ippuc/CMC/Reprodução

Atração arquitetônica para figurar ao lado dos monumentais Museu Oscar Niemeyer, Ópera de Arame e Jardim Botânico. É assim que a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) descreve em seu site de notícias o projeto (ou estudo preliminar, como determina o jargão técnico) do novo anexo da casa legislativa, apresentado aos vereadores nesta segunda-feira (21) pelo arquiteto e urbanista João Guilherme Dunin, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
“Nossa ideia foi integrar o edifício da CMC à praça Eufrásio Correia, para que ele seja uma extensão da área, juntando a Câmara de Vereadores à cidade”, explicou Dunin durante a apresentação. “Vamos usar o edifício como uma árvore, que respira, com o ar passando entre as lajes e ambientes, para que seja sustentável.”
Perspectiva do estudo do Ippuc de como poderá ser o novo plenário da CMC
Perspectiva do estudo do Ippuc de como poderá ser o novo plenário da CMC

Estudo preliminar

A proposta do Ippuc visa encerrar um ciclo de 50 anos de "puxadinhos" da casa legislativa e de altos gastos com manutenção predial. Ela é baseada em três elementos principais: a preservação do histórico Palácio Rio Branco, a construção de um novo plenário -- adequado à participação popular, com capacidade para 500 pessoas (contra a lotação de apenas 27 pessoas nas galerias atuais) -- e um prédio ambientalmente moderno, para os gabinetes parlamentares e setores administrativos.
O estudo prevê 20 mil m² de área construída, auditório para 250 pessoas, acessibilidade, equidade entre os espaços administrativos, gabinetes parlamentares com 90 m² e cafeteria.
Perspectiva do estudo do Ippuc mostra como seria a permeabilidade urbana do anexo e o diálogo com a praça
Perspectiva do estudo do Ippuc mostra como seria a permeabilidade urbana do anexo e o diálogo com a praça
O projeto apresentado é um estudo de viabilidade que foi realizado a pedido da presidência da Casa, como confirma a Câmara, e discutido e aprovado por representantes da Mesa Diretora, como informou o Ippuc para a reportagem.
“[A sede definitiva da CMC] é uma ideia que vem sendo amadurecida desde 2021, quando levamos essa proposta ao prefeito Rafael Greca e ao secretário do governo e presidente do Ippuc, Luiz Fernando Jamur, que compreenderam as necessidades de construir uma sede nova e nos deram total apoio", esclarece o vereador Tico Kuzma (Pros), presidente da Câmara Municipal de Curitiba.
"Hoje encaminharemos à prefeitura um documento para firmar convênio para a viabilização dos projetos arquitetônico e complementares”, acrescentou o político.
Perspectiva da fachada do projeto
Perspectiva da fachada do projeto

Na contramão da boa governança pública

A apresentação do projeto e a informação do encaminhamento de acordo para viabilização da proposta com o Ippuc surpreenderam diversas camadas da sociedade e entidades.
"Vejo com muito espanto a Câmara e a Prefeitura lançarem mão dessa proposta, de uma obra importante e necessária para ampliação da casa legislativa da cidade, mas ignorando completamente as sugestões que fizemos há anos sobre concursos públicos de projetos", comenta o hoje deputado estadual Goura (PDT). No passado, quando foi vereador, o parlamentar realizou diversos eventos para conscientização sobre a modalidade dos concursos públicos de projeto de arquitetura.
"Lembro em 2018, quando ainda era vereador, em reunião com o futuro presidente da Câmara, o Sabino Picolo [União], que reafirmamos essa pauta: a importância de ser escolhido um anexo via concurso público de projetos, possibilitando que arquitetos do Brasil e de fora participassem, ampliando a qualidade arquitetônica e a democracia", relembra o deputado estadual.
Perspectiva do projeto vista da via urbana
Perspectiva do projeto vista da via urbana
"O concurso é uma prática muito prestigiada e na qual Curitiba já teve destaque histórico em diversos momentos. É uma pena! É uma prática que já deveria estar incorporada no dia a dia da gestão pública da Prefeitura e do Governo do Estado. É lamentável que na nossa cidade essa prática não seja valorizada e reconhecida", conclui o político do PDT.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR), por meio de seu presidente Milton Zanelatto, não faz análise da qualidade do projeto apresentado pelo Ippuc, mas também defende a forma de contratação por concurso público, que "é mais democrático e transparente, e que sempre deu resultados de excelente qualidade".
"É um dia histórico, em que a Câmara evolui essa questão de um novo espaço. Mas poderia ser um dia histórico e um marco para a cidade se tivesse sido feito através de concurso público", analisa Zanelatto. "Não é desvalorizar o trabalho do Ippuc. Mas é possibilitar que a sociedade possa contribuir."
Detalhe do projeto do anexo
Detalhe do projeto do anexo
A regional paranaense do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/PR), por meio de nota assinada por seu presidente interino, o arquiteto Luiz Eduardo Bini Gomes da Silva, destaca que, apesar de sua importância para a cidade, o papel fundamental do Ippuc é de pesquisa e planejamento, e não de realização de projetos.
"É notado pelo Conselho Superior do IAB/PR que em sua história recente o Ippuc vem apresentando várias alternativas de projeto à cidade de Curitiba para obras públicas das mais variadas escalas. Nesta esteira, cabe ao IAB, como representante local da UIA (União Internacional dos Arquitetos), colegiado consultivo da Unesco, reafirmar que, como foi acordado durante a 20ª Conferência Geral das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a recomendação para todos os países membros da Unesco é que adotem o concurso público de projeto como forma de contratação para projetos públicos de arquitetura e de urbanismo", sentencia o documento, citando ainda a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (nº 14.133, de 2021) e a Lei federal nº 8.666, de 1993, que amparam o uso dos concursos, apontando preferência para esse tipo de certame.

Por que um concurso?

Para o arquiteto e urbanista Fabio Henrique Faria, sócio do aclamado Estúdio 41, escritório que nos últimos 12 anos venceu pelo menos uma dezena de concursos públicos de projeto e recebeu mais de 20 premiações, além de também ser professor no Centro Universitário FAE, mestrando no Programa de Planejamento Urbano da Universidade Federal do Paraná e pesquisador no Observatório do Espaço Público, o concurso público é a modalidade mais democrática para a escolha e a contratação de um projeto.
"A informação da apresentação do projeto chegou como um susto. Não pelo projeto em si, que não podemos avaliar porque não tivemos acesso aos diversos estudos que embasaram-no, mas pela falta de diálogo. O concurso é uma forma de licitação, uma maneira muito mais transparente porque traz propostas para a cidade, apresenta diversas possíveis soluções, que são comparadas e escolhida a melhor resposta para aquele problema ou necessidade", aponta Faria.
"É mais uma oportunidade perdida. O Ippuc é uma instituição importante para a cidade, mas quanta pesquisa e planejamento tem embutido naquela proposta? Não queremos concorrer contra a administração pública. A gente admira eles, mas falta abertura", desabafa o arquiteto curitibano.
Aos detratores da prática, Faria faz questão de salientar que não é tentativa de buscar ou aproximar nicho de mercado. "Mesmo porque é uma abertura para concorrentes. Não é vontade individual. É vontade de cidadão de ver a cidade discutida por diversas óticas, por diversos grupos que poderiam fazer uma leitura dessa realidade e trazer reflexões profundas e intensas. Olha a feira [Mamute] que aconteceu na Eufrásio Correia há alguns dias. A praça estava tão viva, cheia de gente, com pessoas vendendo, músicos se apresentando. Tudo isso está contemplado nessa paisagem urbana proposta?", questiona Faria.
Procurada pela reportagem, a respeitada arquiteta curitibana radicada em São Paulo Elisabete França, sumidade internacional nas discussões urbanas e curadora da grande exposição sobre o tema que aconteceu no Museu Oscar Niemeyer, explica que os concursos são momentos especiais para que os promotores recebam um conjunto de propostas, ou ideias, uma apresentação muito rica do que melhor vem sendo produzido pela arquitetura contemporânea.
"O promotor do concurso tem a oportunidade de escolher dentre esse conjunto o que melhor atende as suas necessidades. Em se tratando de promotor publico, as propostas devem ainda apresentar soluções que melhor atendam uma clientela que é pública. Por esse motivo recomenda-se a realização de concursos. Claro que é importante levar em conta as necessidades do promotor. Às vezes por razões de tempo ou de existência de uma equipe técnica experiente, o projeto é feito internamente. Mas temos que lembrar que o concurso dá grande visibilidade para o promotor e para a cidade, porque a participação é grande, equipes de todo o país, e o debate nas mídias é ampliado", ensina a arquiteta.

Economia aos cofres públicos

De acordo com a presidência da CMC, "a vantagem desse modelo é que não gera custos extras para o município". A nota da casa legislativa diz ainda que: "Agora, na fase do projeto arquitetônico, a realização pelo Ippuc também geraria economia aos cofres públicos".
Questionado pela reportagem sobre essa questão, Faria diz que o argumento é falácia. "O concurso é uma concorrência pública. Quem determina o custo é a administração pública. A equipe pode lançar e desenvolver a contratação. Então, não existe diferença entre o concurso e uma outra licitação. Isso não justifica a decisão. Não é possível dizer que é mais caro também", opina o arquiteto.
Sobre o custeio da obra, o presidente da Câmara disse que a Casa buscará financiamento em banco público, quitando-o com a venda do Anexo 4 e com as economias do Legislativo. “Só nesses dois anos, 2021 e 2022, já economizamos R$ 201 milhões em recursos públicos do orçamento da Câmara de Curitiba”, informou.