Entrevista

Arquitetura

Designer do ano, Simone Micheli defende produção voltada à qualidade de vida em lugar do lucro no design e na arquitetura

Sharon Abdalla
28/03/2024 16:58
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Em um cenário repleto de desafios, que vão das cópias a temas globais como a emergência climática, o design e a arquitetura são apontados como ferramentas na busca por saídas e soluções que não só garantam um futuro sustentável (em termos ambientais e financeiros), mas especialmente a qualidade de vida das pessoas - em todos os níveis de renda.
Tais características são perseguidas ou aprimoradas por muitos profissionais, enquanto outros já as têm como marca, uma espécie de assinatura do trabalho que produzem. É o caso do arquiteto e designer italiano Simone Micheli.
Eleito designer do ano pelo BOOMSPDESIGN (fórum de Arquitetura, Design e Arte realizado durante a DW! Semana de Design de São Paulo), o fundador do Architecture Studio e criador do bureau Simone Micheli Architectural Hero (junto com Roberta Colla e com escritórios em Florença, Milão, Puntaldìa, Dubai, Rabat e Busan) atua no design de interiores, industrial e visual tendo a consciência ambiental como norte, o que imprime singularidade às suas criações.
Simone Micheli foi eleito Designer do Ano pelo BOOMSPDESIGN | Maurizio Marcato
Simone Micheli foi eleito Designer do Ano pelo BOOMSPDESIGN | Maurizio Marcato
Em visita ao Brasil para a abertura do evento, Micheli recebeu a reportagem de HAUS para uma entrevista exclusiva, na qual comenta sobre o design da atualidade, desafios do setor e sua forte ligação com o Brasil. Confira!

HAUS - Você foi eleito designer do ano pelo BOOMSPDESIGN. Como recebeu a notícia e o que essa homenagem significa para você?

SM - Significa muito para mim porque amo este país. Eu amo as pessoas que vivem neste país. Minha história com o Brasil é muito interessante. A primeira vez em que estive aqui foi há 50 anos.
Conheci o Beto [Cocenza, idealizador da mostra] em um dos meus eventos em Verona [Itália], Abitare il tempo. Nasceu uma grande amizade… Eu aprecio muito os arquitetos que trabalham aqui. Um dos que mais admiro é Oscar Niemeyer, porque ele é um verdadeiro poeta, como eu. Eu vivo no meu mundo. Costumo dizer aos meus alunos que um homem tem muita sorte quando ele vive no seu mundo.
Por isso, quando recebi a ligação do Beto, falei: muito obrigado! Para mim é uma verdadeira honra.

HAUS - Você diz que ama o trabalho de Oscar Niemeyer, que é um dos grandes nomes da arquitetura brasileira. Costuma acompanhar o trabalho desenvolvido pelos arquitetos brasileiros contemporâneos? O que pensa sobre eles?

SM - Acredito que este é um momento maravilhoso para o design de interiores e a arquitetura feita aqui. Os brasileiros respeitam o trabalho europeu, mas agora fazem muita experimentação também no design. E essa é uma história maravilhosa! Na Itália, por exemplo, nós perdemos isso. Eu faço muitas experimentações, mas estou sozinho. Normalmente, os designers que trabalham para muitas empresas não fazem pesquisas, mas cópias, cópias e cópias. Quando estou no Brasil, e também nesses eventos, como o BOOMSPDESIGN, encontro muita experimentação. Adoro ideias novas, vejo a paixão que os arquitetos têm, e isso é incrível.
Sky Villa, projeto de Micheli ainda em fase de desenvolvimento | Divulgação
Sky Villa, projeto de Micheli ainda em fase de desenvolvimento | Divulgação

HAUS - Você comentou sobre as cópias… O design é um mercado onde, infelizmente, cópias são comuns. Qual é o grande desafio para mudar este cenário e educar as pessoas para o consumo do design?

SM - Acredito que é muito importante manter eventos e exibições como essa [BOOMSPDESIGN]. É muito importante porque este tipo de evento (e nós temos isso na Itália) são importantes para dar a devida atenção ao futuro, para se compreender de que formas é possível trabalhar. A experimentação é a síntese, a síntese máxima para a aprendizagem, para o ensinamento.

HAUS - O processo criativo no design costuma instigar a curiosidade das pessoas. Como é o seu processo criativo? Você tem uma metodologia ou trabalha mais livremente?

SM - Eu sou um cara muito sortudo. Eu amo a natureza, amo o formato do corpo das mulheres - mesmo que ame somente minha esposa. Aprecio muito a forma da natureza, da mulher em geral, porque tudo é fluido, e na natureza tudo é perfeito.
Nós destruímos tudo na natureza. Minha inspiração começa nisso, mas não copio a natureza. Na minha cabeça, é um processo muito simples porque recebo de Deus alguma visão. Quando começo um projeto, penso nisso, fecho meus olhos durante a noite ou um voo, recebo informações sobre o projeto que devo realizar e começo a desenhar para não perder a ideia daquele sonho. Normalmente, quando os arquitetos projetam, eles desenham para encontrar uma ideia. Mas eu recebi da nuvem a ideia, a desenho rapidamente e depois entrego meu trabalho ao meu assistente. Este é o meu processo.
Design de interiores é uma das esferas de atuação do arquiteto e designer. Na foto, projeto Exedra Atomic Spa | Divulgação
Design de interiores é uma das esferas de atuação do arquiteto e designer. Na foto, projeto Exedra Atomic Spa | Divulgação

HAUS - A sustentabilidade é uma presença constante nos seus trabalhos. Como ela se manifesta em seus projetos e quais são os novos limites para promover a sustentabilidade no design?

SM - Essa pergunta é muito difícil porque sou um cara positivo. Mas todos os produtores de todo o mundo pensam demasiado no lucro. Então, o processo de criação do design é antissustentável. Para seguir um caminho nesta direção é preciso mudar o sistema político, não o design, o sistema político em todo o mundo. Lembro-me de um filme incrível da Pixar, “Wall-E”. Na minha mente, “Wall-E” é o nosso futuro. Nós não chegamos a construir nosso mundo nessa direção, pois a produção avança em um sentido não sustentável.

HAUS - Qual avaliação faz do crescimento exponencial da Inteligência Artificial?

SM - Eu trabalho com Inteligência Artificial, comecei há um ano. Acredito que este é um instrumento maravilhoso para mudar o processo, não para mudar a mente das pessoas. Se você usa a Inteligência Artificial para escrever, por exemplo, se você dá o instrumento bom para construir um texto incrível, a Inteligência Artificial pode te ajudar.
Na arquitetura, começamos a usar a Inteligência Artificial para compreender conceitos. Mas, neste caso, também é muito importante fornecer informações corretas e muito específicas para dar unicidade ao projeto, pois a informação vai para a nuvem para todas as pessoas em todo o mundo. Por enquanto, é importante usar a Inteligência Artificial. No futuro eu não sei, mas agora é importante dar a informação precisa para este novo instrumento que, para mim, é incrível, muito interessante.
Projetos arrojados e voltados à sustentabilidade são marcas do trabalho de Micheli. Na foto, edifício multifuncional em fase de projeto | Divulgação
Projetos arrojados e voltados à sustentabilidade são marcas do trabalho de Micheli. Na foto, edifício multifuncional em fase de projeto | Divulgação

HAUS - Para além da função e da estética, como descreve o impacto que a arquitetura e o design têm na vida das pessoas, na escala individual e coletiva?

SM - A arquitetura e o design são muito importantes para melhorar a qualidade da nossa vida dia após dia. Nós moramos em lugares feios, e as pessoas não se lembram da beleza que nasce na natureza. Então, é importante mudar de mentalidade, entender o quanto as situações feias estão ao nosso redor, usar o design, a qualidade real do design e da arquitetura para melhorar a nossa qualidade de vida.

HAUS - No Brasil ainda é difícil ao cliente final entender sobre design, consumir o design real, não as cópias. Na sua experiência, você sente o mesmo em relação ao que ocorre no exterior? Qual é o desafio para se fazer com que o design encontre o consumidor final, não somente a indústria, a mídia e os grandes eventos sobre design ao redor do mundo?

SM - Acredito que as palavras mais importantes são acreditar e sonhar. Isso é importante nas relações do arquiteto ou do designer com o cliente. Acredite, sonhe e crie uma obra-prima.

HAUS - Você tem alguma mensagem para o Brasil?

SM - A mensagem é: acredite no sonho e tente fazer arquitetura para uma vida qualificada, pois os edifícios que estão [sendo construídos] no Brasil e também na Europa [estão voltados] ao lucro. É importante, na minha opinião, que voltemos ao natural. Não para copiar o natural, mas para entendermos que tudo está em perfeito equilíbrio. Nós destruímos tudo. Não falo da árvore que vocês cortam no Brasil, não é essa história. A história feia e terrível é sobre a arquitetura. É importante criarmos obras de arte, obras-primas sustentáveis para vencermos os novos desafios que enfrentamos juntos.

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