Arquitetura
Como o governo do PR quase estragou um prédio de 128 anos recém restaurado por mau uso
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Um dos mais antigos patrimônios históricos de Curitiba virou alvo de uma nova lenda urbana. A Casa Rosada — imóvel do fim do século 19 localizado na Marechal Floriano Peixoto, 1.251 — é conhecida por ter sido a sede do Ministério Público do Paraná durante 22 anos. Em 2018, passou a estar sob os cuidados do Governo do Estado, recebendo ao longo dos meses diferentes secretarias. E foi nesse meio tempo que surgiu a história: o piso do primeiro andar teria afundado — ou pior, caído?
A história nasceu do período em que o prédio esteve ocupado pelo Paranacidade, serviço da Secretaria do Desenvolvimento Urbano, durante o primeiro semestre. Quem explica é Claudio Forte Maiolino, arquiteto responsável pela última obra de restauro do patrimônio, finalizada no início deste ano. “Nós viemos fazer uma visita e eles tinham empilhado, no primeiro andar, caixas de livros e arquivos. O piso tinha abaixado, puxando a estrutura junto, e deformou. As divisórias ficaram tortas. Aí nasceu a lenda que o piso ia cair“, ele relata.
No entanto, apesar da situação de perigo, o piso não afundou permanentemente. Depois que Maiolino alertou para o excesso de peso, o arquivo foi movido para o andar térreo e a situação foi normalizada sem danos ao patrimônio, já que o piso era de madeira e, por isso, possui uma maleabilidade característica do material. Atualmente, quem ocupa o casarão é a Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (Seju), que segundo o arquiteto faz uso adequado do imóvel.
Por que afundou?
Maiolino explica que o problema aconteceu porque foi dado ao ambiente um novo uso que não tinha sido previsto durante a obra anterior. “Se você vai mudar o uso, precisa retirar as tábuas do assoalho, verificar a estrutura, fazer os esforços eventuais necessários. Você não pode mudar o uso se isso sobrecarrega uma estrutura de madeira“, aponta.
Ele acrescenta que pilares e vigas não fazem parte da estrutura do prédio, já que ele é feito em alvenaria, e que por isso as paredes têm um papel fundamental na sustentação do prédio e não podem ter outros usos. “Por esse motivo é que não deveria ter ônibus andando em volta. Essas estruturas trincam quando você treme o chão”, alerta. A Marechal Floriano Peixoto, avenida à frente da casa, é percurso do chamado “ligeirão azul”, que já foi considerado o maior ônibus do mundo.
A Casa Rosada é um prédio de estilo eclético construído na década de 1890 e adquirido pelo Governo do Paraná em 1902. Na época, era apenas um galpão com teto e paredes de alvenaria. Em 1903, para receber secretarias de estado, foi reformado pelo engenheiro Cândido de Abreu. Desde então, uma série de restauros e ampliações passaram pelo prédio, alterando e incorporando sua estrutura original.
“Foram executados vários reforços. Por baixo do alicerce, foram feitas estruturas de concreto para compensar o projeto inicial. Hoje, o prédio é muito mais reforçado do que era originalmente”, explica Evandro Bastos, arquiteto da Assessoria Técnica de Arquitetura da Seju.
Uma das medidas de seguranças realizadas no prédio foram tirantes de ferro maciço presos ao piso do primeiro andar que sobem até o telhado, puxando o pavimento para cima. Segundo Maiolino, essa é uma alternativa em ambientes com vãos grandes que evitam a colocação de pilares no andar de baixo.
Menina dos olhos
A Casa Rosada reserva uma imersão em restauro para quem a visita. Todas as paredes repetem o padrão de pinturas florais feitas no fim do século 19. Cada parede tem uma faixa restaurada a bisturi, servindo como testemunho original, e o restante com a reprodução do desenho a partir de máscaras vazadas.
Além disso, o prédio conta com um mapa do Paraná pintado em 1903. Descoberto recentemente, ele mostra o estado antes do acordo do fim da Guerra do Contestado, de 1916, quando ainda fazia divisa com o Rio Grande do Sul. A sala onde fica o mapa guarda o piso de madeira de araucária da época. “O edifício é inteiro original”, acrescenta o especialista. E deve continuar assim: além de integrar a lista de Unidades de Interesse de Preservação (UIP) de Curitiba, o edifício foi tombado como patrimônio histórico pelo Estado do Paraná em 2003.