Arquitetura

Como o governo do PR quase estragou um prédio de 128 anos recém restaurado por mau uso  

Aléxia Saraiva
30/08/2018 20:07
Thumbnail

Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Um dos mais antigos patrimônios históricos de Curitiba virou alvo de uma nova lenda urbana. A Casa Rosada — imóvel do fim do século 19 localizado na Marechal Floriano Peixoto, 1.251 — é conhecida por ter sido a sede do Ministério Público do Paraná durante 22 anos. Em 2018, passou a estar sob os cuidados do Governo do Estado, recebendo ao longo dos meses diferentes secretarias. E foi nesse meio tempo que surgiu a história: o piso do primeiro andar teria afundado — ou pior, caído?
A história nasceu do período em que o prédio esteve ocupado pelo Paranacidade, serviço da Secretaria do Desenvolvimento Urbano, durante o primeiro semestre. Quem explica é Claudio Forte Maiolino, arquiteto responsável pela última obra de restauro do patrimônio, finalizada no início deste ano. “Nós viemos fazer uma visita e eles tinham empilhado, no primeiro andar, caixas de livros e arquivos. O piso tinha abaixado, puxando a estrutura junto, e deformou. As divisórias ficaram tortas. Aí nasceu a lenda que o piso ia cair“, ele relata.
Segundo Maiolino, o piso do primeiro andar da Casa Rosada estava afundando com o peso de arquivos colocados indevidamente. Situação já está normalizada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Segundo Maiolino, o piso do primeiro andar da Casa Rosada estava afundando com o peso de arquivos colocados indevidamente. Situação já está normalizada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
No entanto, apesar da situação de perigo, o piso não afundou permanentemente. Depois que Maiolino alertou para o excesso de peso, o arquivo foi movido para o andar térreo e a situação foi normalizada sem danos ao patrimônio, já que o piso era de madeira e, por isso, possui uma maleabilidade característica do material. Atualmente, quem ocupa o casarão é a Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (Seju), que segundo o arquiteto faz uso adequado do imóvel.
Sala que estava sendo utilizada como arquivo não sofreu danos permanentes. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Sala que estava sendo utilizada como arquivo não sofreu danos permanentes. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Por que afundou?

Maiolino explica que o problema aconteceu porque foi dado ao ambiente um novo uso que não tinha sido previsto durante a obra anterior. “Se você vai mudar o uso, precisa retirar as tábuas do assoalho, verificar a estrutura, fazer os esforços eventuais necessários. Você não pode mudar o uso se isso sobrecarrega uma estrutura de madeira“, aponta.
Ele acrescenta que pilares e vigas não fazem parte da estrutura do prédio, já que ele é feito em alvenaria, e que por isso as paredes têm um papel fundamental na sustentação do prédio e não podem ter outros usos. “Por esse motivo é que não deveria ter ônibus andando em volta. Essas estruturas trincam quando você treme o chão”, alerta. A Marechal Floriano Peixoto, avenida à frente da casa, é percurso do chamado “ligeirão azul”, que já foi considerado o maior ônibus do mundo.
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
A Casa Rosada é um prédio de estilo eclético construído na década de 1890 e adquirido pelo Governo do Paraná em 1902. Na época, era apenas um galpão com teto e paredes de alvenaria. Em 1903, para receber secretarias de estado, foi reformado pelo engenheiro Cândido de Abreu. Desde então, uma série de restauros e ampliações passaram pelo prédio, alterando e incorporando sua estrutura original.
“Foram executados vários reforços. Por baixo do alicerce, foram feitas estruturas de concreto para compensar o projeto inicial. Hoje, o prédio é muito mais reforçado do que era originalmente”, explica Evandro Bastos, arquiteto da Assessoria Técnica de Arquitetura da Seju.
Hall de entrada da Casa Rosada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Hall de entrada da Casa Rosada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Uma das medidas de seguranças realizadas no prédio foram tirantes de ferro maciço presos ao piso do primeiro andar que sobem até o telhado, puxando o pavimento para cima. Segundo Maiolino, essa é uma alternativa em ambientes com vãos grandes que evitam a colocação de pilares no andar de baixo.
Tirantes de ferro ajudam a manter a estrutura do piso. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Tirantes de ferro ajudam a manter a estrutura do piso. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Menina dos olhos

A Casa Rosada reserva uma imersão em restauro para quem a visita. Todas as paredes repetem o padrão de pinturas florais feitas no fim do século 19. Cada parede tem uma faixa restaurada a bisturi, servindo como testemunho original, e o restante com a reprodução do desenho a partir de máscaras vazadas.
Parede com trecho de testeminho original restaurado e réplica feita com máscara vazada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Parede com trecho de testeminho original restaurado e réplica feita com máscara vazada. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Além disso, o prédio conta com um mapa do Paraná pintado em 1903. Descoberto recentemente, ele mostra o estado antes do acordo do fim da Guerra do Contestado, de 1916, quando ainda fazia divisa com o Rio Grande do Sul. A sala onde fica o mapa guarda o piso de madeira de araucária da época. “O edifício é inteiro original”, acrescenta o especialista. E deve continuar assim: além de integrar a lista de Unidades de Interesse de Preservação (UIP) de Curitiba, o edifício foi tombado como patrimônio histórico pelo Estado do Paraná em 2003.
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

LEIA MAIS