Arquitetura
Anita dos lambrequins: a avenida que guarda resquícios de uma Curitiba de madeira
Avenida Anita Garibaldi, no Barreirinha tem grande número de construções de madeira adornadas com lambrequins. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Na esquina da Avenida Anita Garibaldi com a Rua Francisco Krainski, uma casa de madeira salta aos olhos em meio às construções vizinhas, de alvenaria, e aos ares de urbanização que a cercam. O sótão, os lambrequins em volta de todo o beiral e o verde das árvores frutíferas cultivadas no quintal fazem dela um exemplar vivo do que a região do Barreirinha foi em seus primórdios: uma área onde os imigrantes poloneses que chegaram à capital se estabeleceram cultivando milho, centeio, batata e trabalhando na fabricação de carroças. A atividade, aliás, estava alinhada ao que a atual avenida representava naquele período, ou seja, um caminho sinuoso que ligava Curitiba a Almirante Tamandaré.
Datada do início da década de 1920, a casa foi construída pelo polonês Francisco Krainski e sua esposa Adelaide, de origem alemã, e serviu de residência do casal e de seus sete filhos por cerca de cinco décadas. O senhor Francisco, inclusive, empresta seu nome a uma das ruas do endereço do imóvel. “Meu avô doou [parte do] terreno para que a rua pudesse sair na Anita Garibaldi”, conta Gilberto Mafazolli, neto de Francisco, ao justificar o “batismo” do logradouro.
Herdeiro e atual morador do imóvel, Gilberto é quem mantém viva não apenas a história, mas a própria estrutura da construção. Ao longo dos anos, ele precisou realizar algumas alterações na casa, como a substituição da forração interna original por peças de PVC. Boa parte dela, no entanto, se mantém original e apresenta traços comuns a outras casas de madeira da região – algumas não tão bem conservadas como a do nº 3.601. Entre eles estão o forro de tábuas corridas da varanda, as portas feitas de tábuas pregadas lado a lado e os charmosos lambrequins.
“Quando algum deles estraga eu mesmo faço outro, a partir de um molde que tenho, para repor no lugar”, conta Gilberto, que não esconde o orgulho em manter a construção. “Eu adoro a minha casa”, resume.
Traços do passado
Os lambrequins da residência da família Krainski não são os únicos a enfeitar a principal avenida do Barreirinha. Mesmo que em pequena quantidade, outras casas no percurso da Avenida Anita Garibaldi, que continua fazendo a ligação da capital com a cidade da região metropolitana, têm no elemento decorativo seu destaque.
Ao contrário do que muitos acreditam, e algumas referências bibliográficas indicam, no entanto, a presença dos lambrequins nas construções do Barreirinha (assim como em outros pontos da cidade) não é uma consequência direta da presença dos imigrantes poloneses (ou italianos e germânicos) na região, mas sim uma questão urbana.
“Os lambrequins eram um modismo internacional que virou lei em Curitiba. [Em 1919, o Código de Posturas do município determinava] que as casas de madeira deveriam contar com lambrequins”, explica Irã Dudeque, professor de História da Arquitetura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
O arquiteto Fábio Domingos Batista também tem na lei um dos fatores que explica a presença do elemento decorativo nas construções em madeira datadas da primeira metade do século passado. Mas vai além ao dizer que a legislação não seria suficiente para, sozinha, garantir tal fato.
“O lambrequim é um elemento da arquitetura eclética. Sua produção em Curitiba se iniciou juntamente com [o movimento de] imigração, uma vez que muitos mestres carpinteiros eram poloneses ou italianos, por exemplo, o que faz com que [eles carreguem] uma referência e uma ligação afetiva [ com estas populações]”, destaca.
Mais do que enfeitar as casas, os lambrequins também exercem uma função de proteção do imóvel. Isso porque as tábuas retangulares, de cerca de 40 cm de comprimento e com desenhos simétricos, funcionam como pingadeiras, direcionando a água da chuva e protegendo o madeiramento do telhado.
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