Arquitetura

Vila da Madeira é a segunda chance para casas históricas de Curitiba

Carolina Werneck*
24/07/2017 21:09
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Uma só casa de madeira foi levada para o parque, em 2004. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo | Carolina Werneck Bortolanza

Sozinha em um grande espaço gramado do Parque Atuba, em Curitiba, uma casinha de madeira amarela é a única testemunha de uma vila que nunca existiu. Levada para lá em 2004, ela foi a primeira de uma série de casas que seriam trasladadas para o parque. A ideia era conservar exemplos de uma arquitetura que foi fundamental para o crescimento do Paraná, a construção feita com tábuas e ripas.
Em 2001, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) convocou o arquiteto Key Imaguire Jr. para fazer um levantamento tipológico das casas de madeira da cidade. Junto à também arquiteta Marialba Gaspar Imaguire, ele dividiu as residências em cinco tipos principais. Imaguire explica que seria feita uma espécie de coleção de casas em um lugar em que elas estivessem livres da especulação imobiliária. O projeto foi batizado de Vila da Madeira. De acordo com o arquiteto, no começo do século 20 Curitiba estava em franco crescimento. E a maioria das casas foi feita nos bairros que agora são próximos do centro. “Esses bairros hoje estão visados pelo que eu chamo de poder imobiliário. Por mais que a gente consiga segurar alguma coisa, na verdade essas casas de madeira estão condenadas. Mesmo porque elas são frágeis”, lamenta.
Quando fizeram o levantamento, há 16 anos, os arquitetos selecionaram 100 casas e as dividiu em cinco tipos. Na época, Ricardo Bindo era supervisor de planejamento do Ippuc e esteve diretamente envolvido no projeto. Hoje na coordenação de planos regionais, ele afirma que o plano era levar dois exemplares de cada um desses tipos para a vila. “A intenção era pensar o que fazer com os tipos existentes. Não pegaríamos qualquer casa. Seriam 11 construções, porque, além das casas, haveria um barracão, uma antiga serraria.” O projeto, no entanto, esbarrou nas dificuldades de regulamentar a doação e transferência das casas para o Atuba. Por isso, a casinha amarela ocupa solitária a área que seria da Vila da Madeira. Foi a única cujo traslado o Ippuc conseguiu viabilizar.
O Ippuc afirma que está retomando o projeto da Vila da Madeira. Novidades devem ser divulgadas depois que a nova lei de tombamento terminar de ser implantada em Curitiba. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
O Ippuc afirma que está retomando o projeto da Vila da Madeira. Novidades devem ser divulgadas depois que a nova lei de tombamento terminar de ser implantada em Curitiba. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

Moradias de todos os tipos

O estudo desenvolvido por Imaguire e Marialba fala em cinco tipos diferentes de casas de madeira em Curitiba. O primeiro é o luso-brasileiro, que tem casas com influência da arquitetura portuguesa, com telhado caindo para a frente e os fundos. “Esse tipo a gente considera o mais antigo. Elas encostam nas casas ao lado ou no terreno”, detalha Imaguire. Justamente por serem mais antigas, essas casas normalmente não se encontram em bom estado de conservação. À época do primeiro levantamento, foram encontradas 23 casas desse tipo.
O segundo tipo é o das casas de imigração. Com telhados caindo para as laterais da construção, elas já não encostam em outras casas e possuem lambrequins na fachada frontal ou em todos os beirais. “Essas casas priorizam o acesso pela elevação lateral, também protegida por varanda”, diz o texto da tipologia escrito em 2001. Depois, vêm as residências com chanfro, mais elaboradas, com “recortes de varanda, água furtada, enfeites de madeira. Algumas já têm partes de alvenaria”, explica o arquiteto. O estudo original, por sua vez, ressalta que “a volumetria se torna muito rica pelo jogo de telhados que determina diante da casa, dispensando mesmo o rendado dos lambrequins”.
As casas com telhados de quatro águas foram apontadas como um quarto tipo de construção. Essas casas podiam ser facilmente ampliadas conforme a necessidade dos moradores. “As varandas protegem um, dois e até os quatro lados da casa. […] São casas que raramente lançam mão de recursos construtivos ornamentais, como lambrequins e bow-windows“, afirma o levantamento. Nesse grupo, o arquiteto destacou que um exemplar deveria ser priorizado. “A [casa] que pertenceu ao pintor Gardenio Sgorzatto, a única a ainda ter pintura na varanda, recurso que de todos os demais exemplos desapareceu.” Por fim, o quinto e último tipo é o das casas modernistas, caracterizadas pela influências desse tipo de arquitetura. “A modernidade construtiva se expressa principalmente pelo efeito do desencontro das águas do telhado – direcionadas para as laterais do terreno e sem formar cumeeira”, afirma o estudo.
O universo de casas de madeira em Curitiba é muito maior que o mencionado no levantamento. Na imagem, casa na Rua 21 de Abril com a Rua Floriano Essenfelder. Imagem: Reprodução/Google Maps
O universo de casas de madeira em Curitiba é muito maior que o mencionado no levantamento. Na imagem, casa na Rua 21 de Abril com a Rua Floriano Essenfelder. Imagem: Reprodução/Google Maps

Burocracia

À época, diversas dificuldades impediram que o projeto funcionasse. “A Prefeitura não poderia gastar com isso. Então pensamos em uma troca por potencial construtivo. A gente daria um potencial a mais que compensasse o custo dessa transferência”, diz Bindo. Essa troca teria como alvo as construtoras que comprassem terrenos com casas de madeira na cidade. A regulamentação nunca saiu e a Vila ficou só no papel. Agora, o Ippuc quer retomar a ideia e levar outras casas para o Parque Atuba. Um novo levantamento foi feito em 2016 para verificar quais casas selecionadas por Imaguire ainda existem e em que situação de conservação se encontram. A nova pesquisa menciona 87 casas, das quais 23 já foram demolidas. O Ippuc não soube dizer por que, das 100 construções citadas por Imaguire, 13 não estão na lista mais recente.
Para voltar a ser discutida, a Vila da Madeira aguarda a finalização das discussões sobre a lei municipal de tombamento, como a criação de conselhos, por exemplo. Em seguida, o Ippuc deve começar a elaborar uma regulamentação específica para o projeto. Para Imaguire, essa é a oportunidade de salvar um pedaço da história de Curitiba. “É difícil encontrar a história dessas casas, porque a Prefeitura começa a exigir projeto só em 1909. Mas dá para descobrir pelos moradores, conseguir até mesmo fotografias da vida dentro dessas casas. E aí poderia se dedicar pelo menos uma parede da casa mostrando as pessoas convivendo ali, tomando chimarrão em volta do fogão a lenha.”
Casa na Rua 21 de Abril, no Alto da XV, faz parte do novo levantamento tipológico do Ippuc. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
Casa na Rua 21 de Abril, no Alto da XV, faz parte do novo levantamento tipológico do Ippuc. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
*Especial para a Gazeta

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