Moramos em casas diferentes, mas no mesmo planeta. Esta asserção óbvia não significa que todos sofremos igualmente os efeitos do aquecimento climático. As vítimas preferenciais das enchentes e dos rigores do calor e do frio são aquelas que possuem menos recursos e piores condicionais de moradia.
O dilema do meio ambiente está colocado, e podemos dizer que a sucessão de efeitos extremos do clima, como grandes incêndios florestais na Europa, nos EUA, verões extremados, escassez hídrica e safras comprometidas vem tornando inequívoca a necessidade de um acerto global sobre os desafios colocados pela degradação ambiental.
Na linha do cinema catástrofe, a elevação dos oceanos sugere que as cidades litorâneas, por exemplo, submergem em grande parte. Nem as areias estendidas de Balneário Camboriú impedirão o avanço do mar e as garagens dos arranha-céus estarão debaixo d’água.
Se a Amazônia, no caso brasileiro, é um grande tema, é, entretanto, importante considerar que 85% da população do país vive nas cidades. É na cidade, e, a partir da casa que habitamos, que grande parte do esforço de mitigação do problema precisa ser endereçado. A casa e a COP-27 [ Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas] têm algo a discutir também. Vejamos:
A conversão de moradias para moradias verdes, e a construção sustentável têm um papel decisivo para o contexto atual. Se, como disse Le Corbusier, a casa é uma máquina de morar, é também uma máquina de consumir. Tornar mais racional o consumo de água, normalizar o esgotamento sanitário e utilizar de forma eficiente os recursos energéticos deveriam deixar de ser “diferencias” para serem “itens de série” das novas moradias.
Isso pode ocorrer sob a forma de incentivos para a construção sustentável e premiações pela eficiência hídrica e energética – assim como uma geração e circulação mais apropriada dos resíduos sólidos da construção. Do mesmo modo, junto aos fabricantes de materiais, cada vez mais será importante prover medidas de compensação pela produção dos materiais que são imprescindíveis à obra.
No cenário do planejamento urbano a tarefa também é grande: é importante reduzir os deslocamentos, tornar mais densa e compacta a cidade, aproximar o trabalho da moradia e do comércio, e, de forma geral, aproximar as cadeias de produção e consumo devem ser ideias norteadoras de novos planos diretores. O que já está acontecendo.
E tudo isso sem esquecer o essencial: prover moradia de qualidade e digna, com infraestrutura e sustentabilidade para aqueles mais atingidos pela sua falta. Esta questão deve estar colocada como uma das medidas fundamentais de qualquer boa política não apenas social, mas também ambiental. Não é só a Amazônia, mas a nossa própria casa, a nossa cidade. A política habitacional também é política ambiental. A casa e a COP caminham juntas. E parece que essa realidade óbvia está se tornando cada vez mais evidente.
Pode ter demorado a cair a ficha, mas o Nilo chegou ao Cairo, como já disse certo filósofo. Em Sharm el Sheikh, vamos ver o que nos aguarda para os próximos anos.
Marcos Kahtalian é sócio-fundador da Brain Inteligência Estratégica*