Butão
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
Viagem ao misterioso país da felicidade: sonho X realidade
Quando criança, John Lennon recebeu um teste na escola perguntando: “O que você quer ser quando crescer?” Ele respondeu: “Feliz”.
Considerado como o “País da Felicidade” por muitos, o Butão tem tido a sua própria filosofia de felicidade como política de governo desde a década de 1970.
O Butão é um pequeno país misterioso, sem litoral, no Sul da Ásia. Tem uma área um pouco maior do que o estado de Alagoas. É uma monarquia budista coberta de montanhas.
O convite para visitar o Butão, em 2018, foi motivado por um Decreto Real (Royal Kasho) estabelecendo a formação de um conselho para reestruturar o serviço público para o futuro do país. O Butão pediu apoio às Nações Unidas (ONU), que me incumbiu de elaborar com o governo um pacote de apoio técnico. Isso incluiu atividades para capacitação dos servidores públicos, avanços nos sistemas de informação e coordenação das instituições públicas, planejamento urbano e institucional.
Cheguei no Butão através do único aeroporto internacional na cidade de Paro (12 mil habitantes), considerado um dos mais perigosos do planeta. Apenas oito pilotos no mundo são qualificados e certificados para fazer o pouso na pequena pista cercada de montanhas, que só funciona durante o dia, sem radar.
O Butão é um país fechado: só se pode obter visto de entrada comprando um pacote turístico que inclui hotel, guia e transporte, custando de R$ 1.000 a R$ 1.500 por dia, por pessoa. Como convidado do governo, não precisei comprar o pacote turístico. Turistas não podem circular sem guia pelo país. O uso do traje tradicional Gho para homens e Kira, para mulheres, é obrigatório para o povo do Butão.
O país é incrivelmente especial: nunca foi colonizado por outro e resiste de forma independente às tentativas de influência por parte da China e Índia.
O budismo se permeia por tudo. As bandeiras coloridas com orações budistas e os templos estão em toda parte. Os cachorros de rua não são incomodados. Cada minuto no Butão parece durar mais do que em Nova York, talvez porque tenham a tranquilidade de quem acredita em muitas vidas para decidir tudo a seu tempo. Os butaneses são calmos, pacíficos. Entendi imediatamente que seria mais importante ouvir muito antes de falar. Eu não poderia nunca ter a pretensão de ensinar o Butão aos butaneses.
Naturalmente, o uso de cada indicador para desenvolvimento sustentável no projeto foi adaptado aos Índices de Felicidade usados no Butão. Esses índices se baseiam em desafios convencionais que existem em todos os países como saúde, educação, governança e meio ambiente. Mas também há indicadores para medir, de modo objetivo e subjetivo, o uso do tempo, o bem-estar psicológico e a vitalidade da comunidade. Tudo deu certo, o governo ficou agradecido.
Aproveitando a oportunidade, fiz uma pesquisa particular e cheguei a uma conclusão surpreendente: quase todos os habitantes do Butão gostariam de morar em Nova York e quase todos os habitantes de Nova York gostariam de morar no Butão.
Será que a felicidade está sempre onde não estamos? Sêneca afirmou que “um homem é tão infeliz quanto se convence que é.” Dostoievsky acrescentou: “as pessoas são infelizes porque não sabem que são felizes.” Talvez por tudo isso, Spinoza tenha concluído que a felicidade é uma questão de consciência, não de sorte. Até hoje as pessoas jogam na loteria sem perceber isso.
Se eu pudesse dar um conselho a John Lennon, eu diria: seja bem mais tranquilo e bem mais modesto, como os butaneses. Acho que ele estaria vivo até hoje.