No planeta das cidades

Jonas Rabinovitch

Jonas Rabinovitch

Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).

No Planeta das Cidades

O primeiro país do século 21 já nasceu no passado?

21/12/2023 19:33
Thumbnail
Há cerca de 18 ilhas no mundo que são divididas por mais de um país, mas nenhuma com uma história tão dramática. Timor Leste divide com a Indonésia metade da pequena ilha de Timor ao norte da Austrália. Foi colonizado por Portugal de 1511 até 1975. Com a Revolução dos Cravos em Portugal e o fim da ditadura de Salazar, Timor Leste proclamou sua independência... por nove dias, antes de ser invadido pela Indonésia.
A Indonésia contribuiu para o genocídio de um quinto da população timorense durante os 24 anos de ocupação (1975-1999). Em 1999, os eleitores timorenses votaram pela independência. Assim que os resultados foram anunciados, grupos paramilitares apoiados pela Indonésia invadiram Timor Leste com violência, estupros e incendiando casas. A população fugiu para as montanhas. Funcionários do escritório local da ONU foram assassinados.
Após pressão internacional e a criação de uma força de paz da ONU com a participação de 17 países, liderados pela Austrália, a Indonésia reconheceu Timor Leste em outubro de 1999. Ainda administrado pela ONU e sem uma independência formal, Timor Leste decidiu realizar sua primeira conferência para desenvolvimento sustentável em janeiro de 2001. Fui convidado para fazer uma palestra e preparar um projeto da ONU sobre infraestrutura em cidades.
Quando cheguei na capital, Dili, ainda se podia sentir o cheiro de fumaça dos prédios queimados. Cerca de 85 mil a 90 mil casas foram danificadas ou destruídas. Nas áreas urbanas, a taxa de destruição foi de 70% a 100% do estoque habitacional. Antes da crise, 52% das famílias não tinham acesso a água potável e 62% não tinham acesso a instalações sanitárias. A situação piorou porque os sistemas de abastecimento de água e saneamento foram destruídos.
As dúvidas do país incluíam decisões estratégicas críticas: reformamos o sistema antigo de abastecimento de água feito pela Indonésia ou aceitamos uma contribuição do Japão para iniciar um novo sistema?
Os timorenses são um povo extremamente agradável. Andando pelas ruas da cidade, todos me cumprimentavam: “Bua Tardi”. A língua oficial é o Português.
Durante a Conferência, percebi problemas em alguns pronunciamentos oficiais: “Primeiro precisamos nos desenvolver. Depois nos tornaremos sustentáveis”. O problema é que as abordagens tradicionais de desenvolvimento defendidas por alguns poderiam colocar as questões de sustentabilidade em segundo plano, o que acabou acontecendo em parte.
Nosso projeto fez referências a estudos de caso de países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, com o caso de Curitiba; estratégias para geração de emprego; habitação; desenvolvimento de zonas especiais para proteção ambiental; proteção de nascentes e fundos de vale; vínculos urbano-rurais; gestão e reciclagem de resíduos sólidos; eco saneamento; agricultura urbana; transporte público.
Meu ponto principal foi que seria um erro considerar infraestrutura apenas como ‘’hardware”. A abordagem do “software” seria mais importante: educação, treinamento, capacitação, foco nas pessoas (capital humano). O projeto foi bem recebido e financiado.
Hoje, com uma população de mais de 1,3 milhões de pessoas, Timor-Leste é um país pacífico e democrático. Ainda há muita pobreza e algum progresso na qualidade de vida. Em recente análise, o Banco Mundial concluiu que investimentos em capital humano ainda são necessários. O paraíso acabou ficando nas praias e logo ali no futuro. Como um certo país que a gente conhece.