Egito
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
O paradoxo do oásis de Siwa
Cidade-oásis de Siwa, Egito. | Acervo pessoal
No ano 2000, o Programa de Gestão Urbana da ONU recebeu uma solicitação do governo egípcio para apoiar uma política de desenvolvimento para as cidades-oásis do país. O Egito tem sete cidades-oásis. A maior delas, Siwa, com população aproximada de 25 mil pessoas, é uma das áreas mais remotas do Egito, perto da fronteira com a Líbia. São mais de 9 horas de viagem indo do Cairo até Alexandria e depois atravessando o Saara Ocidental.
Alexandre da Macedônia passou por ali em 331 A.C. quando fundou Alexandria, a caminho de Siwa. Ele foi consultar o então famoso oráculo de Amon, deus do ar, uma das principais divindades egípcias.
No mundo antigo, decisões importantes eram guiadas pelos oráculos. Todos acreditavam que os próprios Deuses falavam pela boca desses oráculos, que geralmente eram sacerdotisas. Ou seja, motivado para falar com os Deuses, Alexandre e seu exército levaram meses montados em camelos para atravessar o Saara Ocidental, uma viagem que fizemos de jipe em 9 horas. Ninguém sabe precisamente o que Alexandre perguntou e o que Amon respondeu. O fato é que Alexandre acreditou ser um deus, filho direto de Amon, depois de visitar Siwa. A sacerdotisa não era boba.
O governo nos incentivou a dialogar com os berberes, habitantes de Siwa. Eles são originários do norte da África e vivem na região há mais de 20 mil anos. Possuem suas próprias leis e tradições, o que tornou a missão ainda mais rica e interessante do ponto de vista cultural.
Ao contrário de Alexandre, fomos sem exército e incumbidos de promover um diálogo difícil. Siwa tem uma sociedade patriarcal estruturada em líderes tribais. Decisões são tomadas por um conselho tradicional de homens. Um aspecto notável em nosso trabalho foi sugerir a inclusão da voz das mulheres no sistema de decisões, o que acabou sendo aceito pelo conselho.
As mulheres, então, fizeram reuniões separadas, escolheram uma representante que foi incumbida de transmitir as mensagens das mulheres para o conselho. Assim, talvez pela primeira vez em 20 séculos, a tradição cedeu lugar a uma visão mais inclusiva nesse projeto. As sugestões das mulheres foram práticas e objetivas: por exemplo: que tal se os homens consultassem suas esposas na hora de definir o orçamento familiar?
Se o oráculo ainda existisse, eu perguntaria: como desenhar uma política de desenvolvimento urbano para um oásis que fica a 300 quilômetros da cidade mais próxima? O potencial turístico existe, claro, mas a construção de um aeroporto, por exemplo, ou até mesmo asfaltar a estrada acabariam com a espontaneidade e a independência de Siwa. No final, concluímos que seria melhor não tentar consertar o que não estava quebrado.
Sentado em um banco de palha, tomando chá na casa de Mohammed, um líder local, perguntei se eles tinham time de futebol, se faziam algum tipo de esporte, teatro, enfim, o que faziam para se distrair? Ele olhou em volta para nossa roda de bate-papo e respondeu: “isso”.
À noite, eles trouxeram instrumentos musicais, colocaram tapetes rústicos sobre a areia, fizeram uma fogueira e tivemos uma autêntica noite berbere sob a lua cheia. Tive certeza que eles não precisam de celebridades, discotecas ou casas noturnas para serem felizes.
Nosso relatório fez várias recomendações ao governo, das quais apenas algumas foram implementadas. Para uma missão quase impossível, a decisão de não “desenvolver” o que não precisa ser desenvolvido acabou sendo a mais correta.