Questionamentos e provocações sobre Feng Shui
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
Feng Shui: qual a fronteira entre superstição e boa arquitetura?
O Feng Shui também se aplica a jardins e exteriores. Fonte: studycli.org/chinese-culture
Uma história antiga e complicada
O conceito chinês de feng shui visa estabelecer harmonia entre uma pessoa e seu ambiente. Feng shui vem das palavras chinesas "feng", que significa vento, e "shui", que significa água. Deriva de um antigo poema sobre a vida humana estar conectada e fluir com o ambiente ao seu redor.
O feng shui é frequentemente incorporado ao design de interiores para criar equilíbrio e fluidez no projeto da casa e na vida em geral. Mas, queridos leitores, como não quero subestimar sua inteligência, vou evitar reduzir o feng shui a uma mera técnica para decoração de interiores. Uma visão abrangente do feng shui é muito mais complexa e surpreendente do que eu imaginava.
Há de tudo: uma história que começou na China neolítica por volta de 5000 a.C., influências da astrologia e da invenção da bússola, fundamentos filosóficos incluindo o taoísmo, o yin e yang e os cinco elementos: madeira, fogo, terra, metal e água.
A China comunista reprimiu o feng shui por considerá-lo uma "prática supersticiosa feudal" que contrariava a crença do Partido Comunista no marxismo e em uma visão de mundo científica e materialista. Há consultores ocidentais que hoje cobram fortunas para decorar casas ou escritórios segundo “rígidos princípios científicos de feng shui”. Por outro lado, há acusações ao feng shui por ser pseudociência, superstição ou placebo.
Placebo: o efeito psicológico
Na medicina, o efeito placebo é um fenômeno cientificamente válido. A ciência por trás disso envolve a capacidade do cérebro em liberar seus próprios analgésicos naturais, como endorfinas e dopamina, e o papel do córtex pré-frontal influenciando positivamente outros órgãos. A relevância clínica do efeito placebo ainda é debatida, especialmente porque é difícil separar aspectos objetivos e subjetivos.
Não existe uma porcentagem fixa para o efeito placebo em todos os ensaios clínicos; ele é altamente variável e depende muito da condição estudada e do desenho do ensaio. Por exemplo, as respostas ao placebo em estudos sobre dor crônica são frequentemente estimadas em torno de 30% da resposta analgésica, mas podem chegar a até 60% dos participantes.
O efeito placebo tem aceitação científica, mas ainda é controverso.
Não conheço nenhum estudo que tenha medido cientificamente o efeito placebo do feng shui, mas conheço o “efeito cartão de crédito”. Quando alguém decide pagar a qualquer especialista por algum trabalho, há três resultados possíveis:
1) imediata satisfação psicológica pelo resultado;
2) sentir-se um tolo por gastar tanto, não gostar do resultado, mas acabar gostando porque gastou tanto;
3) reclamar com quem prestou o serviço, o que em si já causa um grande estresse psicológico que muitos preferem evitar.
O Feng Shui Funciona?
O feng shui, com todo o respeito, pode ser mal comparado a um sistema de ideias mais ou menos equivalente à acupuntura, astrologia, quiromancia ou cartas de tarot. Aqueles que praticam precisam estudar muito e entender com profundidade os signos, a metodologia, os detalhes e os rituais. Há charlatanismo e há gente séria, como em qualquer atividade humana. Não encontrei nenhuma evidência científica de que o feng shui realmente “funcione” ou não. Tudo depende do cliente.
Pelo lado do potencial cliente de feng shui, o princípio básico é: acredite, se quiser. É um dogma, um princípio indiscutível de uma crença – o qual se aceita ou não.
O que significa o Feng Shui na prática?
Sistemas de ideias – sejam reais ou não – podem chegar a níveis incríveis de sofisticação. Adicione a isso sete mil anos de História e temos uma matéria que pode ser estudada por muitos anos.
Qualquer arquiteto entende que há um compromisso concreto com um desenho final que deve satisfazer o cliente. O bom senso deve prevalecer. Vejo o feng shui da mesma forma. Há princípios que simplesmente refletem o bom senso na arquitetura:
- Decorar com plantas é sempre válido. Mas se você acha que a “planta-do-dinheiro” vai te fazer mais rico, a escolha é sua.
- Acreditando ou não em chi (fluxo de energia), evitar objetos desnecessários contribui para um espaço mais arejado e desobstruído.
- Mantenha a circulação livre: passagens, como portas e corredores, devem ser mantidas livres para facilitar o caminho.
- Maximize a luz natural: ambientes com bastante luz solar melhoram o bem-estar e a vitalidade.
- Conserte o que estiver quebrado: o feng shui diz que isso melhora o chi do ambiente. Eu digo que não é prático manter nada quebrado em casa.
- Crie um espaço acolhedor, iluminado e livre de bagunça.
Há outros princípios que, a meu ver, dependem do gosto do freguês:
Por exemplo, Baguá é um diagrama usado no feng shui para dividir um espaço em nove áreas ligadas a aspectos da vida como carreira, prosperidade, família e saúde. É uma espécie de “mapa energético” para harmonizar cores e objetos. Eu digo que você deve usar a cor que você gosta e os objetos que você gosta. Pintar uma parede de verde não vai melhorar o astral da sua família (zhen) se você não olhar sua esposa ou namorada bem dentro dos olhos e murmurar: “já disse que te amo hoje?” Uma caixa retangular de madeira pintada de roxo não vai trazer riqueza (xun).
O feng shui recomenda manter o fogão, mesa ou cama em “posição de comando” — o local mais distante da porta, mas não diretamente alinhado com ela. Eu digo que você deve colocar sua cama, mesa ou fogão no local que for mais conveniente ou da forma que couber.
“Especialistas” em feng shui dizem que um erro comum é colocar a cama embaixo de uma janela, o que permite que muita energia escape do quarto. Eu digo que se você adora olhar estrelas ou ver o desenho das nuvens deitado em sua cama, coloque a cama onde você quiser. Isso é boa energia.
Concluindo, o feng shui pode funcionar para quem acha que funciona. A boa arquitetura, por princípio, deveria funcionar para todos.
Texto produzido pelo Jonas Rabinovitch para a coluna No Planeta das Cidades