Design Religioso
Jonas Rabinovitch, especial para HAUS*
No Planeta das Cidades
Entre a realidade e o sonho: arte, espiritualidade, e surrealismo

Templo Angkor Wat, Camboja. Maior estrutura religiosa no mundo | Fonte: Expeditions
Todos nós temos necessidades materiais, mas também espirituais. Depois de ter comida, casa, roupa, ou o último modelo de carro, ou celular, muitos buscam um sentido mais profundo para a vida. Através dos séculos, essa resposta tem vindo da religião ou da arte. A necessidade de dar sentido à nossa existência com respostas espirituais e artísticas resultou em templos magníficos como a Basílica de São Pedro em Roma ou a catedral de Notre Dame em Paris. A maior estrutura religiosa existente no mundo, o espetacular templo budista de Angkor Wat no Camboja, cobre uma área de 402 acres, ou cerca de 200 campos de futebol.
Até onde sabemos, os Deuses não ficam disputando qual teria o templo maior ou mais bonito; isso é coisa dos humanos. Pessoalmente, prefiro ter uma experiência mais íntima e sutil com a religião e com a arte.
Há uma história interessante conectando uma grande fortuna a um importante trabalho a favor da arte. John e Dominique de Menil foi um casal francês que fugiu de Paris na época da Segunda Guerra Mundial e se estabeleceu nos EUA. A família era muito rica: Dominique de Menil era filha de Conrad Schlumberger, um físico que fundou a empresa de serviços para campos petrolíferos Schlumberger, proporcionando à família uma riqueza significativa, mas acabaram ficando conhecidos por sua profunda influência na arte e na cultura. Eles eram apaixonados por colecionar obras de arte. Em 1954, criaram a Fundação Menil para promover a educação e a apreciação artística. Em 1987 inauguraram a Coleção Menil, um museu moderno que exibe sua extensa coleção de arte em Houston, projetado pelo conhecido arquiteto Renzo Piano.

O museu abriga uma das coleções mais significativas de obras surrealistas dos Estados Unidos, incluindo dezenas de pinturas a óleo, guaches, desenhos e bronzes de René Magritte. Ele foi um pintor belga e figura-chave do movimento surrealista. Suas obras enigmáticas e cerebrais, frequentemente com nuvens, cachimbos e chapéus-coco, desafiam a percepção da realidade. As pinturas de Magritte são conhecidas por mostrar objetos familiares em contextos inesperados, intrigando e desafiando o observador. Ele dizia: “Se o sonho é uma tradução da vida desperta, a vida desperta também é uma tradução do sonho”, ou seja: se o sonho imita a vida, até que ponto a vida pode imitar o sonho? A obra de Magritte parece ter explorado essa pergunta ao máximo.

Magritte era um homem de contradições. Passou a maior parte da vida criticando a burguesia, mas era conhecido por ter uma aparência e uma vida essencialmente burguesa. Picasso, Dalí e outros seguiram o mesmo caminho. O socialismo champagne e a esquerda caviar não começaram hoje.
O Surrealismo foi influenciado por Sigmund Freud e tentou expressar o inconsciente por meio de imagens oníricas e justaposições ilógicas. Surgiu nas décadas de 1920 e 1930 como uma reação à racionalidade da Primeira Guerra Mundial e como um desejo de explorar os aspectos subconscientes da mente humana. Os surrealistas acreditavam que o subconsciente era uma poderosa fonte de criatividade e buscavam explorá-lo por meio de técnicas como o automatismo (escrever ou desenhar livremente, sem censura) e a análise de sonhos. O surrealismo continua a inspirar artistas e pensadores atualmente, influenciando diversos campos, como literatura, cinema e moda.
A contribuição da família Menil foi além. Eles também contrataram o artista abstrato Mark Rothko para projetar a Capela Rothko, em Houston. O casal foi inspirado por duas capelas projetadas por dois grandes artistas na França: a Capela do Rosário feita por Matisse em Vence e a Capela Notre Dame du Haut, projeto de Le Corbusier em Ronchamp.

Há algo muito especial quando um grande artista decide sintetizar toda a sua obra em um espaço íntimo e espiritual.
Na minha visão, apesar de serem totalmente diferentes, as capelas de Matisse, Le Corbusier e Rothko têm alguns pontos importantes em comum: a definição de um espaço interno que exala tranquilidade e luz; um ambiente que convida reflexão, transmitindo intimidade e infinidade ao mesmo tempo. Em seu exterior, vejo a capela Rothko como um pesado bunker de tijolos ocre. Porém, depois de uma entrada escura, o interior se ilumina para os céus, criando um ambiente tranquilo e propício para meditação. No interior, a suavidade da capela representa uma escadaria para o paraíso, como na música de Led Zeppelin. Notem que essa música "Stairway to Heaven" (escadaria ao paraíso) tem uma mensagem oposta às ações sociais do casal Menil. A música critica pessoas materialistas que pensam ser possível comprar o acesso ao paraíso apenas com dinheiro.
Na minha visão, apesar de serem totalmente diferentes, as capelas de Matisse, Le Corbusier e Rothko têm alguns pontos importantes em comum: a definição de um espaço interno que exala tranquilidade e luz; um ambiente que convida reflexão, transmitindo intimidade e infinidade ao mesmo tempo. Em seu exterior, vejo a capela Rothko como um pesado bunker de tijolos ocre. Porém, depois de uma entrada escura, o interior se ilumina para os céus, criando um ambiente tranquilo e propício para meditação. No interior, a suavidade da capela representa uma escadaria para o paraíso, como na música de Led Zeppelin. Notem que essa música "Stairway to Heaven" (escadaria ao paraíso) tem uma mensagem oposta às ações sociais do casal Menil. A música critica pessoas materialistas que pensam ser possível comprar o acesso ao paraíso apenas com dinheiro.

Os trabalhos abstratos de Rothko no interior da capela não me tocaram muito. São grandes telas com formas retangulares nas cores preto, marrom, cinza. Segundo alguns, “Rothko acreditava que cores escuras poderiam levar o olhar do observador além da tela, para um espaço de contemplação e reflexão”. Isso me pareceu um exagero de racionalização para definir um processo quase inconsciente de introspecção. No fundo, tanto arte como religião são experiências muito pessoais.
O que mais me atraiu foi uma coleção de livros exibidos na entrada, representando todas as religiões. A Bíblia cristã (Novo Testamento), a Bíblia hebraica (Tanakh, incluindo a Torá), o Alcorão, o Bardo Thodol (livro tibetano dos mortos), o Lotus Sutra (Budismo), o Khordeh Avesta (Zoroastrismo), o Bhagavad Gita (Hinduísmo), o livro Hopi (representando religiões indígenas nas Américas), o Bahhaullah (fé Bahá’i ), o livro de Mórmon, o Acharanga Bhasyam (Jainismo), o Tao Te Ching (Taoísmo).

Enfim, em cada livro ou em cada obra de arte há um caminho mais ou menos oculto a ser trilhado de modo muito pessoal por cada um. Ou não. Não há obras insignificantes, talvez apenas observadores distraídos. Nos concentramos de forma consciente ou não, e nos distraímos realisticamente ou surrealisticamente. Realidade ou sonho, tudo é válido.

Depois de minha visita, busquei um pouco do conhecimento contido em cada um desses textos religiosos. Apenas arranhei a superfície, não entendi muita coisa. Mas, assim como há uma luz interior comum a várias capelas, descobri que há uma mensagem central em todas as religiões. A espiritualidade não é algo forçado que viria de fora para dentro, mas seria um processo a ser descoberto no interior de cada um.
E cheguei a uma conclusão simples e profunda: Deus se manifesta, ou não, pela forma como tocamos as outras pessoas.
O mesmo acontece com a arte.
O mesmo acontece com a arte.