No planeta das cidades

Jonas Rabinovitch

Jonas Rabinovitch

Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).

No Planeta das Cidades

Curitiba: a cidade desconhecida que pode salvar o planeta

30/03/2023 13:43
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Pouca gente lembra, mas a cidade de Curitiba foi o destaque do Dia da Terra (Earth Day), em Nova York, 1992, e continua referência mundial em planejamento urbano integrado. Mesmo sem ser curitibano, tive a honra de ter uma pequena participação nesse processo.
Não foi fácil conseguir trabalhar em Curitiba. Em 1980, formando em arquitetura pela UFRJ no Rio, eu sonhava em trabalhar com cidades. Como um pequeno aspirante a arquiteto consegue falar com o famoso prefeito Jaime Lerner? Tentando.
Depois de nove meses, consegui uma audiência de 15 minutos. Coloquei minha pastinha de desenhos embaixo do braço e peguei um ônibus para Curitiba. Minha primeira conversa com o Jaime durou uma hora e meia. Acabei recebendo um convite para um estágio em Curitiba.
Muitos anos depois, quando propus ao Jaime a realização de um “Fórum Mundial de Cidades”, em Curitiba, ele me disse, rindo: “Jonas, você venceu pela persistência. Mas nunca me arrependi.
Centenas de prefeitos internacionais participaram do Fórum Mundial de Cidades em Curitiba. Em seguida, foram para o Rio participar do “Dia das Cidades” na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92.
Prestem atenção, isso é muito importante: o fato da experiência de planejamento urbano de Curitiba já existir concretamente fez com que a comunidade internacional aceitasse mais facilmente a ideia de que as cidades podem contribuir para o desenvolvimento sustentável do planeta – ao invés de serem vistas apenas como fonte de problemas.
Nova York apoiou a exposição “Curitiba: a Cidade Desconhecida que Pode Salvar o Planeta”, com uma demonstração do Ligeirinho nas ruas da cidade por várias semanas. Cinco estações-tubo e cinco ônibus Ligeirinho foram enviadas de Paranaguá ao porto de Nova York.
Durante a ECO-92 me convidaram para fazer um trabalho na ONU em Nova York, mas só quando terminou o mandato do Jaime no final de 1992 eu me mudei com uma mala e um contrato de 3 meses. Acabei ficando 30 anos.
Visitei mais de 80 países pela ONU. Trabalhei em cidades como Díli, Male, Thimphu, Kabul e Rangum. Eu sonhava em contribuir com a implementação de centenas de “Curitibas” pelo mundo afora, mas a realidade é um pouco diferente.
O planejamento não pode garantir que toda cidade irá para o céu, mas pode certamente tentar impedir que cada realidade urbana se transforme num inferno. O urbanismo tenta transformar cada cidade em sua melhor versão possível ou pelo menos tentar impedir que se transforme em sua pior versão. É a mais científica das artes ou talvez a mais artística das ciências.
Como arquiteto urbanista na ONU talvez eu tenha tido algum mérito...não em transformar sozinho as cidades do mundo, o que seria impossível. Mas em tê-las alertado para não seguir certos caminhos que certamente levariam a desastres ambientais, sociais ou econômicos. Nesse ponto, a experiência de Curitiba sempre foi útil como referência – por semelhança ou por contraste com outras cidades.
Talvez seja tarde para acabar com os problemas de trânsito de Bangkok ou com a poluição de Nova Delhi. Mas há, agora, milhares de outras cidades crescendo e tomando decisões erradas que podem comprometer seriamente seu futuro de modo irreversível. Prevenir custa pelo menos 100 vezes mais barato do que remediar.
Por tudo isso, Curitiba serviu e ainda serve como referência mundial.