Opinião
Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
No Planeta das Cidades
Arquitetura moderna e contemporânea: qual a diferença?
"The Gherkin" (O Picles) foi projetado por Norman Foster e construído em 2004 em Londres. | Google imagens
A primeira habitação foi uma caverna. A arquitetura começou há 10.000 anos atrás, quando as pessoas saíram das cavernas e fizeram as primeiras casas com materiais naturais como folhas, galhos, bambu, peles de animais, barro etc. Podemos até dizer, com certo humor, que a arquitetura começou com casas essencialmente ecológicas.
Hoje temos debates interessantes: seria melhor fazer o encanamento de uma casa ecológica com bambu cortado da floresta ou usar tubos de polietileno para deixar a floresta em paz?
Cada civilização antiga criou seus próprios estilos arquitetônicos: Mesopotâmia, antigo Egito, vale do rio Indus na Índia, China, Pérsia, Grécia Antiga e América com os Incas, Maias e Astecas. Há cinco mil anos surgiram as primeiras cidades na Mesopotâmia - onde hoje é o Iraque - com dezenas de milhares de habitantes. As casas eram construídas com tijolos de barro e priorizavam a ventilação. Já havia algum planejamento urbano incluindo redes de transporte com ruas e canais, áreas sagradas para templos e lojas, hierarquia viária, espaços abertos com bosques de tâmaras e poços de argila.
Três curiosidades:
1) Um arquiteto do antigo Egito teria medo de ficar embaixo dos prédios do Museu de Arte Moderna do Rio ou de São Paulo. Os vãos construídos com materiais modernos como aço e concreto armado teriam sido impossíveis na antiguidade.
2) A casa popular básica evoluiu muito pouco: paredes, teto, janelas. A evolução da arquitetura mais avançada reflete o poder religioso, político e econômico de cada época. Os templos na Grécia Antiga, o Fórum Romano, as Igrejas e castelos medievais, os Palácios Reais na Europa, e, mais recentemente, as sedes das grandes corporações, bancos e companhias de seguro são uma expressão de poder - através da evolução das técnicas construtivas e materiais ao longo da História.
3) As principais diferenças entre a arquitetura antiga e a moderna são os materiais, as tecnologias e o propósito das construções. Os prédios na antiguidade eram mais “sustentáveis”. Eram feitos, por exemplo, com tijolos ou madeira, materiais que respiram, permitindo porosidade e alta capacidade térmica. Os prédios modernos são impermeáveis, revestidos, muitos necessitam ar-condicionado e ventilação artificial. Mas são versáteis e conseguem acomodar mais gente com grande verticalidade.
1) Um arquiteto do antigo Egito teria medo de ficar embaixo dos prédios do Museu de Arte Moderna do Rio ou de São Paulo. Os vãos construídos com materiais modernos como aço e concreto armado teriam sido impossíveis na antiguidade.
2) A casa popular básica evoluiu muito pouco: paredes, teto, janelas. A evolução da arquitetura mais avançada reflete o poder religioso, político e econômico de cada época. Os templos na Grécia Antiga, o Fórum Romano, as Igrejas e castelos medievais, os Palácios Reais na Europa, e, mais recentemente, as sedes das grandes corporações, bancos e companhias de seguro são uma expressão de poder - através da evolução das técnicas construtivas e materiais ao longo da História.
3) As principais diferenças entre a arquitetura antiga e a moderna são os materiais, as tecnologias e o propósito das construções. Os prédios na antiguidade eram mais “sustentáveis”. Eram feitos, por exemplo, com tijolos ou madeira, materiais que respiram, permitindo porosidade e alta capacidade térmica. Os prédios modernos são impermeáveis, revestidos, muitos necessitam ar-condicionado e ventilação artificial. Mas são versáteis e conseguem acomodar mais gente com grande verticalidade.
Os arquitetos que reformaram o prédio da ONU em Nova York em 2015 organizaram um debate com os membros do staff. Por pura curiosidade, perguntei: “Por que o prédio precisa continuar a ser um aquário de vidro hermeticamente fechado? O que há de errado em permitir que eu abra a janela do meu escritório para desfrutar a brisa que vem do East River?” Minha pergunta ficou sem resposta. Sem querer, eu estava contrastando o design do prédio da ONU, construído em 1950, com uma das tendências da arquitetura contemporânea, o design biofílico ou bioarquitetura – que propõe prédios em harmonia com seu entorno, minimizando o impacto no ecossistema, usando materiais sustentáveis, energia renovável, e inspirados pela natureza. A reforma do prédio da ONU, construído em estilo “modernista”, seguiu instruções explícitas para obedecer ao estilo histórico daquela época.
Da Antiguidade ao Século XIX - Política, Poder e Arquitetura
Após as civilizações antigas, alguns dos principais estilos arquitetônicos no Ocidente foram o Românico (ou Romanesco), o Gótico e o Barroco.
O Românico, na Idade Média, se inspirou na arquitetura de Roma antiga, mas incorporou paredes maciças e janelas estreitas. A maioria dos prédios eram igrejas, castelos e mosteiros, desenvolvidos numa época de guerras constantes. A prioridade era a defesa. Mais ou menos como acontece hoje em Copacabana (e no Brasil inteiro), onde portões eletrônicos, grades e entradas com vidro blindado protegem os moradores. A catedral de Lisboa, cuja construção começou em 1147, é um prédio tipicamente romanesco, apesar de ter incorporado depois uma rosácea em estilo gótico na fachada.
O Românico, na Idade Média, se inspirou na arquitetura de Roma antiga, mas incorporou paredes maciças e janelas estreitas. A maioria dos prédios eram igrejas, castelos e mosteiros, desenvolvidos numa época de guerras constantes. A prioridade era a defesa. Mais ou menos como acontece hoje em Copacabana (e no Brasil inteiro), onde portões eletrônicos, grades e entradas com vidro blindado protegem os moradores. A catedral de Lisboa, cuja construção começou em 1147, é um prédio tipicamente romanesco, apesar de ter incorporado depois uma rosácea em estilo gótico na fachada.
O Românico evoluiu para o Gótico, um estilo mais leve e verticalizado com arcos em forma de ogiva. As catedrais góticas se elevavam aos céus usando materiais básicos como pedras e argamassa de cal. Os geniais segredos de construção eram passados de pai para filho. Recentemente reinaugurada após um incêndio, a catedral de Notre Dome levou quase 200 anos para ser construída a partir de 1163 devido à complexidade de seu desenho e alto custo.
Curiosamente, o estilo Barroco teve origem na competição política entre religiões. Na Itália do final do século XVI o Barroco surgiu como uma reação à Reforma Protestante e ao estilo mais sério e acadêmico das igrejas anteriores. Foi uma forma de atrair e inspirar as pessoas comuns, usando fachadas ornamentadas e efeitos visuais. Em contraste com o interior escuro das catedrais góticas, as igrejas barrocas usavam cúpulas com domos para permitir a entrada de luz. Os tetos eram pintados com céus cheios de anjos, nuvens rosadas e raios de sol, sugerindo um caminho para o paraíso. A Praça de São Pedro, no Vaticano, projetada por Bernini, é um famoso exemplo de arquitetura barroca, conhecida por sua escala majestosa e design inspirador.
Curiosamente, o estilo Barroco teve origem na competição política entre religiões. Na Itália do final do século XVI o Barroco surgiu como uma reação à Reforma Protestante e ao estilo mais sério e acadêmico das igrejas anteriores. Foi uma forma de atrair e inspirar as pessoas comuns, usando fachadas ornamentadas e efeitos visuais. Em contraste com o interior escuro das catedrais góticas, as igrejas barrocas usavam cúpulas com domos para permitir a entrada de luz. Os tetos eram pintados com céus cheios de anjos, nuvens rosadas e raios de sol, sugerindo um caminho para o paraíso. A Praça de São Pedro, no Vaticano, projetada por Bernini, é um famoso exemplo de arquitetura barroca, conhecida por sua escala majestosa e design inspirador.
O Movimento Modernista na Arquitetura
Depois de vários estilos históricos, no final do século XIX o arquiteto frequentemente atuava como um “decorador de fachadas” ornamentando prédios públicos e palácios.
Por exemplo, o prédio da Ópera de Paris (Palais Garnier) tem um estilo grandioso, simétrico, extremamente ornamentado combinando a chamada Arquitetura Beaux-Arts (ou Neobarroco), a Arquitetura Neoclássica com uso de colunas e arcos greco-romanos e a arquitetura francesa palaciana (Segundo Império, época do Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte). Uma dica: se você ficar confuso sobre o estilo de um prédio histórico, ou perceber que há vários estilos, diga que é “Eclético”. A Ópera Municipal e o prédio da Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro são pequenas cópias da Ópera de Paris e do Petit Trianon do Palácio de Versalhes, em estilo eclético.
Por exemplo, o prédio da Ópera de Paris (Palais Garnier) tem um estilo grandioso, simétrico, extremamente ornamentado combinando a chamada Arquitetura Beaux-Arts (ou Neobarroco), a Arquitetura Neoclássica com uso de colunas e arcos greco-romanos e a arquitetura francesa palaciana (Segundo Império, época do Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte). Uma dica: se você ficar confuso sobre o estilo de um prédio histórico, ou perceber que há vários estilos, diga que é “Eclético”. A Ópera Municipal e o prédio da Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro são pequenas cópias da Ópera de Paris e do Petit Trianon do Palácio de Versalhes, em estilo eclético.
Mas não poderíamos dizer sempre que “em arquitetura nada se cria, tudo se copia” porque no final do século XIX veio o movimento modernista e mudou tudo.
O Modernismo foi uma reação aos estilos históricos e um desejo de criar funcionalidade. Os arquitetos começaram a olhar para o presente em vez de se inspirar no passado (Neoclássico, Neobarroco, Neo-isso, Neo-aquilo). Foram influenciados por avanços tecnológicos e novos materiais (ferro fundido, vidro plano, concreto armado). Eventos mundiais como a Grande Exposição de 1851, construída em pleno Hyde Park em Londres, abrigou o famoso Palácio de Cristal, um dos primeiros exemplos de construção em ferro e vidro plano. A Feira Mundial de Chicago em 1893 apresentou edifícios de vanguarda projetados por arquitetos americanos proeminentes, incluindo Louis Sullivan e Daniel Burnham. A frase de Sullivan "a forma segue a função" se tornou um grito de guerra para o movimento modernista. A Torre Eiffel foi construída para a Exposição Universal de 1889 para comemorar o 100º aniversário da Revolução Francesa. A Torre Eiffel era a peça central da feira e a torre mais alta do mundo na época, demonstrando na prática a versatilidade do ferro como material de construção.
Mas foi com a Bauhaus que o movimento modernista fez escola, literalmente. A Bauhaus foi uma escola de arte e design na Alemanha que começou em 1919 e fechou em 1933 por pressão do partido nazista. O fundador foi o arquiteto alemão Walter Gropius (1883–1969). Não era apenas uma escola de arquitetura, mas propôs uma visão integrada das artes, design, arquitetura e indústria. O resultado foi um estilo geométrico, despojado, retilíneo, funcional, com pouca ornamentação.
É interessante notar que vários artistas plásticos e arquitetos famosos foram professores na Bauhaus, como Paul Klee, Vasily Kandinsky e Mies van der Rohe, contribuindo para o desenvolvimento de uma forma mais moderna de arquitetura. O estilo Bauhaus também é conhecido como Estilo Internacional. A maioria dos prédios residenciais convencionais de hoje foram influenciados por esse estilo.
Os Altos e Baixos da Arquitetura Contemporânea
Enquanto o Modernismo Arquitetônico é um estilo do início do século XX definido por linhas retas e minimalismo, a arquitetura contemporânea, a partir dos anos 60, é marcada por total ausência de um único estilo ou definição rígida. Em geral, há muitas curvas, formas orgânicas, assimetria, desenhos pouco convencionais, plantas baixas abertas com espaços internos interligados, incorporação de aspectos ambientais e ecológicos, inovações tecnológicas e de materiais.
O movimento modernista enfatizou a simplicidade e a funcionalidade, e influenciou a arquitetura contemporânea. O fim da Segunda Guerra Mundial levou a um boom imobiliário, os clientes estavam dispostos a experimentar novos materiais e formas. Computadores e outras inovações tecnológicas, como a impressão 3D e novos materiais, permitiram que os arquitetos experimentassem desenhos mais arrojados. O rápido crescimento da cooperação internacional após a Segunda Guerra Mundial também influenciou a arquitetura contemporânea, marcada pelo ecletismo cultural.
Assim como a Arte Contemporânea virou um vale-tudo onde o conceito é tão importante quanto a obra, a Arquitetura Contemporânea também virou um vale-tudo, mas com uma grande diferença: prédios necessitam ser funcionais e habitáveis. Por mais arrojado que seja o desenho de um prédio contemporâneo, ele precisa ser detalhado e executado para acomodar infraestrutura sanitária, elétrica, hidráulica, elevadores, iluminação, ventilação, circulação de pessoas, acessos, áreas de serviço etc.
Assim como a Arte Contemporânea virou um vale-tudo onde o conceito é tão importante quanto a obra, a Arquitetura Contemporânea também virou um vale-tudo, mas com uma grande diferença: prédios necessitam ser funcionais e habitáveis. Por mais arrojado que seja o desenho de um prédio contemporâneo, ele precisa ser detalhado e executado para acomodar infraestrutura sanitária, elétrica, hidráulica, elevadores, iluminação, ventilação, circulação de pessoas, acessos, áreas de serviço etc.
Por esse motivo, alguns criticam a Arquitetura Contemporânea não apenas por ter formas estranhas, mas também por serem esculturas que se preocupam mais em chamar atenção, enquanto perdem em funcionalidade. Algumas críticas incluem o alto preço de construção, desafios de manutenção, o layout interno do edifício é desnecessariamente confuso, pessoas que trabalham dentro desses edifícios não sabem como organizar seus escritórios, o detalhamento é caro e complexo, e, mesmo assim, ainda há casos de infiltração depois de chuvas fortes. Um prédio arrojado é uma forma eficiente de propaganda, além de se transformar em um monumento ao ego do arquiteto. Como sempre, desenhos arrojados atraem tanto elogios como críticas, dividindo opiniões. Lembrem que os Parisienses criticaram a Torre Eiffel como uma “gigantesca chaminé de fábrica" quando foi construída.
Grande parte dos prédios contemporâneos são museus e teatros. Será esse o poder da nossa época? Exemplos de arquitetura contemporânea: Museu Guggenheim em Nova York, projetado pelo arquiteto americano Frank Lloyd Wright, inaugurado em 1959.
Mais recentemente, o arquiteto canadense-americano Frank Gehry projetou o Museu de Arte em Bilbao, Espanha; a sala de concertos Walt Disney em Los Angeles e o prédio da Louis Vuitton em Paris. Todos com desenhos orgânicos, arrojados e controversos. O arquiteto espanhol Santiago Calatrava também contribuiu com desenhos arrojados, como no atual Centro de Transportes "Oculus" (World Trade Center) em Nova York e o Museu do Amanhã no Rio de Janeiro. Alguns prédios de Santiago Calatrava também tiveram problemas: na Vinícola Ysios, Espanha, o teto tem umidade e vazamentos. No complexo de artes e ciências em Valência o custo da obra quadruplicou. A cidade de Veneza recebeu vários processos por parte de pessoas que caíram nos degraus de vidro temperado projetados por Calatrava para a nova ponte sobre o Grande Canal, além dos altos custos de manutenção. Após anos de ações judiciais, a cidade substituiu o piso de vidro por pedras – como aquelas usadas há 1.500 anos na construção de Veneza.
Conclusão, a arquitetura e os estilos arquitetônicos refletem em cada obra as páginas da nossa história e a biografia de cada cidade. Criticados e aplaudidos, “os edifícios estão vivos, e seu espírito é o espírito de seu criador”, como disse Frank Lloyd Wright refletindo sua visão personalista.
Pessoalmente, gosto mais da definição de Frank Gehry: “A arquitetura deve falar de seu tempo e lugar, mas ansiar pela eternidade”.