Os museus e seus mistérios acompanham a evolução da humanidade e da curadoria

Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
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Museus e seus mistérios: como a gestão pública e a arquitetura facilitam o acesso à cultura

Exibição dos Pergaminhos do Mar Morto em Nova York. Fonte: RAA
Museus e seus mistérios revelam muito mais do que obras de arte e peças históricas — mostram como a gestão pública e a arquitetura facilitam o acesso à cultura.
Qual o Museu mais antigo do mundo?
Você pode ter pensado no Louvre ou no Museu Britânico. Mas o mais antigo foi o Museu Ennigaldi-Nanna, fundado por volta de 530 a.C. na antiga cidade mesopotâmica de Ur, onde hoje está o Iraque. Ennigaldi-Nanna foi uma princesa e alta sacerdotisa babilônica, filha de Nabonido, o último rei do Império Neobabilônico. Ela é também considerada a primeira curadora e museóloga da História.
As ruínas do museu foram descobertas em 1925, quando o arqueólogo britânico Leonard Woolley escavou partes do complexo do palácio em Ur. Ele encontrou dezenas de artefatos, cuidadosamente dispostos lado a lado, cujas idades variavam em séculos. Ficou super intrigado, mas finalmente entendeu que eram peças de um museu, porque estavam acompanhadas de "etiquetas" de barro escritas em três línguas diferentes, incluindo sumério.

Museus e suas coleções invisíveis
Uma das características das grandes cidades são os seus grandes museus. Mas você sabia que a maior parte das coleções dos grandes museus estão nos porões de seus prédios? Eles exibem uma fração muito pequena de seu acervo total, com a taxa média de exibição variando entre 1% e 5% de toda a coleção. A grande maioria dos itens é mantida em depósito para conservação, pesquisa e futuras exposições.
O Louvre exibe cerca de 30.000 peças de uma coleção de quase 646.000 itens. O Smithsonian (em todos os seus museus em Washington D.C.) exibe cerca de 1% de sua vasta coleção de quase 160 milhões de objetos e o Museu Britânico exibe menos de 1% de toda a sua coleção.
Do ponto de vista da arquitetura não faria mais sentido projetar museus com uma área maior de exibição e uma área menor de depósito? Isso depende. Projetar museus com uma taxa de exibição mais alta pode fazer sentido para aumentar o engajamento do público e pesquisa. No entanto, também apresenta desafios significativos relacionados à preservação das peças e custos. Uma abordagem utilizada por museus para equilibrar esses fatores é o "armazenamento visível", permitindo que uma maior parte do acervo fique em exibição desde que isso não comprometa as necessidades de conservação. É claro que isso depende de cada museu e de cada peça, já que certas raras preciosidades artísticas – por exemplo, os desenhos originais de Leonardo da Vinci – não podem ficar em exibição por muito tempo.
Nesse caso, as exibições são curtas, no máximo alguns meses. Depois, os desenhos voltam para um ambiente escuro, protegido climaticamente, onde ficam por anos até a próxima exibição.

Todo cuidado é pouco
Depois do roubo da coleção de jóias da família imperial francesa no Louvre, é inevitável perguntar: que cuidados os museus tomam para emprestar peças de suas coleções para exibições em outros países? Imaginem a cena: a diretora do Louvre recebe pelo correio um bilhete escrito à mão. O bilhete diz: “Será que dá prá emprestar aquele quadro da Mona Lisa pruma exibição aqui na Favela da Maré, no Rio? É verdade esse bilhete.” Não funciona assim.
Entre 2002 e 2018, foram organizadas nos EUA mais de 40 exposições com fragmentos dos famosos “Pergaminhos do Mar Morto”. Por exemplo, em 2007, a Autoridade de Antiguidades de Israel emprestou 27 desses pergaminhos para o Museu de História Natural de San Diego, nos EUA.
Os Pergaminhos do Mar Morto estão entre os documentos mais antigos e os artefatos mais importantes da História. Há trechos da Bíblia escritos originalmente há 2.300 anos, incluindo a primeira versão conhecida dos Dez Mandamentos. Em 1947, um pastor beduíno entrou por acaso em uma das cavernas na região do Mar Morto e encontrou os primeiros pergaminhos. Ao longo da década seguinte, outros pergaminhos foram descobertos em cavernas da região. No total, os arqueólogos descobriram mais de 100.000 fragmentos de pergaminhos, que foram reunidos em mais de 900 textos. São as cópias mais antigas de grande parte da Bíblia. Antes de serem encontradas, as cópias mais antigas datavam de cerca de 1000 d.C.
Em primeiro lugar, por que um museu emprestaria uma preciosidade dessas? Porque faz parte da missão de um museu divulgar e expandir conhecimento.
Então, o que fazer se eles forem emprestados a um museu? Como assegurar algo tão inestimável e insubstituível? A resposta é: o investimento maior não é em seguro, mas em prevenção. Como não é possível estabelecer um valor monetário para substituir os pergaminhos do Mar Morto ou mesmo a Mona Lisa, várias precauções são tomadas.
O museu de San Diego teve que provar que possui o que há de mais moderno em controle climático, sistemas de câmeras e segurança interna. Mesmo assim, precisou investir US$ 1 milhão para modernizar seu sistema de controle de temperatura e umidade para os pergaminhos. No total, o museu gastou cerca de US$ 6 milhões para sediar a exposição e precisou contratar cerca de 90 funcionários temporários extras.
O grande desafio com os pergaminhos era a sua fragilidade. Em caso de incêndio, por exemplo, eles não poderiam ser movidos. Você imagina transportar uma frágil folha de papel higiênico no meio de um incêndio?
Os pergaminhos foram enviados em contêineres à prova de fogo, e o museu precisou desenvolver um plano especial para que, em caso de alarme de incêndio, a equipe de segurança priorizasse os pergaminhos, cobrindo-os com mantas especiais à prova de fogo para protegê-los das chamas e dos danos causados pela água do sistema de sprinklers.

Os pergaminhos chegaram ao museu por meio de um serviço de entrega expressa, e as datas de envio e chegada foram mantidas em segredo, inclusive para o museu de San Diego. O museu precisava apenas estar preparado para recebê-los quando chegassem, independentemente de quando isso acontecesse.
Após a instalação dos pergaminhos, cada um em exposição passou a ter sua própria câmera de vigilância. O monitoramento dessas câmeras era feito 24 horas por dia. Fora do horário de visitação, a sala com os pergaminhos era trancada e o acesso era rigorosamente controlado.
Depois de todos esses preparativos, 40.000 ingressos foram vendidos antes mesmo da inauguração. A exibição durou 6 meses e foi visitada por meio milhão de pessoas. Um sucesso.
Como os museus financiam seus custos?
Vale a pena investir 6 milhões de dólares para divulgar conhecimento para meio milhão de pessoas durante 6 meses?
Acho que a pergunta mais importante seria: como um museu consegue tal quantia? A resposta está na gestão pública. Os governos dos países mais avançados possuem sistemas transparentes para deduções no imposto de renda quando o contribuinte faz doações de caráter artístico e cultural. Assim, o contribuinte pode deduzir da base de cálculo do imposto doações para instituições culturais, filantrópicas ou de pesquisa reconhecidas pelo governo. Nos EUA, o setor de artes e cultura recebeu cerca de 19.5 bilhões de dólares em contribuições em 2023. Enfim, todos ganham quando não há corrupção.
Há países onde leis de incentivo cultural funcionam mal para quem paga imposto e apenas funcionam bem para tentar divulgar a imagem de quem governa. Além disso, nos últimos 10 anos ao menos 8 grandes incêndios no Brasil destruíram acervos com grande valor cultural, científico e histórico. Por exemplo, o Museu Nacional no Rio é a mais antiga instituição científica do país e tinha um dos maiores acervos de antropologia e história natural da América do Sul. Tudo virou cinzas. Mas há países onde a transparência da gestão pública funciona bem para todos.

Ou seja, sistemas falhos de gestão pública geram orçamentos raquíticos para nossos museus e instituições culturais, até dificultando o acesso de crianças e jovens brasileiros a várias oportunidades de contato com um maior e melhor conhecimento universal.