No Planeta das Cidades

Jonas Rabinovitch

Jonas Rabinovitch

Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).

Vozes

Mansões de Nova York:  as Arquiteturas do Poder 

25/07/2025 11:14
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Sala de jantar, Mansão Vanderbilt | Fonte: Past Lane Travel

Não é por acaso que os edifícios medievais mais conhecidos são os castelos e catedrais góticas, como Notre Dame em Paris. O palácio real em Versalhes, construído há mais de 300 anos em estilo barroco francês, expressa até hoje o poder absoluto de Luís XIV. A partir do século XX, as sedes de poderosas instituições financeiras e grandes museus ajudam a definir a arquitetura contemporânea.  Enfim, o poder e a riqueza se refletem na arquitetura de cada época.   

Cidades, Densidades e Valores Imobiliários 

Hoje, o valor imobiliário mais caro do mundo está em Mônaco, com um preço médio de US$ 38.800 por metro quadrado, cerca de R$ 217.000. É seguido por Nova York, Hong Kong e Londres.  Só para comparar: o Leblon, no Rio de Janeiro, é o bairro com o metro quadrado mais caro do Brasil, com preço médio de R$ 24.000 em 2024. Curiosamente, Mônaco é o país mais densamente povoado do mundo, com cerca de 26 mil pessoas por quilômetro quadrado (km²). Manila, capital das Filipinas, tem uma densidade de 43 mil por km². Em média, a densidade das favelas cariocas pode chegar a 37 mil por km², enquanto Copacabana tem cerca de 50 mil pessoas por quilômetro quadrado.  Manhattan tem 72 mil por km², uma das mais altas densidades urbanas no mundo.  Ou seja, a concentração de pessoas por si não define a importância de um endereço e não é necessariamente ruim se há infraestrutura, serviços e boa administração pública. 
Mônaco, vista panorâmica | Fonte: Instantane Monaco
Mônaco, vista panorâmica | Fonte: Instantane Monaco

A mansão do presidente

Mas houve uma época na qual o endereço mais poderoso do mundo ficava em uma pequena estradinha rural cerca de 100 quilômetros ao norte de Manhattan, no Estado de Nova York.  Hoje a estradinha se chama Rota 9. Em Manhattan, parte dessa estrada é a famosa Broadway. É a mais longa estrada cruzando o Estado de Nova York no sentido Norte-Sul.  Durante algumas décadas no século XX era ali que viviam o político mais poderoso do planeta e um dos homens mais ricos do mundo, em uma cidadezinha chamada Hyde Park, que hoje tem 20.000 habitantes e 500 habitantes por quilômetro quadrado.  
O político se chamava Franklin Delano Roosevelt, conhecido como FDR.  Foi o único político eleito quatro vezes como presidente dos EUA.  Em 1951, por causa dele, foi feita a 22ª emenda constitucional americana proibindo um presidente de servir por mais de dois mandatos consecutivos.  O pai de Franklin Delano Roosevelt (FDR) comprou a propriedade, chamada de Springwood, ao lado do rio Hudson em 1867.  FDR nasceu e cresceu ali.  
Springwood, mansão da família Roosevelt | Fonte: NPS
Springwood, mansão da família Roosevelt | Fonte: NPS
Quando presidente, FDR se refugiava ali para refletir e tomar decisões importantes, inclusive durante a Segunda Guerra Mundial.  Ele recebeu em várias ocasiões Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, o Rei George VI e a Rainha Elizabeth da Inglaterra, e as famílias reais da Holanda e Noruega.  Springwood serviu como uma "pequena Casa Branca" onde FDR podia conduzir o trabalho presidencial e receber convidados importantes em um ambiente mais informal.  As reuniões em Springwood foram cruciais para discussões sobre estratégias de guerra e planos pós-guerra durante a década de 40.  Quando fui conhecer a propriedade, um guia turístico nos informou que a decisão de usar a bomba atômica teria sido tomada ali, no pequeno escritório de FDR.  Quando reformou a casa, já presidente dos EUA, FDR adicionou cópias das colunas da Casa Branca na fachada.  

Moradia e Ostentação

O vizinho Frederick William Vanderbilt, um dos homens mais ricos do mundo, comprou sua propriedade em 1895.  Ele era filho de William Henry Vanderbilt, o filho mais velho e herdeiro de Cornelius Vanderbilt, o homem mais rico do planeta no final do século XIX.   Assim como os Rockefeller, Astors, e Carnegies, os Vanderbilt eram protagonistas da chamada “Era Dourada”, aproximadamente de 1870 até o início da década de 1900.  Essa era ficou conhecida nos EUA pela rápida industrialização, construção de ferrovias, desigualdade de riqueza e corrupção política generalizada.  Houve a ascensão de poderosos industrialistas, avanços tecnológicos sem precedentes e a formação de grandes fortunas materializadas em palácios de verão ao redor de Nova York.  
Mansão Vanderbilt em Hyde Park, Nova York  | Fonte: Destination Dutchess
Mansão Vanderbilt em Hyde Park, Nova York  | Fonte: Destination Dutchess
Enquanto Walter Gropius e Le Corbusier prezavam a arquitetura por sua funcionalidade e outros como Frank Lloyd Wright defenderam a beleza e harmonização do projeto com o seu entorno, Frederick Vanderbilt construiu sua mansão com um único objetivo: ostentar sua riqueza.  
Vanderbilt contratou o renomado escritório de arquitetura McKim, Mead & White. A mansão, em estilo Beaux-Arts, foi concluída em 1898 com 54 cômodos. O exterior é revestido em calcário da Indiana, dando uma aparência clássica e elegante. A arquitetura Beaux-Arts é grandiosa e decorativa, tendo se originado na França do século XIX, tornando-se popular na Europa e nos Estados Unidos.  Caracteriza-se pela ênfase na simetria, nos detalhes clássicos (como colunas, frontões e arcos) e na ornamentação detalhada e suntuosa. Pense nela como uma mistura de elementos clássicos gregos e romanos com influências do Renascimento francês e do Barroco. A Ópera de Paris e sua cópia menor, o Teatro Municipal do Rio, foram construídos no mesmo estilo.  Uma dica: se você não souber o estilo exato de um prédio, diga que é “eclético” e nunca vai passar vexame.
Quarto da Sra. Louise Vanderbilt  | Fonte: Yelp Photos
Quarto da Sra. Louise Vanderbilt  | Fonte: Yelp Photos
O design de interiores foi executado pela firma Stanford White, incorporando uma vasta coleção de arte, antiguidades, tapetes e materiais importados da Europa. O quarto da esposa de Frederick Vanderbilt é uma pequena réplica do quarto do rei Luiz XIV em Versalhes. A mansão possui um imponente hall de entrada, uma sala de jantar para 18 pessoas com teto veneziano e tinha comodidades modernas para a época como encanamento, aquecimento central e iluminação elétrica, alimentada por uma usina hidrelétrica na propriedade. Apesar de vizinhos, a casa dos Vanderbilt e a casa dos Roosevelt ficam a 5 quilômetros de distância devido ao imenso tamanho das propriedades. 
Escritório de Frederick Vanderbilt | Fonte: autor
Escritório de Frederick Vanderbilt | Fonte: autor

A Mansão Vanderbilt Vira Museu e Área de Preservação 

Ao fazer seu testamento, Frederick Vanderbilt não deixou um centavo para seus irmãos, sabendo que gastariam tudo rapidamente. Deixou a mansão para a sobrinha de sua esposa, Margaret Van Alen.  Percebendo que nunca poderia arcar com os enormes custos de manutenção, ela decidiu se desfazer da propriedade.  Mas, apesar de baixar o preço várias vezes ao longo dos anos, ela não conseguiu vender uma propriedade tão cara durante a crise econômica pós 1929.  
O presidente Franklin D. Roosevelt interessou-se pela preservação da propriedade e suas árvores.  Ele propôs então que Margaret Van Allen doasse a propriedade para o Serviço Nacional de Parques (National Park Service dos EUA). Ela perguntou: “O que eu ganho com isso?” De acordo com o guia turístico da mansão Vanderbilt, ela teria obtido isenção de impostos, tendo doado a mansão e boa parte do terreno para o governo pela quantia de um dólar em 1939. Minha tese se confirma: boa parte dos bens privados acabam se tornando públicos com o passar do tempo.   

O legado de FDR

Apesar de ser vizinho de uma das famílias mais ricas dos EUA, FDR conseguiu entrar para a História por ter superado a crise de 1929 e regulado o mercado financeiro através do “New Deal” (Novo Acordo). Após a quebra da bolsa de valores de 1929 e a Grande Depressão, o New Deal resolveu vários desafios, incluindo a restauração da confiança pública no sistema financeiro e a contenção do capitalismo selvagem e risco excessivo em Wall Street. FDR criticou publicamente as práticas de Wall Street, atribuindo alguns dos problemas econômicos à "ganância" e ações "inescrupulosas".  
Enfim, FDR enfatizou a necessidade de uma economia mais forte e equitativa, onde a iniciativa privada e o governo pudessem trabalhar juntos.  Como eu sempre digo: não é uma questão de direita X esquerda ou “nós” contra “eles”. FDR posicionou essas regulamentações não como ataques às empresas, mas como medidas para proteger o "bom senso de todo empresário independente" e resguardar o público de práticas que poderiam desestabilizar a economia.  
Presidente Franklyn Delano Roosevelt em 1944. | Fonte: The Nation
Presidente Franklyn Delano Roosevelt em 1944. | Fonte: The Nation
FDR contraiu pólio em 1921 aos 39 anos.  Ele sempre evitou demonstrar que estava paralisado da cintura para baixo. Após servir como Presidente por três mandatos seguidos, de 1932 a 1944, FDR faleceu em abril de 1945, apenas três meses após assumir seu quarto mandato, pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial.  Seu neto, Curtis Roosevelt, sugeriu que a Segunda Guerra Mundial teria matado seu avô devido ao estresse. FDR faleceu em consequência de uma hemorragia cerebral e foi sepultado na propriedade onde nasceu: Springwood, em Hyde Park, Nova York.