No Planeta das Cidades

Jonas Rabinovitch
Na coluna 'No Planeta das Cidades', Jonas Rabinovitch reflete sobre o que aprendeu convivendo com o pior e o melhor da arquitetura, do urbanismo e das artes pelo mundo afora. Arquiteto urbanista, trabalhou por 30 anos em Nova York como Conselheiro Sênior da ONU para inovação e gestão pública e foi convidado para atuar em mais de 80 países. Antes disso, foi assessor de Jaime Lerner no planejamento de Curitiba (PR).
Vozes
Mansões de Nova York: as Arquiteturas do Poder

Sala de jantar, Mansão Vanderbilt | Fonte: Past Lane Travel
Não é por acaso que os edifícios medievais mais conhecidos são os castelos e catedrais góticas, como Notre Dame em Paris. O palácio real em Versalhes, construído há mais de 300 anos em estilo barroco francês, expressa até hoje o poder absoluto de Luís XIV. A partir do século XX, as sedes de poderosas instituições financeiras e grandes museus ajudam a definir a arquitetura contemporânea. Enfim, o poder e a riqueza se refletem na arquitetura de cada época.
Cidades, Densidades e Valores Imobiliários
Hoje, o valor imobiliário mais caro do mundo está em Mônaco, com um preço médio de US$ 38.800 por metro quadrado, cerca de R$ 217.000. É seguido por Nova York, Hong Kong e Londres. Só para comparar: o Leblon, no Rio de Janeiro, é o bairro com o metro quadrado mais caro do Brasil, com preço médio de R$ 24.000 em 2024. Curiosamente, Mônaco é o país mais densamente povoado do mundo, com cerca de 26 mil pessoas por quilômetro quadrado (km²). Manila, capital das Filipinas, tem uma densidade de 43 mil por km². Em média, a densidade das favelas cariocas pode chegar a 37 mil por km², enquanto Copacabana tem cerca de 50 mil pessoas por quilômetro quadrado. Manhattan tem 72 mil por km², uma das mais altas densidades urbanas no mundo. Ou seja, a concentração de pessoas por si não define a importância de um endereço e não é necessariamente ruim se há infraestrutura, serviços e boa administração pública.

A mansão do presidente
Mas houve uma época na qual o endereço mais poderoso do mundo ficava em uma pequena estradinha rural cerca de 100 quilômetros ao norte de Manhattan, no Estado de Nova York. Hoje a estradinha se chama Rota 9. Em Manhattan, parte dessa estrada é a famosa Broadway. É a mais longa estrada cruzando o Estado de Nova York no sentido Norte-Sul. Durante algumas décadas no século XX era ali que viviam o político mais poderoso do planeta e um dos homens mais ricos do mundo, em uma cidadezinha chamada Hyde Park, que hoje tem 20.000 habitantes e 500 habitantes por quilômetro quadrado.
O político se chamava Franklin Delano Roosevelt, conhecido como FDR. Foi o único político eleito quatro vezes como presidente dos EUA. Em 1951, por causa dele, foi feita a 22ª emenda constitucional americana proibindo um presidente de servir por mais de dois mandatos consecutivos. O pai de Franklin Delano Roosevelt (FDR) comprou a propriedade, chamada de Springwood, ao lado do rio Hudson em 1867. FDR nasceu e cresceu ali.

Quando presidente, FDR se refugiava ali para refletir e tomar decisões importantes, inclusive durante a Segunda Guerra Mundial. Ele recebeu em várias ocasiões Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, o Rei George VI e a Rainha Elizabeth da Inglaterra, e as famílias reais da Holanda e Noruega. Springwood serviu como uma "pequena Casa Branca" onde FDR podia conduzir o trabalho presidencial e receber convidados importantes em um ambiente mais informal. As reuniões em Springwood foram cruciais para discussões sobre estratégias de guerra e planos pós-guerra durante a década de 40. Quando fui conhecer a propriedade, um guia turístico nos informou que a decisão de usar a bomba atômica teria sido tomada ali, no pequeno escritório de FDR. Quando reformou a casa, já presidente dos EUA, FDR adicionou cópias das colunas da Casa Branca na fachada.
Moradia e Ostentação
O vizinho Frederick William Vanderbilt, um dos homens mais ricos do mundo, comprou sua propriedade em 1895. Ele era filho de William Henry Vanderbilt, o filho mais velho e herdeiro de Cornelius Vanderbilt, o homem mais rico do planeta no final do século XIX. Assim como os Rockefeller, Astors, e Carnegies, os Vanderbilt eram protagonistas da chamada “Era Dourada”, aproximadamente de 1870 até o início da década de 1900. Essa era ficou conhecida nos EUA pela rápida industrialização, construção de ferrovias, desigualdade de riqueza e corrupção política generalizada. Houve a ascensão de poderosos industrialistas, avanços tecnológicos sem precedentes e a formação de grandes fortunas materializadas em palácios de verão ao redor de Nova York.

Enquanto Walter Gropius e Le Corbusier prezavam a arquitetura por sua funcionalidade e outros como Frank Lloyd Wright defenderam a beleza e harmonização do projeto com o seu entorno, Frederick Vanderbilt construiu sua mansão com um único objetivo: ostentar sua riqueza.
Vanderbilt contratou o renomado escritório de arquitetura McKim, Mead & White. A mansão, em estilo Beaux-Arts, foi concluída em 1898 com 54 cômodos. O exterior é revestido em calcário da Indiana, dando uma aparência clássica e elegante. A arquitetura Beaux-Arts é grandiosa e decorativa, tendo se originado na França do século XIX, tornando-se popular na Europa e nos Estados Unidos. Caracteriza-se pela ênfase na simetria, nos detalhes clássicos (como colunas, frontões e arcos) e na ornamentação detalhada e suntuosa. Pense nela como uma mistura de elementos clássicos gregos e romanos com influências do Renascimento francês e do Barroco. A Ópera de Paris e sua cópia menor, o Teatro Municipal do Rio, foram construídos no mesmo estilo. Uma dica: se você não souber o estilo exato de um prédio, diga que é “eclético” e nunca vai passar vexame.

O design de interiores foi executado pela firma Stanford White, incorporando uma vasta coleção de arte, antiguidades, tapetes e materiais importados da Europa. O quarto da esposa de Frederick Vanderbilt é uma pequena réplica do quarto do rei Luiz XIV em Versalhes. A mansão possui um imponente hall de entrada, uma sala de jantar para 18 pessoas com teto veneziano e tinha comodidades modernas para a época como encanamento, aquecimento central e iluminação elétrica, alimentada por uma usina hidrelétrica na propriedade. Apesar de vizinhos, a casa dos Vanderbilt e a casa dos Roosevelt ficam a 5 quilômetros de distância devido ao imenso tamanho das propriedades.

A Mansão Vanderbilt Vira Museu e Área de Preservação
Ao fazer seu testamento, Frederick Vanderbilt não deixou um centavo para seus irmãos, sabendo que gastariam tudo rapidamente. Deixou a mansão para a sobrinha de sua esposa, Margaret Van Alen. Percebendo que nunca poderia arcar com os enormes custos de manutenção, ela decidiu se desfazer da propriedade. Mas, apesar de baixar o preço várias vezes ao longo dos anos, ela não conseguiu vender uma propriedade tão cara durante a crise econômica pós 1929.
O presidente Franklin D. Roosevelt interessou-se pela preservação da propriedade e suas árvores. Ele propôs então que Margaret Van Allen doasse a propriedade para o Serviço Nacional de Parques (National Park Service dos EUA). Ela perguntou: “O que eu ganho com isso?” De acordo com o guia turístico da mansão Vanderbilt, ela teria obtido isenção de impostos, tendo doado a mansão e boa parte do terreno para o governo pela quantia de um dólar em 1939. Minha tese se confirma: boa parte dos bens privados acabam se tornando públicos com o passar do tempo.
O legado de FDR
Apesar de ser vizinho de uma das famílias mais ricas dos EUA, FDR conseguiu entrar para a História por ter superado a crise de 1929 e regulado o mercado financeiro através do “New Deal” (Novo Acordo). Após a quebra da bolsa de valores de 1929 e a Grande Depressão, o New Deal resolveu vários desafios, incluindo a restauração da confiança pública no sistema financeiro e a contenção do capitalismo selvagem e risco excessivo em Wall Street. FDR criticou publicamente as práticas de Wall Street, atribuindo alguns dos problemas econômicos à "ganância" e ações "inescrupulosas".
Enfim, FDR enfatizou a necessidade de uma economia mais forte e equitativa, onde a iniciativa privada e o governo pudessem trabalhar juntos. Como eu sempre digo: não é uma questão de direita X esquerda ou “nós” contra “eles”. FDR posicionou essas regulamentações não como ataques às empresas, mas como medidas para proteger o "bom senso de todo empresário independente" e resguardar o público de práticas que poderiam desestabilizar a economia.

FDR contraiu pólio em 1921 aos 39 anos. Ele sempre evitou demonstrar que estava paralisado da cintura para baixo. Após servir como Presidente por três mandatos seguidos, de 1932 a 1944, FDR faleceu em abril de 1945, apenas três meses após assumir seu quarto mandato, pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial. Seu neto, Curtis Roosevelt, sugeriu que a Segunda Guerra Mundial teria matado seu avô devido ao estresse. FDR faleceu em consequência de uma hemorragia cerebral e foi sepultado na propriedade onde nasceu: Springwood, em Hyde Park, Nova York.