Opinião

Instituto Jaime Lerner

Lentes positivas para pensar a cidade como solução pelo olhar do Instituto Jaime Lerner.

Instituto Jaime Lerner

As 24h e a cidade

14/06/2024 18:40
Thumbnail

Ruas 24 Horas, como a de Curitiba, e outras iniciativas podem contribuir para solucionar desafios urbanos, como a subutilização de sistemas e espaços no período noturno | Arthur Cordeiro

No livro “Acupuntura Urbana”, há um capítulo chamado “Os coreanos em Nova York”, em uma referência e homenagem aos serviços prestados às cidades àqueles que mantêm iluminados, animados e mais seguros pedacinhos do tecido urbano ao longo das 24 horas do dia. O capítulo segue com outros exemplos mundo afora que ilustram uma dimensão cada vez mais em evidência do cotidiano, da economia, do planejamento e da gestão da cidade, que é a atenção ao período noturno.
Jaime sempre colocava que parte fundamental da equação de sustentabilidade de uma cidade está em diminuir o desperdício, e um grande foco de desperdício está na ociosidade de infraestruturas/territórios durante certos períodos, em especial à noite. Pensemos nas áreas centrais, que, de maneira geral, se esvaziam, deixando subutilizados sistemas como os de transporte coletivo e de espaços públicos. Assim, no intercâmbio entre as funções urbanas, quanto melhor a cidade funcionasse ao longo das 24 horas, menor a ociosidade, maior a sustentabilidade.
Esse raciocínio ecoa em um outro ponto por ele colocado: por vezes, a solução para um desafio da cidade se dá no tempo, e não no espaço – ou seja, não é necessário investir em novas infraestruturas, mas ocupá-las de formas diferentes em períodos diferentes. A proposta das “ruas portáteis” é ilustrativa. Fiel ao princípio de oferecer à população o “efeito demonstração” de uma ideia, tais “ruas” são formadas por peças especialmente projetadas de mobiliário urbano, inspiradas nos bouquinistes de Paris, mas portáteis, capazes de acomodar uma infinidade de pequenos serviços e comércios e que podem se instalar nos mais diferentes espaços da cidade no contraturno dos horários tradicionais do comércio de rua. É o efêmero se aliando ao permanente em busca de um organismo urbano mais saudável.
Um novo ícone arquitetônico pode também promover essa demonstração, como foi o caso da primeira “Rua 24 Horas” do Brasil, inaugurada pelo Jaime em 1991, “acupuntura urbana” que pretendia ser um ponto de referência no cotidiano de Curitiba em uma época que o comércio noturno era ainda muito incipiente.
Uma tendência que se iniciou nas cidades europeias, em especial na última década, e que vem se disseminando é a figura do “prefeito noturno” e similares, materializando o cuidado e a reflexão sobre essa janela temporal, que é preciosa para, entre outros, a manutenção de infraestruturas urbanas, para segmentos importantes do comércio e dos serviços, e que merecem um olhar criterioso.
As sombras da noite, nesse sentido, não são a ausência da luz, da energia, e sim, uma nova oportunidade para a expressão do potencial criativo das cidades.
*Ariadne dos Santos Daher é urbanista do Jaime Lerner Arquitetos Associados, doutora em Gestão Urbana pelo PPGTU-PUCPR, e professora na Universidade Tuiuti do Paraná.