Opinião

Instituto Jaime Lerner

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Lentes positivas para pensar a cidade como solução pelo olhar do Instituto Jaime Lerner.

Vozes

Basta de obras, queremos promessas!

04/10/2024 14:00
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O próximo domingo é de eleições para prefeito e vereadores. E o embalo do calendário político
nos fez lembrar de uma passagem do Jaime comentando, ao retornar de uma viagem ao Peru, de
uma frase que viu pichada em um muro, e que tinha guardado na memória. Em português seria
algo como basta de obras, queremos promessas!

Tal afirmação parece um contrassenso, particularmente em contextos em que há tanto por se
fazer quanto há promessas não cumpridas. Contudo, a interpretação que ele fez desse apelo foi
em um outro sentido.

Ao longo das últimas semanas, vimos candidatos se esforçando para capturar a predileção da
sociedade apresentando suas credenciais, realizações e compromissos de campanha. O eleitor
mais atento, já calejado por dissabores, avalia esses conteúdos com uma dose salutar de
ceticismo. Qual poderia, então, ter sido a mensagem da frase que o sensibilizou?
Nas ocasiões em que Jaime recebia prefeitos ou candidatos a tal, ele sempre lhes fazia duas
perguntas.


A primeira, qual o principal problema que identificava em sua cidade? Com frequência, as
frustrações se relacionavam aos déficits orçamentários, entraves burocráticos, pressões de
grupos de interesses, deficiências nos serviços de saúde, educação, segurança, transporte,
moradia, atenção à criança e ao idoso, precariedade das infraestruturas, e assim por diante. Em
geral, os interlocutores tinham bastante claras essas questões, sobre as quais podiam discorrer
com fluência.

Já a segunda não suscitava a mesma prontidão… A indagação era, qual é o sonho que você tem
para a sua cidade/estado, que não seja a resolução desse problema?
A dificuldade dos
interlocutores em oferecer uma resposta a essa provocação é justamente a tradução do basta de
obras, queremos promessas.

Não se trata, evidentemente, de desconsiderar as mazelas concretas e prementes que
atormentam o cidadão e marcam a pauta dos gestores públicos com demandas legítimas.
Contudo, prefeitos são também líderes, e um dos papéis da liderança é fazer avançar aspirações
mais elevadas; provocar, inspirar, cativar a imaginação, essa dimensão quase mágica onde a
criatividade pode aflorar e a inovação acontecer. No repertório do Jaime, isso se expressava na
construção de uma visão de futuro, um sonho compartilhado, capaz de transmutar em fato
desejos; de mobilizar não só o esforço desta geração, como o de gerações futuras, uma vez que
muitas das ações necessárias para efetivamente transformar projetos em políticas públicas
eficazes transcendem o calendário quadrienal. Essa é, inclusive, uma das camadas que compõe o
conceito da cidade integrativa que temos trabalhado. Na analogia feita com os processos
terapêuticos, uma abordagem integrativa é também transgeracional.

Anos atrás, tive o privilégio de acompanhar o Jaime, junto com outros colegas do escritório, em
uma viagem de trabalho a Perm, no coração da Sibéria. Na época da Guerra Fria, a cidade era um
centro de produção de aeronaves de combate e outros armamentos, e sua localização não
constava nem nos mapas oficiais. Dentre as muitas preciosas lembranças que ficaram dessa
experiência, foi especial a conversa que acompanhei entre o Jaime e o prefeito de lá, e a resposta
dada por ele à “pergunta do sonho”: Desejo uma cidade que os jovens não queiram deixar para ir
em busca de melhores oportunidades em Moscou; que vislumbrem e encontrem em Perm tudo o
que precisam para realizarem seus próprios sonhos.

Não é uma bela promessa?

Por Ariadne dos Santos Daher