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Pedro Franco

Pedro Franco

Na coluna 'Design Filosófico', o artista Pedro Franco se dedica a trazer suas reflexões, que mesclam estudos antropológicos e iconográficos, análises filosóficas, estudo de inclinações da sociedade, além — é claro — de aspectos estéticos e formais. Tudo baseado na premissa de que o bom design é feito para pessoas.

Design Filosofico

Salão de Milão, tendências e antropologia

19/05/2023 17:14
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O Salone del Mobile faz parte de minha vida há 23 anos. Por lá, aprendi a ser designer, tive meus grandes mestres. Sobretudo, aprendi que o design, lá, é uma religião. Pudera, a Itália se tornou uma das maiores potências econômicas do mundo a partir da produção industrial vinculada ao design. Hoje, o país exporta quase 70% do que produz.
Durante a Semana, os quatro continentes se fazem presentes como expositores ou visitantes.  Dessa forma, é possível entender um recorte da geoeconomia mundial. Do boom de brasileiros que chegaram a 11 mil visitantes durante o auge econômico no país, em 2011, à invasão indiana em 2023. Mais do que isso, é possível entender o cenário da produção mundial.
Nos anos 2000, por exemplo, quando ainda não havia a China como grande produtora mundial, italianos investiam como nunca em alta tecnologia, pois trazia alto retorno sobre o investimento, com vendas para todo o mundo por vários anos.
Já em meados de 2008, o surgimento de máquinas de recorte a laser trouxe o vazado, a luz e sombra como uma das principais tendências do iSaloni. Em 2009, com o surgimento da China como grande produtor mundial, o cenário “Made in Italy” começava a mudar e levou ao mercado à artesanalidade.
Naquele ano, por exemplo, surgia a linha Fergana, assinada por Patricia Urquiola para a indústria italiana Moroso, com bordados inspirados no Uzbequistão decorando os estofados. Ali se iniciava a valorização do termo glocalidade (global + local) como diferenciação produtiva.
Ano a ano, aprendi a fazer uma análise mais antropológica e holística do que são as tendências. A pergunta principal passou a ser “por que?” e não “o que?” é tendência.
Chegando, enfim, a 2023, o que observo por aqui obviamente traduzo em minhas coleções, afinal, parafraseando o pensador Victor Papanek, “o que realmente importa sobre o design é como ele se relaciona com as pessoas”. E, sendo assim, observação e entendimento são fundamentais.
A perfeita imperfeição ainda se faz bastante presente. Um design com viés oriental traz elementos naturais brancos e superfícies imperfeitas, desdobramentos das principais tendências vistas ano passado, quando empresas trendsetters, como Kartell, trouxeram papel arroz como base de estrutura de seu stand, por exemplo.
Poltrona Ancestralidade e seu criador, Pedro Franco.
Poltrona Ancestralidade e seu criador, Pedro Franco.
O aprimoramento desse viés traz uma inclinação voltada à essencialidade para 2023. A forma pura, recortes, o preto sobre branco e, sobretudo, a cor prata, o espelhado, predominante em mostras como Objets Nomades, da gigante mundial Louis Vuitton. Um convite claro à reflexão, inserido de forma quase literal. Também o resgate ao passado, aos tons terrosos orgânicos, à manufatura de outrora.
Os pontos acima destacados estavam presentes também em minha nova coleção. Como a cadeira Michael, na qual minha peça dialoga com a artesanalidade de Seu José, artesão em cobre que fez o assento.
O convite à reflexão, tão marcante na poltrona Ancestralidade, produzida em aço inox polido, e a conexão dos desenhos rupestres, presente no design da mesa Fóssil, feita em pedra brasileira que data de 600 milhões de anos, com forma que remete aos registros presentes na Serra da Capivara.
Bola de cristal? De forma alguma, apenas observação da sociedade e das pessoas. E que venha o Salone 2024!