Opinião

Pedro Franco

Pedro Franco

Na coluna 'Design Filosófico', o artista Pedro Franco se dedica a trazer suas reflexões, que mesclam estudos antropológicos e iconográficos, análises filosóficas, estudo de inclinações da sociedade, além — é claro — de aspectos estéticos e formais. Tudo baseado na premissa de que o bom design é feito para pessoas.

Design Filosofico

Menos é mais

15/07/2022 14:58
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Coleção Perfeita, Imperfeição, no estande da A Lot of Brasil, de Franco. | Divulgação

Acabo de retornar de mais uma participação no Salone del Mobile.Milano, no qual apresentei minha nova coleção chamada Perfeita, Imperfeição. A 10ª coleção que apresento por lá, com minha indústria, levando um mobiliário “Made in BraSil” (com S mesmo).
O motivo dessa coluna é compartilhar com vocês o pensamento que fundamenta uma coleção.
Sigo à risca a definição sobre o tema do pensador e designer Victor Papanek (1923- 1998), cujos livros estão sempre à minha cabeceira. Papanek dizia que “o que realmente importa no design é como ele se relaciona com as pessoas.”
Obviamente que tal pensamento pode ser expresso e praticado das mais diversas maneiras. Atualmente, procuro trabalhar essa perspectiva pelo viés sustentável. No entanto, considero a sustentabilidade não só como um valor imperativo ao bom design, mas aquele que utiliza matérias-primas renováveis.
A italiana Kartell apresentou sua coleção permeada por um estande todo branco, com a utilização de papel arroz.
A italiana Kartell apresentou sua coleção permeada por um estande todo branco, com a utilização de papel arroz.
A meu ver, a melhor forma de sustentabilidade (como já falei disso em colunas anteriores) é a produção e consumo de produtos que carreguem sentido, que emocionem e que conduzam os usuários à reflexão. Desta maneira, acredito, sim no design ativista, no design em prol de um mundo melhor. Para tanto, cada produto deve ser uma plataforma de valores. Sobretudo nos dias atuais, não basta mais bons produtos expostos sobre totens. O que é mais relevante é passar a mensagem, o famigerado storytelling que particularmente prefiro nominar como True telling.
Esse ano, minha proposta expositiva decorreu das reflexões que fiz durante as enormes crises que a sociedade atravessou. Refleti nos modos de superação de cicatrizes. Veio-me à mente a técnica oriental do Kintsugi, que conheci em passagem pela Coreia. O Kintsugi é uma técnica milenar que propõe reconstruir um objeto quebrado mantendo as marcas do que foi coberto e que não devem ser (e não serão) apagadas; as peças são reconstruídas em fio de ouro e uma nova peça se faz, guardando as marcas de sua história anterior. Assim pensei sobre nossa sociedade: como re-construir nossos futuros? Por certo com fios simbólicos de ouro.
A sociedade dividida, as mortes, as doenças, os desânimos e desesperanças compõem um todo dilacerado, tal qual as partes da cerâmica quebrada do Kintsugi. Como re-integrá-las? Onde encontrar fios de ouro? Torcemos por práticas de solidariedade, de justiça social, de mais igualdade, os possíveis fios de ouro.
Assim, apresentei uma coleção em predominância do branco. O branco da paz, o branco como convite à reflexão; o branco como um espaço para se redesenhar o futuro. Da coleção, apresentada em tons de branco (pela primeira vez, me apresentei sem as cores), vem o convite (utópico?) de que temos a oportunidade de (re)desenhar nosso futuro, como que sobre uma folha em branco. O branco da paz coletiva. De tal análise da sociedade, surgiu a coleção Perfeita, Imperfeição. E pelo que pude observar o mesmo raciocínio esteve presente na leitura de grandes marcas do setor, como Kartell e Arper.
O que realmente gostaria de realçar por meio dessa coluna é a grande tendência de um mundo mais generoso e complacente com a sociedade.