Projetação

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‘Conexão Design’ é uma coluna dedicada a pensar um futuro possível, o futuro circular. Neste espaço, os co-criadores do SOMA_studiomilano compartilham suas experiências, ideias e visões sobre design e economia circular, diretamente de Milão.

Conexão Design

6 estratégias de design circular para projetar móveis mais sustentáveis

23/01/2023 12:16
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As mudanças climáticas e as desigualdades socioeconômicas confirmam que nosso sistema econômico e nossa cultura do descarte não são sustentáveis para meio ambiente, para as pessoas e nem mesmo para negócios. Como podemos transformar isso em um novo sistema em que erradicamos o desperdício, regeneramos a natureza e mantemos recursos em uso?
A resposta está na economia circular! Com uma abordagem pragmática, esse sistema econômico leva em consideração os impactos ambientais, como mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, ao mesmo tempo em que atende às necessidades sociais e econômicas. No coração da economia circular está o design – uma ferramenta pronta para redesenhar processos, serviços e materiais.
Segundo pesquisas da Ellen MacArthur Foundation, as escolhas feitas durante a projetação são responsáveis por 80% do impacto de produtos, sistema e/ou serviços. É durante o processo de projetação que decidimos como algo é fabricado, usado e, eventualmente, descartado.
Neste artigo, compartilhamos 6 estratégias de design circular para designers de móveis que desejam trabalhar com a economia circular em mente. Essas estratégias são complementares e consideram não apenas as necessidades do usuário final, mas também o sistema dentro do qual o projeto existirá.

1. Projetar para ciclos fechados

Quando se fala em economia circular, “projetar para ciclos fechados” (do inglês: design to close the loops) é uma expressão recorrente. Para entender o que isso significa, precisamos considerar que nosso sistema econômico compreende dois ciclos: um técnico e outro biológico.
Quando pensamos em materiais, temos materiais biológicos e técnicos. Materiais biológicos podem retornar com segurança ao mundo natural, biodegradando-se com o tempo e, assim, devolvendo nutrientes aos ecossistemas. Biomateriais como micélio, algas e restos de alimentos orgânicos são ótimos exemplos de materiais biológicos. Já os materiais técnicos como metais, plásticos e produtos químicos sintéticos não podem retornar ao meio ambiente de maneira segura e limpa, porém podem ser reaproveitados.
Portanto, quando falamos em projetar para fechar ciclos, o objetivo é reintroduzir materiais e componentes de volta ao ciclo biológico ou técnico. É dessa forma que, numa economia circular, reduzimos consideravelmente o desperdício e a poluição. O princípio de projetar para fechar loops é a base para as 5 estratégias de design circular a seguir.

2. Transformar produtos em serviços

A transição da propriedade (produto) para o acesso (serviço) é crucial para a economia circular. Na maioria das vezes, a demanda dos clientes é apenas o acesso, ou seja, oportunidade de usar um produto por um curto período. Depois disso, eles podem devolver o produto para a empresa ou repassar para um novo usuário sem terem feito grandes investimentos.
Nos últimos anos, assistimos ao surgimento da economia compartilhada, na qual empresas não vendem produtos, mas oferecem, ao invés disso, aluguel, assinatura ou compartilhamento. Modelos de negócios como Uber, Airbnb, Netflix já fazem parte das nossas vidas e estão influenciando outros tipos de indústria, incluindo a moveleira.
A empresa holandesa de móveis Ahrend criou o “Furniture as a Service” (Móveis como um Serviço, em tradução livre) – um serviço de assinatura para empresas. A Ahrend continua sendo proprietária dos móveis, enquanto os clientes pagam apenas pelo período de uso das mesas, cadeiras, armários e sofás.
E sempre que uma peça de mobiliário não atende mais às necessidades do cliente, a Ahrend usa suas peças para criar novos produtos. A última etapa é a reciclagem das matérias-primas utilizadas.
Ao combinar o design modular com um serviço de aluguel, “Furniture as a Service” consegue prolongar o clico de vida dos seus produtos, reduzir o desperdício e diminuir a emissão de CO2 em até 40% ao ano.

3. Prolongar o ciclo de vida dos produtos

Móveis e seus componentes devem ser projetados para uma vida longínqua e, portanto, pensados para serem reutilizados e reparados. Como defende Tim Brown, presidente da empresa global de design IDEO, “precisamos fazer coisas para serem feitas de novo” ("we need to make things to be made again”).
Na nossa atual economia linear, muitas vezes vivenciamos a obsolescência planejada, na qual os consumidores são levados a investir em novos upgrades, algo recorrente quando se trata de computadores, celulares, máquinas de lavar etc. Mas aqui também te convidamos a refletir sobre móveis – pense em sofás, estantes, colchões e camas.
Um ótimo exemplo vem do Vita Group e da Veldeman Bedding, que juntos oferecem cama e colchão que tem um período de vida maior. As empresas usam apenas um número limitado de materiais recicláveis ou reutilizáveis e tudo é construído sem cola ou grampos, permitindo assim uma desmontagem das peças de maneira fácil e rápida. Como resultado, tanto a cama quanto o colchão podem ser consertados caso haja algum dano, o que aumenta consideravelmente o ciclo de vida de ambos.

4. Escolher materiais seguros & circulares

“Tudo ao nosso redor é feito de materiais, mas poucas pessoas pensam neles diariamente”, explica Liz Corbin, fundadora e diretora da Materiom, uma empresa multinacional especializada em materiais de engenharia de alto desempenho.
Placas acústicas da coleção Íris, por Furf Design Studio para Mush.
Placas acústicas da coleção Íris, por Furf Design Studio para Mush.
Escolher o material certo é fundamental para um mundo mais sustentável. Alguns materiais, como aditivos utilizados para melhorar o desempenho - flexibilidade ou durabilidade -, contêm produtos químicos prejudiciais aos seres humanos ou ao meio ambiente. É crucial pensar em materiais alternativos para conseguir eliminar essas toxinas. Designers, portanto, estão experimentando processos de manufatura com algas, proteínas, cogumelos (micélio), bactérias, restos de comida etc. Esses novos materiais estão surgindo como os principais impulsionadores da inovação em produtos e design de interiores, bem como na arquitetura.

5. Projetando com menos (Design with less)

Imagine se focarmos em oferecer produtos ou serviços com a menor quantidade possível de recursos? Além de transformar produtos em serviços (estratégia 3), podemos também projetar produtos com o mínimo de matéria física.
A.I Chair, por Philippe Starck para Kartell.
A.I Chair, por Philippe Starck para Kartell.
A iniciativa “Furniture as a Service”, da Ahrend, consegue fazer as duas coisas combinando design modular com aluguel de móveis. A AI Chair, da marca italiana Kartell, assinada pelo designer francês Philippe Starck, é outro bom exemplo. Esta cadeira é a primeira criada por A.I. em colaboração com seres humanos! A equipe usou um algoritmo para conceber uma cadeira com o mínimo de material possível.
Outro exemplo é a cadeira Tamu, projetada por Patrick Jouin e impressa em 3D. A peça, que é inspirada em formas orgânicas, é completamente dobrável, podendo ser embalada plana (flat pack), o que, por sua vez, requer menos embalagem, menos plástico e menos espaço e permite um transporte mais eficiente e econômico.

6. Design modular

Design modular significa dividir um sistema em partes menores chamadas módulos. Cada módulo pode ser criado de forma independente, modificado, substituído ou trocado por outros módulos dentro do mesmo ou de um sistema diferente.
Os móveis modulares apresentam duas grandes vantagens: a primeira, é a facilidade de se consertar, remanufaturar e/ou atualizar apenas uma parte de um produto, já que o mesmo é mais fácil de ser desmontado, o que reduz o custo e o esforço de troca de componentes quando eles não funcionam mais. E dentro de uma economia circular, esses componentes seriam reintroduzidos no circuito técnico (conforme explicado na estratégia 1, acima).
A segunda vantagem é que os sistemas de móveis modulares também são mais fáceis de personalizar e adaptar às crescentes necessidades dos usuários, evitando que os produtos tornem-se obsoletos rapidamente e garantindo que sejam mantidos em uso pelo maior tempo possível. O SofaForLife, por exemplo, pode ser montado e desmontado em 10 minutos usando-se apenas uma chave de fenda. Para expandir o sofá, transformar um sofá de 2 lugares em um de 3 lugares, os usuários precisam comprar apenas um módulo. Usuários também podem devolver todas as peças – capas de almofadas, pernas, apoios de braços, etc – em troca de peças novas. A empresa irá reciclar as peças/componentes antigos para reduzir o desperdício e garantir que todos os materiais sejam sustentáveis.
Todas essas estratégias nos mostram na prática como o desperdício e a poluição são realmente uma falha do design, uma invenção humana que não existe na natureza. E, além disso, mostram-nos que um futuro circular é muito mais palpável e realizável do que muitos acreditam.