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Cidades: nossa casa, nosso lar?
Parque Palafitas, projeto piloto para o atendimento de 60 famílias e infraestrutura urbana e social em Santos, São Paulo. | Imagem: Jaime Lerner Arquitetos Associados
No início deste novembro realizou-se em Barcelona o Smart City Expo World Congress, um dos maiores e mais influentes eventos mundiais em inovação urbana. A programação do evento foi organizada em sete linhas mestras, entre as quais “living and inclusion”, cujo foco principal era aprofundar o entendimento de fatores que contribuem para que uma cidade seja boa para se viver. Em destaque, a ainda necessária atenção às necessidades básicas da população, entre as quais o acesso à moradia e a provisão de infraestruturas ambientais, de educação e saúde de qualidade.
Participamos do painel “Covering the Needs to Make a City Home” com a proposta que a Jaime Lerner Arquitetos elaborou para o município de Santos para aquela que é a maior área de moradia em palafitas do Brasil, que ora avança em seu projeto piloto. O fio condutor da discussão faz um jogo de palavras a partir de uma expressão da língua inglesa, “to make a house a home” (fazer de uma casa um lar), para enfatizar na discussão que aspectos transcenderiam a provisão das infraestruturas urbanas (a casa) para fortalecer a dimensão do sentimento de pertencimento (o lar).
Não há dúvida que há muito a se avançar em fazer das nossas cidades endereços que traduzam a manifestação afetiva e simbólica do nosso lugar no mundo, nosso “porto seguro”, um espaço de aceitação e autenticidade que nos reflete também em sua forma, cores e gostos. Como transpor atributos que têm em sua essência fundamentos da vida privada a um viver coletivo é
discussão milenar na qual, em muitos momentos, ainda estamos tateando.
Contudo, o que o tema do painel em certa medida pode fazer supor é que as nossas cidades já são “casa”, ou seja, que a provisão das infraestruturas essenciais para uma vida digna já estaria equacionado. Tristemente, ainda não chegamos a isso. Trazendo o olhar mais próximo as nossas cidades, são severos os déficits que persistentemente acumulamos no acesso à moradia e ao saneamento, por exemplo.
Há aqui, entretanto, uma “armadilha” para o pensamento na suposição que “a casa precede o lar”, e que o trabalho de Santos nos ajudou a melhor compreender. Aproximando ainda mais o olhar às pessoas que residem nas palafitas, o que se mostrou foi o forte sentido de propriedade em relação às moradias (independente de quão precárias nos pareçam) e de pertencimento a este local no mundo, com seus laços familiares, comunitários e profissionais – atributos, enfim, tanto da casa quanto do lar. Desconsiderar que ambas as dimensões coexistem a sua maneira nesses espaços fisicamente frágeis só aumenta a vulnerabilidade destas pessoas. Assim, dentre os desafios que a perspectiva das cidades integrativas procura abordar, talvez o de revisitar os paralelos da casa e do lar seja um dos mais desafiadores!
Por Ariadne dos Santos Daher
Instituto Jaime Lerner