Vivemos com a sensação de que o mundo está cada vez mais complexo, um sentimento ecoado por pensadores como o filósofo polonês Zygmunt Bauman que, em Liquid Modernity (2000), descreveu a modernidade como uma era de "fluxos constantes e incertezas", onde as interconexões globais amplificam a percepção de caos. E, como amplamente estudado pelas neurociências, caos, incerteza, ambiguidade, imprevisibilidade são altamente estressantes para o nosso cérebro; fortes indutores de ansiedade e angústia para os nossos corações humanos que, em geral, preferem navegar a vida com alguma previsibilidade.
Assim posto e ainda que à revelia dos nossos sentimentos, contudo, o que talvez nos reste como alternativa seja seguir a antiga máxima do “se não pode vencê-lo, junte-se a ele…” e tentar abraçar o “complexo”. Muitas ciências já o têm feito.
A partir da segunda metade do século XX um novo campo interdisciplinar começou a tomar forma, recebendo o nome de teoria da complexidade, em resposta à constatação de que muitos sistemas — sociais, urbanos, ecológicos, econômicos — não podiam mais ser explicados por modelos lineares ou
deterministas.
Seus fundamentos emergiram simultaneamente em diversas áreas e ganharam impulso com a consolidação do pensamento sistêmico e dinâmico calcado em ideias de auto-organização e de sistemas adaptativos que se desenvolveram a partir dos anos 1960 em proposições como as de John Holland e Ilya Prigogine. Somam-se também trabalhos pioneiros em sistemas complexos e caos, que ganharam tração com o avanço da computação e da ciência teórica. A publicação de Chaos: Making a New Science (James Gleick, 1987) foi instrumental em popularizar os conceitos de não linearidade e imprevisibilidade que sustentam a teoria.
Para os mais distantes da academia, um ponto de contato com esse campo pode ter se dado pelo filme Efeito Borboleta, de 2004, em que o personagem protagonizado por Ashton Kutcher, ao regredir ao passado para tentar superar traumas de infância, acaba por criar, a cada tentativa, novos e imprevisíveis problemas em seu futuro. O termo “efeito borboleta”, nesse contexto, foi uma metáfora criada pelometeorologista e matemático norte americano Edward Lorenz que, em seus estudos que ajudaram a
fundamentar a teoria do caos, proferiu uma palestra em 1972 com o título "Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil Set Off a Tornado in Texas?".
fundamentar a teoria do caos, proferiu uma palestra em 1972 com o título "Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil Set Off a Tornado in Texas?".
Desde os passos iniciais no século XX até hoje, diversos pensadores acrescentaram suas reflexões. No campo da filosofia e ciências sociais, com grandes interfaces com o urbano, destaca-se o trabalho do filósofo francês Edgard Morin. São também relevantes as contribuições do físico austríaco Friof Capra e do sociólogo espanhol Manuel Castells. Todos ressaltam a necessária mudança para um novo paradigma de pensamento (eco)sistêmico, interligado, plural. Mais contemporâneamente, e numa vertente mais computacional, uma das referências é o urbanista britânico Michael Batty, que lidera o Centre for Advanced Spatial Analysis (CASA) na University College London, que investiga as cidades como sistemas complexos adaptativos por meio de ferramentas computacionais como modelos baseados em agentes e análises espaciais em tempo real.
Esse breve panorama tenta ilustrar a riqueza de um campo de estudo fascinante e desafiador. Mas, para deixar a “isca” para a nossa próxima conversa, Lerner colocava que “as cidades não são tão complexas quanto os “vendedores de complexidade” querem nos fazer crer”. Ou, nas palavras do historiador Yuval Noah Harari em Sapiens (2014), “cada era tem seu próprio conjunto peculiar de problemas e oportunidades, muitas vezes invisíveis aos contemporâneos, mas claros em retrospectiva”, sugerindo que
a sensação de um mundo mais complexo pode ser uma percepção distorcida por estarmos imersos em
nosso tempo. Fica o convite!
a sensação de um mundo mais complexo pode ser uma percepção distorcida por estarmos imersos em
nosso tempo. Fica o convite!
Por Ariadne dos Santos Daher