Curitiba, 1970. A cidade que você conhece hoje, em 2020, ainda não existe: o calçadão da Rua XV não é um calçadão; os parques São Lourenço e Barigui são áreas verdes às quais as pessoas não têm acesso e as canaletas de ônibus são grandes avenidas para carros. Mas em menos de cinco anos um grupo de jovens arquitetos vai dar forma a cada um desses elementos, transformando a capital paranaense em uma inspiração para o Brasil e o mundo. Essa mudança repentina, que fez da cidade um exemplo de planejamento nas décadas de 1970, 1980 e 1990, é o pano de fundo do livro "Curitiba: Urbanismo Essencial", do arquiteto e urbanista Geraldo Pougy. A obra aguarda o êxito de um financiamento coletivo online para ser publicada e busca entender o modus operandi dos responsáveis pela transformação.
O GRUPO DE CURITIBA
No livro de 190 páginas, o autor se refere a esses jovens arquitetos como o Grupo de Curitiba. “Começou pequenininho, lá em 1965, e foi crescendo. Chegou a ter 600, 800 pessoas no seu auge, na década de 1990”, conta Pougy. Nessa época, até o carioca integrou o movimento e, desde 1988, adotou Curitiba como lar.
Mas, afinal, quem eram essas pessoas? Difícil listar todas. Pougy sugere que tudo começou com a amizade acadêmica dos recém-formados Jaime Lerner, o líder inspirador do grupo que se tornaria três vezes prefeito de Curitiba e duas governador do; Abrão Assad, Nicolau Klüppel, Carlos Ceneviva, Lubomir Ficinski, entre tantos outros. Os amigos queriam remodelar Curitiba para atender a população da melhor forma possível. Era o oposto do que estava prestes a acontecer: a cidade seria reestruturada para carros, com viadutos e largas avenidas, aos moldes de São Paulo e Rio de Janeiro. “Teria sido um desastre”, comenta Pougy, no livro.
Parecia utópico que um bando de jovens conseguisse convencer o então prefeito, Ivo Arzua, a criar um Plano Diretor, até então inexistente. Deu certo. Tão certo que, a partir disso, Arzua criou o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, o Ippuc, e contratou os urbanistas.
O Ippuc se tornou um laboratório criativo para eles, que construíram uma Curitiba para o povo, com parques, praças e uma rua inteira fechada para pedestres. “Fomos muito unidos, nunca tivemos receio de inovar”, conta Jaime Lerner em entrevista exclusiva à Pinó. Prova disso foi a implantação das canaletas nos principais eixos da cidade – feito que, mais tarde, seria batizado por Lerner de Bus Rapid Transit (BRT) e reproduzido em mais de 170 cidades no mundo, do Rio de Janeiro a Pequim.
As mudanças rápidas chamaram atenção do governo militar em Brasília, que em 1975 encomendou um estudo para entender o êxito de Curitiba. Até mesmo pesquisadores estadunidenses investigaram a capital paranaense.
CURITIBA FICOU CARETA?
Quando compara a Curitiba dos anos 1970 a atual, Pougy elenca uma série de problemas: de habitação, desemprego, mobilidade. Mesmo considerando o fato de que a cidade hoje tem quase dois milhões de habitantes frente aos 600 mil da época, o pesquisador diz que a gestão pública perdeu a criatividade. “Sim, a cidade está mais complexa. Mas está mostrando que perdeu a capacidade de criar, como um dia fez tão bem. Agora, faz só o feijão com arroz, o que é insuficiente”, critica o urbanista.
Mas existem indícios de que uma força criativa ainda pulsa, mesmo que fraca, entre planejadores urbanos da capital paranaense. Pougy cita como exemplo a expansão de ciclovias feitas no mandato de Gustavo Fruet (2013-2016). (Leia Nota do Autor).
O movimento é mais intenso fora dos arredores da prefeitura e se potencializa em coletivos ativistas espalhados pela cidade, como a associação de ciclistas Cicloiguaçu; o Curitiba Lixo Zero e a Causa Mais Bonita da Cidade, em defesa do Bosque do Bom Retiro. São neles que o urbanista deposita esperança em uma Curitiba melhor e mais preparada para acolher seus habitantes. Mas essa história fica para um outro livro.