O que Viena tem que faz dela a melhor cidade do mundo por 10 anos consecutivos?
Praça Michaelerplatz, no centro de Viena, considerada a melhor cidade para viver em 2019. Foto: Bigstock
Viena pede licença. A cidade que por mais de 600 anos foi o QG da poderosa casa imperial dos Habsburgos – do século 13 ao 20 – foi laureada a melhor cidade do mundo para viver em 2019. Pela 10ª vez consecutiva, a capital austríaca ocupa o primeiro lugar do ranking global da Mercer sobre cidades com a melhor qualidade de vida.
A empresa, que é especializada em assessorar multinacionais na transferência de funcionários, avaliou mais de 450 cidades e levou em conta 39 fatores, como ambientes sociocultural, político e econômico, nível de acesso à saúde de qualidade, oportunidades educacionais e de lazer, cuidado com o meio ambiente, mercado imobiliário, entre outros. Os dados foram levantados entre setembro e novembro de 2018, e divulgados em março deste ano.
Pode parecer história da Carochinha quando mergulhamos no relatório. Mas a Mercer não está sozinha no diagnóstico. O último índice global sobre cidades da reverenciada revista britânica ‘The Economist’, publicado em 2018 por diversos analistas e estudiosos, também coloca Viena à frente de todas as outras cidades do mundo. O estudo comparou os dados da capital austríaca com números de mais 140 cidades em 30 fatores. Da pontuação possível de 0 a 100, Viena marcou 99,1. A segunda posição é de Melbourne, na Austrália, com 98,4.
“Eu esperava esse resultado. Viena foi escolhida muitas vezes como a cidade mais habitável do mundo”, comemora a embaixadora da Áustria no Brasil, Irene Giner-Reichl, que há 37 anos segue carreira diplomática. Ela atribui isso a uma combinação de fatores: Viena é grande o suficiente para ser interessante e não tão grande a ponto de ser opressiva (possui 1,8 milhão de habitantes); os monumentos históricos são bem preservados e a arquitetura moderna os complementa lindamente; a vida cultural é vibrante e acessível; oportunidades de lazer na natureza são abundantes; o transporte público é moderno e muito conveniente; a segurança pública é muito alta e todas as outras partes da Europa são fáceis de alcançar a partir de Viena, de trem, rodovia ou avião.
“Por causa de todos esses fatores, mesmo se você não ganhar muito dinheiro, você pode ter uma boa qualidade de vida em Viena“, resume a diplomata, que é mestre em Literatura Alemã e Francesa pela Universidade de Innsbruck e pela Universidade de Sorbonne, mestre em Educação Religiosa pela Universidade de Fordham e doutora em Direito pela Universidade de Innsbruck.
Como conquistar qualidade de vida?
A professora universitária Alice Leal, ítalo-brasileira que leciona no Departamento de Português do Centro de Estudos de Tradução da Universidade de Viena e que vive na cidade há 11 anos concorda com a diplomata. “A qualidade de vida é altíssima. Embora nem eu nem meu marido tenhamos família aqui, além dos nossos dois filhos, não conseguimos nos imaginar em outro lugar, justamente porque a vida nos países e cidades onde nossas famílias estão (Brasil e Reino Unido) é tão mais difícil”, sentencia.
Não à toa Viena acaba de ser coroada também a melhor smart city do mundo. Desta vez pela empresa alemã de consultoria estratégica Roland Berger, que cruzou dados de mais de 150 cidades no ‘Smart City Strategy Index’. “A capital austríaca lidera em razão de sua estratégia integrada e soluções inovadoras para mobilidade, meio ambiente, educação, saúde e administração, como também do sistema que monitora o progresso de todos os projetos individualmente”, explica Thilo Zelt, da empresa situada em Munique.
É importante explicar: Viena é como Brasília, que tem status de município e estado ao mesmo tempo, o que lhe proporciona bastante autonomia para implementar suas próprias políticas. A professora Alice lista alguns fundamentais: “Saúde e educação são públicas e de qualidade. O transporte é eficiente, limpo, pontual e barato. A carta anual para todos os tipos de transportes custa 1 euro por dia para toda a região de Viena. Segurança praticamente não é uma questão porque existe uma ampla rede de benefícios sociais que garante que não haja pessoas morando na rua, passando necessidade”, justifica.
Ela prossegue: “Se você fica desempregado, recebe seguro desemprego e pode fazer cursos financiados pelo governo até conseguir um novo emprego. Se não tem dinheiro para pagar aluguel, recebe um apartamento subsidiado pelo governo por um valor simbólico ao mês. Se tem filhos, recebe um auxílio financeiro, além de reduções nos impostos – independentemente da sua faixa salarial. O Estado estende a mão àqueles que precisam de ajuda e, assim, não vale a pena e não é necessário recorrer à criminalidade.” Esse sistema amplo e generoso de bem-estar social foi implantado pelo partido de centro-esquerda SPÖ, que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, historicamente governa a cidade em coalizão com o Partido Verde.
Natureza é progresso
Essa relação com a natureza também é importante. Se existem rios mais limpos, há também horizontes mais abertos, que propiciam momentos de relaxamento. Em Viena, especificamente, desde 1873 a água da cidade é suprida por 30 fontes naturais das montanhas.
Hoje, elas também ajudam a gerar energia elétrica, sem falar nas mais de 700 fontes de água espalhadas pela cidade, como ressalta a prefeitura. Esses mesmos espaços, alguns à beira dos rios com empreendimentos comerciais e praias artificiais, acabam se tornando parques urbanos disputadíssimos por turistas e habitantes locais.
Para todos, igualmente
Um dos aspectos urbanos que parecem ter salvado Viena do destino caótico compartilhado pelos municípios latino-americanos é a construção de edifícios residenciais por toda a cidade, para a população que não tem condições de bancar aluguel ou casa própria. Essa habitação de interesse social começou a ser implementada na década de 1920 para os trabalhadores imigrantes com piscinas, mercados e parquinhos, como informa a Prefeitura de Viena.
E vários deles são assinados por arquitetos que entraram para a história, como Karl Ehn, que projetou o famoso Karl-Marx-Hof no 19º distrito e o Sandleitenhof no 16º. Para se ter uma ideia, entre 1923 e 1934, foram construídos 61 mil apartamentos e 5 mil sobrados pensados por aproximadamente 400 escritórios de arquitetura, segundo dados da prefeitura. Todos focados em habitação de interesse social.
Esses prédios se misturam aos outros e estão por toda parte, não na periferia ou amontoados em áreas menos nobres. Isso faz com que não haja guetos ou espaços frequentados apenas por pessoas de determinadas classes, etnias ou religião. “A sensação que se tem é que a cidade toda pertence a todos, sempre”, frisa Alice.