Terraço Verde em Curitiba é vitrine de soluções tecnológicas e sustentáveis
João Paulo Mehl, acredita na mobilização da sociedade para melhorar a cidade. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Quando chove forte em Curitiba, o empreendedor de causas sociais e ambientais João Paulo Mehl, 38, tira um tempinho e sobe na laje do Edifício Itupava, no bairro Alto da Rua XV. Seu olhar não mira o céu, mas o piso. No concreto, a água se acumula, à espera do conjunto de ralos e calhas dar conta do escoamento até as galerias pluviais – tal e qual ocorre em milhares de prédios da cidade. Mas no espaço de 50 metros quadrados onde foi erguido um jardim agroecológico, a terra absorve a chuva, atrasando a descida para a rede subterrânea. É o Terraço Verde em ação, um projeto que pretende, entre outras coisas, ser uma solução para as enchentes urbanas.
Viver a cidade e buscar o melhor dela é o que move João Paulo. No momento, ele e uma rede de parceiros e colaboradores estão às voltas com o projeto Propulsão Local, uma maratona de desenvolvimento de soluções de comunicação e tecnologia para empreendedores locais. As inscrições podem ser feitas até 18 de outubro e a participação no evento será gratuita. Serão selecionados 50 negócios locais, voltados à sustentabilidade e à economia criativa, que em novembro passarão por oficinas com fotógrafos, designers, programadores, redatores e videomakers.
O objetivo do Propulsão Local é que cada um dos 50 selecionados saia do evento com um reposicionamento estratégico de marca e um novo site. Também está previsto o lançamento de dez lojas virtuais para negócios já consolidados, além de dez vídeos e dez podcasts sobre os percursos percorridos. O objetivo principal é desenvolver a economia de Curitiba e região metropolitana.
“Ao consumir de um negócio local, você gera até três vezes mais recursos de retorno do que consumir de uma grande corporação. Consumir um produto local é investir na cidade e em si próprio”, resume João Paulo. Além do impacto econômico, há outras vantagens, aponta. Para o desenvolvimento urbano da cidade tem um impacto incrível, e sobre o desenvolvimento sustentável ainda maior, porque essa escolha ajuda a reduzir a emissão de CO2 por conta do transporte que é evitado”, observa.
Cinco realizadores financiam o projeto, que ainda está em fase de captação de recursos – mas que já conta com a colaboração de muitos voluntários. Para João Paulo, a ousadia do evento virou um trunfo. “Quando se lança um sonho muito potente, afinal, parece inimaginável fazer 50 projetos desses num fim de semana, você atiça as pessoas. A gente conseguiu encantar muita gente, que quer estar dentro, fazer parte. Gente que depois vai dizer que virou anjo desse ou daquele negócio, porque viabilizou e apoiou essa empreitada”, comemora.
O formato de edital, com seleção e gratuidade para os interessados, se assemelha a uma política pública, mas não há órgão governamental envolvido. “É uma provocação mesmo. A gente está querendo apresentar que a demanda por isso é enorme e que esse tipo de solução vai ter resultado para o munícipio, vai girar muito a economia, com mais pagamento de impostos e movimentação nos diversos ecossistemas econômicos da cidade”, afirma o multiempreendedor.
Resiliência
Um dos apoiadores do Propulsão Local é o Locavorista, estabelecimento no centro de Curitiba voltado à produção local de alimentos, moda e arte. Como o próprio nome indica, o foco é o localismo – no caso, o Paraná. O espaço, descrito como um hub de experiências locais, com um bistrô, um empório e galeria, funciona todos os dias e conta com cerca de 100 fornecedores do estado. “Qualquer iniciativa que ajude o pequeno produtor a se destacar é positiva, pois ele geralmente vai encontrar problemas de gestão, de marketing e distribuição e além disso tem que atuar em um mercado muito competitivo, com grandes empresas com muitos recursos para investir”, diz um dos sócios do estabelecimento, Luiz Mileck.
Mileck também defende os negócios locais como motor de desenvolvimento de uma cidade. “O produto local tende a ser mais caro, porque é de maior qualidade e não tem escala. Em um cenário de crise, o produto local é mais impactado porque o consumo vai se basear muito no preço. Mas se olharmos no longo prazo, a opção de comprar no local é que justamente vai fortalecer a economia da cidade”, observa.
Segundo João Paulo, o movimento pelo consumo local está ganhando terreno no mundo todo. “Na Austrália há um movimento fortíssimo, assim como Portugal, e a Califórnia. Não quer dizer que a gente tem que se fechar em bolhas, mas entender que tem muita coisa que você consegue resolver localmente e está potencializando muito a economia, gerando menos impacto ambiental e investindo em si próprio”, afirma.
Campanha quer recursos para pesquisas sobre terraço verde
O Terraço Verde, uma das iniciativas do empreendedor João Paulo Mehl com uma rede de parceiros, funciona como um espaço de implementação, experimentação e multiplicação de tecnologias sustentáveis. Ali são expostos produtos que estão à venda, assim como consultoria especializada para residências e estabelecimentos comerciais. Mas uma articulação com pesquisadores acadêmicos pretende mostrar os benefícios de um telhado verde como política pública urbana na prevenção de enchentes e no conforto térmico de edificações. Para dar conta da pesquisa, os envolvidos estão lançando uma campanha de financiamento coletivo.
Os recursos captados serão usados para custear a pesquisa, que é feita em uma área específica no Terraço Verde, a qual conta com uma estrutura em madeira, mantas, substrato (terra), plantas, e sensores, que coletam dados de umidade e atraso de pico do escoamento da água. O experimento está sendo conduzido por Thamille Casagrande, 27, mestranda em Engenharia da Construção Civil na UFPR, em parceria com Daniel Carvalho Dias, 42, aluno do curso de Especialização em Internet das Coisas na UTFPR. O projeto conta ainda com equipamentos desenvolvidos pela Favo Tecnologia, startup curitibana especialista em soluções automatizadas para hortas urbanas.
Thamille está analisando quais as diferenças de impacto entre um telhado verde extensivo (com substrato de 10 centímetros) e um intensivo (30 cm) no controle de temperatura dos ambientes abaixo da laje (no último andar do edifício) e na retenção de águas pluviais. “O que a gente imagina, porque já há pesquisas lá fora, mas o tema ainda é inédito aqui, é que o telhado intensivo vai reter uma percentagem maior de água da chuva, em vez dela ir direto para o sistema de captação pluvial, além de contribuir para o controle de temperatura do ambiente abaixo disso. O clima das cidades interfere muito, então por isso é importante fazer isso localmente”, explica. Também será avaliado o desempenho da laje, sem jardim.
Ao falar do projeto, o multiempreendedor se anima. “Isso é uma solução para cidades, resolve um problema urbano concreto, que são enchentes. Quero ao final chegar e dizer isso, que se eu implantar x metros de telhado verde na cidade, vou reduzir a quantidade de água nas galerias pluviais em determinado volume. Nossa hipótese é que é uma solução muito mais econômica do que as grandes obras de infraestrutura de galerias, além de contribuir para a biodiversidade. Aqui tenho caixa de abelha e esse jardim agroecológico com 100 espécies de plantas, muitas delas melíferas”, diz.
Produtos
No Terraço Verde é possível conhecer outras tecnologias para soluções urbanas, como um sistema de captação de água de chuva, caixa agroflorestal, um sistema automatizado e remoto de irrigação e controle de temperatura, bioconstruções, painel solar, sistemas de compostagem e biodigestor. Tudo que está lá está a venda, em uma parceria com empresas locais e de outros estados.
O sistema de captação de água de chuva é ligado a uma caixa d’água usada na irrigação da horta suspensa – o que gera economia e beneficia ainda mais as plantas. Quando não chove, é puxada água da rede. As quantidades são calculadas com sensores ligados a um aplicativo: remotamente, de qualquer lugar do mundo, é possível controlar a rega. No sistema de compostagem exposto, é possível verificar que não há cheiro, mesmo com a alta produção: são processados cerca de 500 quilos de lixo orgânico por mês no local – resíduos dos bares vizinhos, situados no pavimento térreo do Edifício Itupava.
“Esse é outro problema sério das cidades. A gente age como se o lixo não existisse, mas a partir do momento que o coloca para fora ele vai percorrer 80 km para chegar a um aterro e ser misturado a vários tipos de resíduos. Sendo que você pode transformar o lixo orgânico em energia e ter muitos ganhos”, relata. O biodigestor, pequeno, produz fertilizante e gás metano para as plantas locais, mas em larga escala pode gerar energia para um estabelecimento. O painel solar gera energia que recarrega celulares dos colaboradores que atuam no Terraço.
Protagonismo
Um dos princípios de João Paulo é o protagonismo, o engajamento da sociedade para solucionar problemas urbanos. Foi com esse espírito que ele comandou uma pesquisa para avaliar o impacto dos bares da Itupava na vizinhança. Ele conta que há vizinhos muito satisfeitos, porque o movimento fortaleceu a segurança na região; por outro lado, alguns reclamam do barulho. “Por mais que não tenhamos relação direta com bares, estamos vivendo nesse ecossistema, então promovemos isso. A gente fez um esforço e conseguimos ter resultados bons”, conta.
Atendendo à demanda levantada na pesquisa, os estabelecimentos comerciais revitalizaram a pracinha no local e construíram um parque infantil. Também foi assinado um termo de compromisso, para delimitar o horário de funcionamento. “Mas a gente precisa da presença do Estado. Ninguém aqui tem condições de mandar gente embora da rua, que fica após o fechamento”, pondera. Para João Paulo, o nó dos problemas urbanos pode ser desatado com muito diálogo e pequenas ações concretas: “A gente precisa conversar com as pessoas, saber suas expectativas, saber como se cria uma cidade mais agradável para todos”.