Até o final dos anos 1990, Bogotá estava imersa em um transporte público caótico, com ônibus de todos os tipos misturados a táxis, kombis e vans. Foi quando o então (e atual) prefeito da capital colombiana, Enrique Peñalosa, realizou uma revolução na política de mobilidade urbana: adotou o modelo de BRT (ônibus de transporte rápido) criado em Curitiba nos anos 1970 e que virou referência no mundo.
Décadas depois, é Bogotá, que atende 2,5 milhões de passageiros por dia, quem continua na vanguarda, junto com outras capitais latinas como Santiago, no Chile. As frotas de ônibus elétricas vêm aumentando nessas cidades, na contra mão da capital paranaense e de outras grandes cidades brasileiras.
A cidade colombiana abriu, em junho, por meio da Transmilenio (administradora do transporte público da cidade), uma licitação para comprar ônibus elétricos com zero emissões de gases poluentes: serão 600 veículos, a maior frota da América Latina.
Por enquanto, a líder é a capital chilena, que anunciou em julho a chegada de 100 novos ônibus elétricos. Segundo a empresa administradora,a Transantiago, os veículos são chineses e se somam aos 200 totalmente elétricos que circulam pela cidade e beneficiam cerca de 600 mil pessoas semanalmente.
Fora isso, a frota de Santiago conta ainda com 490 ônibus ecológicos com tecnologia Euro 6 — norma de emissões obrigatória na Europa desde 2013 para veículos a diesel e que é cerca de 80% menos poluente que o padrão Euro 5, vigente hoje no Brasil. “Na América Latina, a cidade que mais está avançando é Santiago.
Além de Bogotá, Medelín também está fazendo licitação para ônibus elétrico. Temos países que estão puxando isso, e o Brasil precisa ir atrás e implementar por questões de qualificação no serviço de ônibus e também por questões ambientais”, salienta a gerente de Mobilidade Urbanada WRI, instituto de pesquisas que desenvolve e implementa soluções sustentáveis, Cristina Albuquerque.
Segundo o estudo“Dossiê Ônibus Limpo”, do Greenpeace Brasil, reduzir a queima no diesel poupa vidas e recursos: uma redução de 20% nas emissões de gases poluentes só na cidade de São Paulo evitaria 7 mil mortes e geraria economia de mais de R$ 50 milhões em gastos de saúde decorrentes de problemas cardiorrespiratórios.
Empecilhos
No Brasil, cidades como Campinas, São Paulo, Goiânia e Rio de Janeiro vêm fazendo testes com veículos elétricos desde 2015. Em Curitiba, os chamados ônibus híbridos,que são movidos a eletricidade e biodiesel B100, circulam desde 2012. Hoje, rodam 30 ônibus com esta tecnologia na capital paranaense, de acordo com a Urbanização de Curitiba (URBS), o que corresponde a 1,8% da frota total, de 1.650 ônibus.
“Esses ônibus têm um motor a diesel e um elétrico em paralelo. Ele trabalha 100% do tempo no modo híbrido e arranca no elétrico até atingir 20 km/h, que é o momento onde há mais emissões”, explica o diretor de vendas estratégicas da Volvo Latin America, Alexandre Selski, empresa fabricante dos veículos. Também há ônibus da empresa com essa mesma tecnologia rodando em Bogotá. De acordo com a URBS, não existe, por ora, nenhum projeto para expansão dos híbridos em Curitiba.
O preço dos veículos elétricos ainda é um dos principais impeditivos para que as cidades brasileiras o insiram em suas frotas. Porém, apesar de eles serem até 50% mais caros que os convencionais a diesel, dados do Greenpeace Brasil mostram que o custode manutenção pode ser 25% menor, e a economia com combustível pode chegar a 64% em comparação com o diesel. “Há uma timidez coma inovação e falta uma pressão para que isso se reverta. No período de operação, os custos de implementação se revertem em pouco tempo. E existe um lobby das montadoras contra a eletrificação, pelo sistema de transporte estar muito ligado ao petróleo. Isso precisa ser debatido e exposto”, acredita o pesquisador em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria.
Frotas renovadas
Enquanto a licitação está em andamento, Bogotá não deixa de investir na renovação de sua frota a diesel: em junho, a cidade comprou 700 novos ônibus da Volvo: foi a maior venda da empresa na década, estimada em US$210 milhões (o equivalente a R$ 850 mi). Alexandre Selski explica que todos os veículos comprados têm tecnologia de emissões Euro 5.“Comparando com o Euro 2, a redução na emissões degases poluentes é de 96%. A adoção de mais biarticulados também traz um ganho, já que o veículo comporta mais passageiros”, frisa.
Os ônibus novos também contam com um filtro adicional para redução do material particulado, componente extra que não está nos ônibus que circulam em Curitiba, por exemplo, mesmo sendo a mesma tecnologia de emissões. Selski explica que essa exigência foi feita levando em conta algo que Bogotá sofre por conta de sua geografia: as montanhas dificultam a movimentação do ar. Por isso, dissipar a fumaça dos veículos é mais difícil. “Nesse caso, o filtro trata da questão do material particulado. O veículo e a norma de emissão são as mesmas de Curitiba”, esclarece.
Mesmo sendo a diesel, o avanço das tecnologias é algo fundamental para a melhoria da qualidade do transporte e ambiente nas cidades, diz Cristina Albuquerque, da WRI. “Se avançamos de uma tecnologia Euro 3 para Euro 5, já estamos mitigando e diminuindo o impacto das emissões. Mas não tem o mesmo peso de renovar para frotas limpas”, salienta.
Humanização
Para Calabria, outro aspecto importante das frotas de ônibus sustentáveis é que elas sejam simples e práticas de usar. “Isso estimula o uso, fica mais humaniza-do e prático. Mas ainda é um aspecto pouco valorizado no planejamento das cidades, e reafirma o modelo que pautou o Brasil e muitos países, que é o do carro. Os sistemas de transporte em massa precisam ser fáceis de serem acessados”.
*Especial para HAUS.