Urbanismo
Itupava, Vicente, São Francisco: as “prainhas” curitibanas buscam diálogo com moradores
Fotos: Divulgação
Um termômetro para saber como está a qualidade de vida dos habitantes de uma cidade é pelo tempo que passam fora de casa, usufruindo dos espaços públicos ou coletivos. Quanto maior a ocupação urbana pelas pessoas, maior a qualidade de vida, é o que dizem os pesquisadores do comportamento humano. Muitos curitibanos têm aproveitado esses espaços na vida noturna, nas chamadas “prainhas”, ruas ou imóveis onde o espaço fechado dos bares é diminuto e a ocupação das calçadas e praças no entorno, incentivada.
Alguns endereços que seguem esse padrão são a Vicente Machado, na altura do Batel, a Trajano Reis, no bairro São Francisco e a Rua São Francisco, no Centro. Além das ruas, onde os frequentadores, a maioria jovens, se espalham em frente aos bares, também há os shoppings, imóveis para lojas que foram ocupados por estabelecimentos gastronômicos e de entretenimento, como o Shopping Hauer, na Rua Coronel Dulcídio, no Batel, e o Itupava 1299, no Alto da XV.
LEIA TAMBÉM
Para entender as demandas da população do entorno do centro comercial e promover o diálogo entre empresários e moradores, foi aberto um canal de comunicação com reuniões periódicas com a mediação de coletivos e associações civis locais. João Paulo Mehl é articulador de desenvolvimento do Itupava 1299 e explica que, desde que o movimento no local começou a aumentar, a necessidade de organização foi necessária para antecipar possíveis problemas e mitigá-los. Além disso, a ideia é levar as pautas para órgãos públicos responsáveis, quando necessário.
Uma pesquisa com mais de 150 moradores em um raio de duas quadras do centro comercial foi realizada para registrar essas necessidades. “Esse processo de escuta foi importante para nos aproximarmos de um interesse comum”, explica Mehl. O relatório ainda está em análise, mas por meio dele já foi possível perceber, por exemplo, que a comunidade sente falta de uma programação infantil na praça, uma iniciativa que já estava nos planos dos empresários. O objetivo da pesquisa é que ela embase um termo de compromisso a ser assinado entre os envolvidos no final de junho, entrando em acordo interno quanto a termos como barulho, horário de fechamento dos estabelecimentos, limpeza e segurança. O lixo e as bitucas de cigarro eram a principal reclamação dos moradores. Após a pesquisa, bituqueiras foram instaladas e lixeiras solicitadas para a Prefeitura.
Diferentemente de outras regiões, onde os frequentadores se concentram na calçada, na Itupava a praça é o principal palco da noite. Para que, dia e noite, o espaço esteja preparado para receber pessoas, a organização local protocolou na Prefeitura de Curitiba um projeto de revitalização. Caso seja aprovado, poderá ser implantada uma estrutura melhorada, com horta comunitária e programação cultural.
O professor universitário Juliano Geraldi mora na região há cinco anos e viu o comportamento dos frequentadores noturnos mudar. Antes, a aglomeração era para entrar nos estabelecimentos, hoje o intuito é permanecer do lado de fora. Pai de uma criança de três anos, vê com bons olhos as ações que fechem um círculo de ocupação da praça, durante o dia com programação para a família, e à noite encontros e música. “Me sinto muito mais seguro tendo pessoas aqui à noite do que com o local vazio”, opina.
Reclamações
De acordo com a Prefeitura, a Central 156, canal oficial da Prefeitura para solicitações e reclamações da população, registrou de janeiro a junho 15 reclamações entre as regiões do Shopping Hauer, Vicente Machado e Itupava, a maioria relacionadas a barulho e alvarás. Ainda segundo a Prefeitura, o número não é considerado alto.
O Shopping Hauer, formado por 15 bares e com média de venda de 50 mil litros de chopp por mês, conta desde o início do ano com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre a Associação de Lojistas e a Prefeitura. De acordo com o presidente da Associação e proprietário de um dos bares, Raphael Medeiros Adada, houve uma melhora exponencial desde que o acordo foi estabelecido. A principal reclamação dos vizinhos, que era em relação à sujeira na rua, tem sido contornada com a contratação de uma cooperativa de limpeza e separação que se encarrega de deixar tudo nos trinques, além da limpeza pública que acontece no final da madrugada.
Os lojistas do Hauer buscam aumentar o canal de comunicação com a vizinhança por meio do contato com associações de moradores locais. Os grupos de WhatsApp também são muito utilizados para essa meta. O horário de fechamento, às duas da manhã, sugerido pelos proprietários e firmado no TAC, já foi elogiado pelos moradores nesses grupos. Porém, ainda há pontos de melhoria, como a questão do barulho à noite. “Esse é um ponto que foge do controle dos lojistas, porque em geral, depois que os bares fecham, as pessoas continuam na calçada, estendendo o horário do barulho”, explica Adada.
Segurança
O programa Balada Protegida, lançado pelo Gabinete de Gestão Integrada da Prefeitura de Curitiba atua nesse sentido, a fim de organizar o público concentrado nas calçadas no período noturno no que não está sob responsabilidade dos lojistas. A operação possui pontos fixos e móveis definidos semanalmente com base nas solicitações e observação da necessidade de cada local, com equipes de setores do poder público municipal como a Guarda Municipal, Urbanismo, Meio Ambiente e Trânsito em busca de garantir segurança aos frequentadores.
Na Itupava, contar com as rondas das viaturas policiais não é suficiente para garantir o conforto, por isso foi contratado um segurança fixo para o centro comercial e uma empresa de segurança que monitora o bairro. Em conjunto com a medida, a instalação de câmeras.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), Fábio Aguayo, frisa a necessidade de maior integração com o poder público. “Tanto a aglomeração que acontece depois do fechamento dos bares quanto a venda de produtos pelos ambulantes nessas regiões deve ser controlada pelo poder público. É preciso menos burocracia e mais atenção”, aponta ele.
Aguayo também relata que esse tipo de concentração urbana está deixando de ser uma exclusividade das regiões centrais, com organizações urbanas parecidas em bairros como o Novo Mundo e Bacacheri. “As pessoas estão redescobrindo e revalorizando as redondezas”, diz. O articulador João Paulo Mehl concorda que esse estilo de vida é uma tendência que chegou para ficar, não apenas um modismo. “A ocupação do espaço público é muito importante em qualquer local, mas é um processo que precisa ser construído com diálogo e cuidado”, argumenta Mehl.