Urbanismo

Avenida João Gualberto sem carros? Ícone do urbanismo defende essa ideia

Júlia Rohden*
12/09/2017 10:30
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Avenida João Gualberto tem área calma e ciclofaixas. O arquiteto e cicloativista colombiano Jaime Ortiz defende que a via seja fechada aos domingos para o lazer. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

A poucas quadras do prédio da Prefeitura de Curitiba, na tumultuada Avenida Cândido de Abreu, um pequeno espaço verde é um respiro para quem passa pelo Centro Cívico. A ciclovia que cruza o local é passagem constante de vários curitibanos que usam as duas rodas como meio de transporte. Nesse cenário, a Gazeta do Povo encontrou o colombiano Jaime Ortiz Mariño, arquiteto e ex-secretário de obras públicas de Bogotá, responsável pela implantação das primeiras ciclovias recreativas, em 1974. Ortiz esteve em Curitiba no início de setembro para duas palestras sobre ciclomobilidade e reurbanização a convite do gabinete do vereador Goura (PDT) e do Setor de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em Bogotá, são mais de 150 quilômetros de vias com uso exclusivo para recreação durante os domingos e feriados. Ruas e avenidas são fechadas para os colombianos caminharem, pedalarem e aproveitarem a cidade de outra forma. O modelo é reconhecido em toda América Latina e já foi usado em mais de 400 municípios. Com voz tranquila e arriscando algumas palavras em português, Ortiz comenta que o sucesso do projeto em Bogotá foi graças à população. “As pessoas se apropriaram da ciclovia desde o começo e isso permitiu sua sobrevivência todos esses anos. A ciclovia, hoje, é parte de Bogotá”.
Foto: Facebook/Reprodução
Foto: Facebook/Reprodução
Mais de 1,5 milhão de pessoas passeiam nas ciclovias recreativas da capital colombiana. “Várias gerações passaram a ver a cidade de uma perspectiva distinta. Tiveram a chance de entender que podem percorrer Bogotá de bicicleta, que tem capacidade física para isso. Também é um espaço neutro, no qual a sociedade se reúne – sem distinção de raça, de gênero, de classe, de religião”, comenta o arquiteto.
Nos poucos dias em que esteve em Curitiba, o colombiano gostou de observar crianças pedalando no Centro Cívico no domingo. Na capital paranaense, ao contrário de São Paulo, por exemplo, não há vias abertas para lazer. “Eu vi a ciclofaixa na Via Calma, na Avenida João Gualberto, e acho que tem que fechar essa rua aos domingos. Convertê-la, de norte a sul, para ciclistas e pedestres aproveitarem”, opina.
Otimista, ele está convencido de que o Brasil tem condições de executar o tipo de projeto que foi sucesso em Bogotá. Em passagens por São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, Ortiz viu o que chama de “ciclistas invisíveis”, pessoas comuns que usam bicicleta. Para ele, há uma nova geração de ciclistas e de legisladores que estão construindo outra forma de se relacionar com a cidade. “Sou otimista, aos 70 anos temos que ser otimista”, brinca. “Vejo que estamos em um processo. O importante não é o resultado, é o processo”.
Ortiz prefere não apontar bons modelos de projetos com ciclovia em outros países. Pensa que cada cidade é um mundo em si mesma. “Nós, que moramos abaixo dos trópicos, vivemos uma realidade diferente de quem está acima dos trópicos. O uso do espaço público é diferente e as questões políticas e sociais também”, diz. Para o cicloativista, o desafio dos arquitetos, urbanistas e políticos é entender qual caminho seguir dentro da realidade de cada lugar.
Outro desafio atual destacado pelo colombiano é perceber como a bicicleta se encaixa na vida das pessoas, não necessariamente como único meio de transporte. “Nem todo mundo vai se locomover totalmente de bicicleta”, diz. “Mas, por exemplo, se a pessoa usa o ônibus no trajeto de casa ao trabalho e o ponto onde desce fica um pouco distante, poderia usar a bicicleta nesse último trecho”, emenda.

Projeto “Ruas de Lazer” em Curitiba acabou

A Avenida Paulista é o caso mais conhecido pelos brasileiros de via fechada aos domingos para uso recreativo. Além de São Paulo, cidades como Rio de Janeiro e Belo Horizonte também aderiram à ideia, ainda incipiente no Brasil. Em Curitiba, a gestão do ex-prefeito Gustavo Fruet, em parceria com associações de moradores, promoveu o projeto “Ruas de Lazer”. Em 2015, foram mais de dez ruas com trânsito interrompido nos fins de semana para a população aproveitar para lazer em bairros como Cajuru, Bairro Novo e Portão. Na atual gestão, não existe projeto com essa proposta.

*Especial para a Gazeta do Povo.

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