Dia Mundial da Gentileza: coletivos urbanos mostram como pequenos atos fazem a diferença

Daliane Nogueira*
13/11/2015 14:17
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Horta comunitária no Tatuquara envolve moradores e grupo de voluntários. Fotos: Fred Kendi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

“Tudo está a um passo, um braço ou a um grito de você.” É assim que o jardineiro e gestor ambiental Ademar da Silva Brasileiro, conhecido como “mago jardineiro”, explica a capacidade de mobilização que a proposta da jardinagem libertária pode promover. Há 28 anos ele defende que a revitalização de áreas degradadas com a plantação de árvores, flores ou hortas é uma forma de fazer com que as pessoas tomem para si a responsabilidade pelo espaço onde vivem.
E é esse mesmo pensamento que move outros grupos de pessoas que se unem em torno de um propósito comum. São os coletivos urbanos, que cada vez mais ganham espaço e relevância. Eles vão se conectando, trabalhando juntos, por terem interesses parecidos. Brasileiro, por exemplo, mantém atividades com diferentes movimentos em Curitiba. A aproximação com o grupo “Jardinagem: territorialidade, temporalidade, ato político”, idealizado pela arquiteta e artista visual Faetusa Tezelli, se deu em forma de oficinas para moradores de bairros onde foram plantadas hortas coletivas, como no Jardim Bela Vista, no Tatuquara.
Horta comunitária no Tatuquara.<br>Foto: Fred Kendi / Gazeta do Povo.
Horta comunitária no Tatuquara.<br>Foto: Fred Kendi / Gazeta do Povo.
A área onde estão os canteiros era depósito de lixo e estava tomada pelo mato. A ideia da revitalização começou há pouco mais de dois meses, quando a técnica ambiental Iracema Bernardes Pereira, que já conhecia a comunidade por conta de um trabalho que desenvolveu para a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), uniu-se à Faetusa para realizar a horta com os moradores.
“Muitas pessoas que moram no entorno têm ligação com o interior do Paraná e já tinham uma aproximação com a terra. A implantação da horta trouxe o resgate de memórias e transformou um espaço negativo em uma área positiva e que colabora para a segurança alimentar das famílias”, comenta Faetusa. O projeto é financiado pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) e o envolvimento dos moradores é incontestável. A dona de casa Aparecida Gomes da Silva conta que o local tornou-se ponto de encontro dos moradores. “Acabamos nos reunindo aqui e conversando sobre melhorias para outros pontos do bairro”, diz.
Horta comunitária no Tatuquara<br>Foto: Fred Kendi
Horta comunitária no Tatuquara<br>Foto: Fred Kendi
Laboratório de cidadania
“Essas organizações que agem positivamente, sem ferir as instituições, apresentam novas alternativas para cidade, são uma expressão de cidadania e uma forma de interferir no conjunto social”, opina o professor do curso de Ciências Sociais da PUCPR, Lindomar Boneti. Ele aponta ainda que a mobilização dos coletivos desperta a ação do poder público. É o que aconteceu, em certa medida, com o grupo que propõe a preservação do bosque da Casa Gomm, nos fundos do shopping Pátio Batel.
Em junho de 2013, quando houve a divulgação de que uma rua seria aberta, cortando o bosque ao meio para desafogar o trânsito que o shopping geraria, 12 pessoas promoveram uma mobilização para chamar atenção para a destruição do bosque. O grupo, que mantém uma página no Facebook com o nome “Salvemos o Bosque Gomm”, foi ganhando mais adeptos, ocupando o espaço e promovendo atividades como oficinas com crianças, troca de brinquedos, tai chi chuan, entre outros.
A principal vitória foi o anúncio da prefeitura, em junho do ano passado, da oficialização do Bosque como área de conservação ambiental. O parque ainda não foi implantado oficialmente e o grupo mantém a ocupação, conservação e limpeza, além da agenda de atividades.
Intervenção da Casa Labirinto no Bosque Gomm
Intervenção da Casa Labirinto no Bosque Gomm
“A experiência no Bosque Gomm é um laboratório de cidadania a céu aberto. Queremos realmente criar um símbolo para multiplicar outras iniciativas”, resume o pedagogo Luca Rischbieter, um dos integrantes do movimento, que ressalta a visita de pessoas de outros pontos da cidade no local.
Uma das últimas intervenções foi a criação de uma horta urbana que contou com a participação de Ademar Brasileiro e do grupo idealizado por Faetusa. O biólogo Diogo Coneglian, envolvido nos cuidados com a horta, reforça que o grande intuito é que as pessoas se apropriem do conhecimento gerado pela iniciativa e multipliquem hortas urbanas pela cidade.
Bosque da Casa Gomm
Bosque da Casa Gomm
Arte e envolvimento
Para além da contemplação e do entretenimento, a arte também pode ser uma eficaz ferramenta de ressignificação do espaço urbano. Em Curitiba, uma dessas iniciativas é o projeto Motion Layers, ação de street art que prevê a criação de quatro murais públicos de escala monumental, dois já realizados, um em execução e outro previsto para este ano, feitos com stencil, em fachadas de edifícios.
Os artistas, Celestino Dimas, idealizador do projeto, Artstenciva e Leandro Cinico atuam de forma colaborativa. Para Dimas, dentre os vários objetivos da realização, como a densidade conceitual, os desafios logísticos e técnicos. O impacto social é o grande motivo dessa atuação. “A escala monumental das pinturas está alinhada ao crescimento e verticalização da cidade. Precisamos trazer mais sensibilidade para o cotidiano, precisamos de respiros, de intervalos, de momentos de contemplação e reflexão, precisamos exercitar a imaginação. Essas obras servem para isso. Revitalizar a paisagem para revitalizar o cotidiano”, afirma Dimas.
Mural do projeto Motion Layers
Mural do projeto Motion Layers
Proposta parecida aconteceu na realização da Praça de Bolso do Ciclista, no bairro São Francisco. O artista participou, em parceria com outros cicloativistas, como Jorge Brand, hoje assessor da Coordenação de Mobilidade Urbana da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), dos mutirões que deram origem à praça, inaugurada em setembro do ano passado.
Ambos faziam parte do coletivo de artistas e agentes culturais Interlux. “A praça foi uma intervenção real em meio a uma série de ações de conscientização”, comenta Brand, lembrando que a área de 127 m², era um terreno abandonado da prefeitura e foi recuperado a partir do trabalho do coletivo e de outros cidadãos.
Na avaliação de ambos, a praça tornou-se um espaço de utilização pública, sobretudo dos ciclistas. “A praça é ocupada por grupos diversificados. Claro que existe depredação eventual, como em qualquer lugar livre. Mas, nesse sentido, continuaremos com mutirões periódicos, sempre abertos à participação de quem quiser somar. A praça é um ícone vivo. Quanto mais exemplos assim, mais pessoas terão oportunidade de gostar e cuidar da cidade. É contagioso”, resume Dimas.
Praça de Bolso do Ciclista, bem no centro da cidade, foi resultado de uma ação conjunta de ativistas e comerciantes
Praça de Bolso do Ciclista, bem no centro da cidade, foi resultado de uma ação conjunta de ativistas e comerciantes
*Matéria publicada originalmente na versão impressa no dia 12/05/2015.