Mercado imobiliário
Mercado Imobiliário
Opinião: vender imóveis é fácil; difícil é comprar
Problema sistêmico do mercado imobiliário impede que mais imóveis sejam adquiridos. Foto: Bigstock
Estamos em 2020. A humanidade, assolada por um vírus desconhecido, resolve ficar em casa. E então descobre que pode fazer tudo – ou quase tudo – sem sair de seu imóvel. O mundo ficou online de repente. E, vejam só, até imóveis, que já eram procurados pela internet, agora podem ser comprados pela rede sem qualquer dificuldade. Não é uma maravilha? Sim, só que....não.
A fábula acima, em que muitos terão identificado qual o planeta, ilustra bem as delícias e dores do momento atual. Muito já foi refletido – na outra epidemia, a de lives – sobre os impactos duradouros, revolucionários e catalisadores da transformação digital acelerada que a pandemia veio trazer.
No mercado imobiliário, sem dúvida, o caminho é online, seja para anúncios, para compra e venda, relacionamento ou serviços, pois de fato os benefícios da tecnologia da informação no mercado são notórios e nem precisam mais ser celebrados. Tudo parece ter ficado mais fácil, mais rápido, mais próximo do consumidor. E, claro, as vantagens de ter tudo à mão “em um clique” compensam mesmo alguns desgastes e ajustes que o tempo corrigirá. Então, qual o problema com o momento atual, quando falamos sobre vendas de imóveis?
Bem, a questão é que encontramos em repetidas pesquisas, um certo sentimento de frustração do consumidor. Recentemente entrevistamos mais de 150 famílias em processo ativo de busca por um imóvel, em cerca de 40 horas de pesquisas qualitativas em profundidade, em todo o Brasil, e a palavra frustração repetia-se. O consumidor sentia-se decepcionado. Mas frustração com o quê? Explico melhor.
Entre outras coisas, a frustração ocorre com a busca online. Sim, tudo num clique, porém, quem é que disse que esse “tudo” de fato existe? Imóveis anunciados que não existem (alguns há mais de 2 ou 3 anos, conforme relatos); imóveis anunciados com preços diferentes; imóveis anunciados erradamente; e, o suprassumo da queixa: imóveis lindos, maravilhosos, com uma super produção na fotografia, porém léguas de distância de sua realidade física. Sabe aquela piscina linda? Um tanque. A vista para o mar? Inexistente. O quarto arejado e amplo? Úmido e irrespirável. Pode ser boa literatura, mas é má propaganda. Os exemplos todos aqui foram citados nas conversas que tivemos, e são encontráveis em portais de busca, sites de referência, mesmo sites de empresas, de modo que em pouco tempo, o consumidor cansa-se, frustra-se com o resultado. Afinal, procurar um imóvel cansa, desgasta; em uma palavra: frustra.
Mas não é só uma questão de imagem como alguém poderá pensar, um efeito “Instagram” dos anúncios “fake ads”. Quem dera. Muito pior é a frustração com o atendimento. Inumeráveis relatos dão conta de pedidos de informação que os clientes solicitam enviando seus dados pessoais completos, sem receber nenhum retorno. Repito: nenhum retorno; repetidas vezes. E por diversas empresas, de forma generalizada. Pedido de informação por email, whatsapp, rede social, telefone, o que for, sem retorno.
Se uma empresa recebe um pedido de informação e muitas vezes um pedido direto – pasmem – de visita real de um cliente para um imóvel e mesmo assim não apenas não retorna, mas o ignora solenemente. Devemos atribuir o fato aos deuses da internet ou a um problema sistêmico? A resposta é óbvia, há um problema sistêmico.
Tudo bem, vamos imaginar que sim, você conseguiu receber um retorno, conseguiu agendar uma visita, e então a queixa se manifesta de novo: imóveis muitas vezes mal precificados, totalmente deslocados de sua faixa de mercado; imóveis sem qualidade alguma; imóveis, sobretudo os usados, com muitas demandas de reformas, sem capacidade de uso. Enfim, a lista de queixas é grande. Além disso, sem contar muitas vezes o notório desconhecimento dos vendedores sobre as características dos imóveis que estão vendendo. Muito comentado o fato de corretores não dominarem a argumentação mínima de explicação do produto, contentando-se com repetir chavões. É clássica a cena: “Esse é um quarto, essa é a sala, aqui é a cozinha”, numa enumeração dos cômodos como se eles não fossem igualmente discerníveis para o comprador, que esperaria mais informação do que “isso é um quarto”. “Sim, um quarto; mas de quantos metros?” Aí já não é possível responder.
Mas atenção: não se trata aqui de apontar os culpados habituais, os corretores de imóveis, até porque também houve diversos relatos de excepcionais atendimentos, justamente quando ocorreram vendas. Essa é a desculpa fácil, o outro. Há um problema sistêmico aí, pois não se trata de gente, mas de toda a lógica do setor. Se o sistema não consegue manter corretores qualificados com uma remuneração compatível de forma permanente, pode ser de fato que o grande trabalho seja o de comprar, não o de vender. Isto é, o imóvel muitas vezes não é vendido de forma ativa, mas sim comprado – ativamente - por um consumidor que, mesmo tendo recursos, disposição e uma necessidade premente não “acha” o seu imóvel. Quando acha, compra; um alívio.
Isso dá o que pensar: chegamos ao esquecível ano de 2020 poderosamente online. Mas não eliminamos os descuidos básicos com o serviço prestado, com a informação, com o atendimento. Não haverá chatbot mágico que resolva uma equação dessa; nem as empresas serão salvas por alguma inteligência artificial se não arrumarem seu quintal primeiro. O cliente quer comprar e o online ajuda muito sua vida. Veio para ficar, esse é o verdadeiro novo normal de fato. Mas a preparação do online é a base de tudo. O comércio eletrônico só é esse sucesso todo porque as empresas investem em produto e logística e entregam com qualidade e garantia aquilo que o cliente compra. É tempo do mercado imobiliário fazer o mesmo. Muitas empresas boas já estão conseguindo. O mercado e os clientes agradecem.
*Marcos Kahtalian é sócio-fundador da Brain Inteligência Estratégica.