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Mercado Imobiliário
Adaptação e conforto: o que mudou na relação dos moradores com os imóveis durante a pandemia?
Foto: Bigstock
A necessidade de receber em casa todas as atividades que antes eram realizadas na rua não é uma realidade isolada ou que cabe apenas para quem mora em imóveis com metragens reduzidas. Dados da pesquisa "Um novo imóvel para um novo consumidor", divulgada nesta terça-feira (22) trouxeram em números o que boa parte dos moradores sente na prática: a adaptação dos imóveis para corresponder minimamente a elas é uma realidade em tempos de Covid-19 e deverá mudar a forma como potenciais compradores avaliam a aquisição de um novo imóvel.
Como era de se prever, o home office, ou melhor, o "trabalho adaptado" está entre os principais itens levantados pelos 128 entrevistados em 16 grupos focais realizados de forma remota com potenciais compradores de oito capitais brasileiras (São Paulo, Curitiba, Recife, Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília). Afinal, a maioria (95%) deles não contava com espaços preparados para receber toda a jornada de trabalho semanal em casa, o que fez com que salas de jantar, dormitórios e até sofás se transformassem em escritórios durante boa parte do dia. O mesmo ocorre com as famílias com filhos, que tiveram que trazer a sala de aula para dentro de casa.
Em em cenário em que algumas empresas já sinalizaram a abolição de seus escritórios comerciais e a migração total ou parcial para o trabalho remoto, a área destinada ao home office ganhou relevância e passou a ser vista como diferencial, mas ainda não como um fator decisivo para a compra. E aqui vale um acréscimo: a presença do home office não significa, necessariamente, a de um cômodo destinado a ele. Mas, sim, de espaços que possam abrigar o trabalho em casa de maneira confortável, o que é tido como indispensável para 87% dos ouvidos pela pesquisa.
"A maior parte das pessoas moram em imóveis onde nunca será possível um espaço exclusivo [de trabalho]", lembra Fábio Tadeu Araújo, sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica, responsável pela pesquisa juntamente com o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) e a Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit-Brasil). Ele acrescenta, ainda, algumas soluções que vêm sendo adaptadas neste sentido, como a inserção, por incorporadoras que trabalham no segmento da habitação popular, de espaços de coworking nas áreas de uso comum, o que antes era visto apenas em segmentos com ticket médio mais elevado.
Outro cômodo que voltou ao foco de atenção é a cozinha. Antes preterida e cada vez ocupando menos espaços em boa parte dos projetos, ela ganhou relevância com mais pessoas passando a cozinhar todas as refeições em casa, seja pelas dificuldades de se alimentar na rua impostas pela pandemia ou por ter descoberto na preparação das receitas um novo hobby - o que ocorreu com 79% dos entrevistados.
Assim, além de uma cozinha maior, o que os futuros moradores desejam é a integração completa dela aos demais espaços de convívio, de forma que seja possível socializar e desfrutar momentos em família enquanto as refeições são preparadas.
Ainda nas áreas sociais, a sala, que já costuma ser o centro das atenções nos projetos, assume ainda mais relevância, pois se tornou um local multitarefa, no qual "a vida acontece". Por isso, ganham destaque aqui não apenas a área do cômodo em si, mas um projeto de interiores flexível e adaptável, que permita transformar a sala em diversos ambientes, de acordo com a necessidade do momento.
"Para quem [vive em] família, a sala é fundamental. A nossa arquitetura tem oferecido boas soluções, por isso tenho certeza de que esta versatilidade poderá ser alcançada", avalia Celso Petrucci, presidente da Comissão da Indústria Imobiliária (CII) da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e economista-chefe do Secovi-SP. "Enquanto estrutura de desenvolvimento de um novo projeto de empreendimento imobiliário, a nova inteligência tem que estar muito mais focada no design de interiores do que na arquitetura propriamente dita, pois não temos como inventar um novo apartamento, uma nova casa, sem gastar muito mais. Porque, para colocar tudo o que as pessoas gostariam a partir de agora, teria que se fazer um apartamento muito maior, que não cabe no bolso de ninguém. A solução econômica vai passar, justamente, pelo interior", acrescenta Araújo.
Em relação ao quarto, mesmo que para alguns o cômodo também tenha assumido novas funções durante o isolamento social, ele ainda é visto como sinônimo de refúgio. Característica que é potencializada nos casos em que são suítes, único item percebido imediatamente como de valor e que justificaria um aumento no preço do bem.
Intenção de compra
Para a grande maioria dos entrevistados pela pesquisa, a pandemia não alterou os atributos essenciais desejados para a compra de um novo imóvel: localização, tipologia e preço. A vivência mais intensa da casa neste período, no entanto, aguçou o processo de avaliação das ofertas, fazendo com os clientes estejam mais atentos a detalhes qualitativos como amplitude dos cômodos, ventilação, iluminação e à presença de espaços de trabalho e lazer, o que pode ser resumido em conforto para morar.
No que tange as áreas comuns, 66% dos entrevistados afirmam não estar dispostos a pagar mais por áreas de lazer. Entre as listadas como essenciais aparecem academia (44%), piscina (41%), churrasqueira (39%), salão de festas (31%) e área verde (27%).
A presença de vaga de garagem também segue como indispensável. 54% dos ouvidos pelo estudo consideram no mínimo 1 vaga, enquanto para 39% duas seriam o ideal. Questões relacionadas à sustentabilidade dos imóveis, por sua vez, não foram citados espontaneamente pelos entrevistados entre as características fundamentais do bem, mas são entendidas como diferencial. Isso ocorre principalmente porque, para 55% deles, a presença de itens como aquecimento solar, coleta seletiva de lixo e captação e reaproveitamento da água das chuvas pode reduzir o custo com a moradia.
"A pandemia acelerou tendências imobiliárias no residencial mais do que as alterou radicalmente. As famílias [tornaram-se] mais críticas em relação à compra. Ou seja, o consumidor não vai comprar a todo custo, mas apenas aquilo que lhe atenda de fato", conclui o estudo.