“Nosso serviço não é inovador. Corajoso foi trazê-lo para a América Latina”, afirma diretora dos patinetes Grin
Foto: Grin/Divulgação
“Quem aqui acreditava que um serviço de aluguel de patinetes e bicicletas — sem estações de segurança — funcionaria no Brasil, confiando no usuário?” Quase ninguém, em uma plenária lotada com 300 pessoas. Quem fez a pergunta era a diretora da startup de mobilidade urbana Grin, Paula Nader, durante o maior evento de cidades inteligentes do mundo, o Smart City Expo 2019.
No entanto, os números da Grow — empresa que abraça a Grin (mexicana de aluguel de patinetes) e a Yellow (de empréstimo de bicicletas e patinetes) — provam o contrário. A operação já acontece em seis países, com um total de 135 mil veículos. No Brasil, são 14 cidades com o serviço.
Mas, segundo Nader, o serviço de aluguel não é inédito, tampouco inovador, mas a coragem em acreditar que daria certo na América Latina ajuda a explicar o sucesso da adesão pelos usuários. “Vão roubar, vão estragar, não vai funcionar, nos disseram. Mas nós acreditamos que era possível”, declarou.
Pelo aplicativo da empresa é possível localizar o patinete ou bicicleta mais próxima, destravá-la e andar. No caso do patinete, o preço é de R$ 3 para os três primeiros minutos de uso e R$ 0,50 a cada minuto extra. Para as bicicletas, o custo é de R$ 1 para cada 10 minutos. O pagamento é feito pelo cartão de crédito cadastrado no aplicativo.
HAUS conversou com Nader sobre a implantação do sistema na América Latina, desafios e percepções. Confira a entrevista!
Como foi a implantação do serviço na América Latina? Onde estão atuando mais forte e como está sendo a experiência?
As maiores operações estão no Brasil e México, levando em consideração o potencial dos mercados e o tamanho das economias e das cidades. Mas também estamos na Colômbia, Peru, Chile, Uruguai e, começando em breve, Argentina.
No entanto, dentro deste tópico, eu gosto de destacar um ponto crucial: é menos importante falarmos de países e mais interessante falarmos em centros urbanos. Uma é muito diferente da outra e estamos aprendendo com as especificidades: o comportamento de uso, a maneira que as pessoas acessam o serviço. O desafio é entender as cidades.
Falando em cidades, pode dar alguns exemplos desses desafios?
Topografia, índice pluviométrico, escolha da área de cobertura, perfil de público, densidade populacional, distribuição residencial, atividade comercial, infraestrutura de ciclo faixas e ciclovias: é um conjunto de critérios, tudo analisado de forma combinada.
Obviamente, a conta precisa fechar. Mas, além dos critérios técnicos e econômicos eu acredito que exista também uma espécie de “vocação” dos centros para receber o serviço, o grau de interesse da cidade em receber outras formas de mobilidade urbana.
Mais uma vez, a nossa conversa começa com a cidade e foi assim que fizemos no Brasil e nos outros países da América Latina. Buscamos entender qual é o ponto de vista desse lugar, o que está acontecendo ali. Ele busca por esse movimento, tem essa disposição?
Curitiba é um bom exemplo. Em dois meses, é a terceira vez que eu estou na cidade para falar sobre o nosso serviço. Não é à toa.
Qual equipamento o usuário prefere (patinete ou bicicleta)?
De maneira geral, as pessoas aderem mais facilmente ao patinete. E existem algumas razões que podem explicar isso. Acredito que ele pode ser mais democrático: não é preciso saber andar, a curva de aprendizado neste caso é perto de zero. E ele é muito intuitivo, é um brinquedo de criança.
Outro ponto é que permite uma maior maleabilidade com a vestimenta, seja um vestido, uma saia, um terno, um salto. No comparativo à bicicleta, o patinete sai na frente também porque o usuário não transpira no percurso, não se cansa. Por último, é ideal para trajetos em que o deslocamento é muito próximo para ir de carro, mas longe (ou demorado) para ir a pé.
Além disso, o jeito mais divertido de se movimentar na cidade também é de patinete — é uma experiência de interação com a cidade que nem o carro, nem andar a pé proporciona. Tem o vento na cara, tem a concentração na atividade, e isso dá para as pessoas que vivem em uma grande cidade a oportunidade de curtir o lugar onde vivem, uma sensação que para muita gente já estava até esquecida. São dez ou quinze minutos do dia que serão, de fato, prazerosos.
Apesar das particularidades, já é possível indicar horários de pico de uso do serviço?
O pico é na ida e volta para o trabalho. A procura aumenta entre 8h e 10h e no final da tarde. Durante a manhã e durante a tarde, há picos de uso de patinetes, exclusivamente. O que nos faz pensar que os usuários estão utilizando os equipamento para percursos menores, entre um compromisso e outro.
Na sua explanação durante o Smart City, você comentou sobre a preocupação também em se pensar no não-usuário, já que todos vamos dividir o mesmo espaço. Pode comentar?
Todo o processo de criação de cultura leva um tempo. Cito aqui Benjamin de La Peña [do Departamento de Transporte de Seattle, que dividiu a mesa com Paula Nader no Smart City], quando ele fala da invenção do carro e do tempo que levou para se ter estrada ou sistema viário que comportasse a tecnologia [foram dezesseis anos]. Resumindo: mudanças de cultura levam tempo. Isso vale também para o patinete e para a bicicleta.
Um exemplo concreto do que eu estou tentando explicar é o usuário que estaciona o patinete, ou a bicicleta, em cima do piso tátil [em alto-relevo fixado no chão para fornecer auxílio na locomoção pessoal de deficientes visuais]. Ele desconhece a tecnologia, não tem a informação de por que aquilo existe.
Faz parte de todo o processo explicar. De forma didática, pensar na calçada, na ciclo-faixa, no piso-tátil, no asfalto. Em primeiro lugar, somos todos pedestres. Usar a bike ou o patinete é compartilhar o espaço com quem também não usa o serviço. Respeito em primeiro lugar.
Falando em mobilidade, existe um vilão? É o carro?
Não existe um vilão. Hoje, o que está bacana é a possibilidade de compartilhar e dividir os trajetos. A lógica multimodal é maravilhosa. Combinar o andar a pé, de patinete, de bicicleta, de Uber, de carro particular, de transporte público.
O serviço da Grin e da Yellow inicia no aplicativo, mas a operação está na rua. Pode comentar sobre esta integração?
Para que tudo dê certo, contamos com funcionários que todos os dias recolhem, reparam, recarregam e recolocam os patinetes e bicicletas nos pontos de cobertura. No total, somos em mais de mil [na Grow] e oferecemos oportunidades em cada a cidade nova que ingressamos.
Buscamos entender a comunidade em que estamos nos inserindo, geramos emprego e renda. Damos oportunidade, tentamos enxergar as cidades com todas as suas complexidades. Contratamos jovens em seu primeiro emprego, egressos do sistema penitenciário e refugiados. Acredito que ninguém mais vai ganhar dinheiro se as soluções não forem inclusivas.
*Especial para a Gazeta do Povo.