Mercado imobiliário se reinventa, retoma lançamentos e aposta em novos conceitos
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo | Leticia Akemi
A compra da casa própria ou a mudança para um imóvel mais confortável é desejo comum a grande parte das famílias. Para ajudá-las a realizá-lo e se destacar da concorrência, as construtoras e incorporadoras investem cada vez mais na oferta de plantas e empreendimentos que oferecem mais que paredes, teto e acabamentos. Trazem, sim, tecnologia, projetos inovadores e conceitos de vanguarda, que estão em linha com os anseios, mudanças nos padrões de consumo e valores que norteiam o estilo de vida dos clientes contemporâneos.
Entram nesta lista desde a adoção de soluções sustentáveis, a valorização da exclusividade dos empreendimentos – que têm na arquitetura autoral uma de suas principais aliadas – e o incentivo a uma vida mais simples, no qual o “ter” dá lugar ao compartilhamento e à valorização das relações humanas. Outro ponto destacado pela Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (Ademi-PR) é o lançamento de empreendimentos com menor número de unidades, especialmente no segmento de médio e alto padrão.
Tais características estão entre as tendências do mercado imobiliário. Após um período de crise, marcado por juros altos, queda na velocidade das vendas e superestoques (em Curitiba, o número de apartamentos novos à venda chegou ao pico de 12.238 em junho de 2014), o setor dá sinais claros de retomada, como afirmam os especialistas.
“A retomada é vista neste mercado e na economia. A brutal queda da taxa de juros faz com que mais pessoas possam comprar um imóvel. Quando a taxa diminui, o valor da parcela também reduz”, diz Fábio Tadeu Araújo, sócio-diretor da Brain Bureau de Inteligência Corporativa. Ele ilustra este fato com uma estimativa realizada por um banco privado que aponta que, quando a taxa de juros cai de 12% para 8% — o que deve acontecer até julho de 2018, segundo estimativas do diretor da Brain —, cresce em cerca de 70% o número de pessoas que teriam condições de adquirir um imóvel com preço médio em torno de R$ 250 mil.
Do lado do mercado imobiliário, a significativa redução do estoque nos últimos anos (em fevereiro de 2018, 8.240 unidades novas estavam à venda em Curitiba, segundo dados da Ademi-PR) e o crescimento da demanda, estimulado pelo cenário econômico, são outros impulsos ao investimento das empresas em novos lançamentos. “O estoque de unidades prontas, hoje, é de 15%. Isso gera caixa e disponibilidade financeira para as empresas iniciarem novos projetos, aumentando o número de lançamentos”, diz Leonardo Pisseti, vice-presidente da Ademi-PR.
A visão dos especialistas é ratificada pelas incorporadoras que atuam na cidade, muitas das quais já anunciaram, e iniciaram, lançamentos para 2018 e os primeiros meses de 2019. Como exemplos, os três lançamentos da A. Yoshii (Praça da Espanha, Cabral e Centro); um da AG7 Realty (Ecoville); dois da Swell (Alto da XV e na divisa do Mercês com o Bigorrilho); um da MDGP (Cabral); dois da Laguna (no Cabral e no Ecoville, além da prospecção de dois terrenos para 2019); dois da Vanguard (Cabral e Cristo Rei); cinco da Plaenge (um no Água Verde, dois no Ecoville, um no Ahú e um no Batel); oito da Terrasse (um no Água Verde, dois no Ahú, três no Juvevê, um no Ecoville e um no Cristo Rei); e de dez do Grupo Thá. “São empreendimentos que remetem à nossa origem, de ter diversas tipologias de produtos em várias regiões da cidade”, diz Marcello Thá, diretor de incorporações do Grupo Thá.
Este conjunto de lançamentos previstos pelos incorporadores não é o único argumento que sustenta a crença na retomada do mercado imobiliário, que viu o número de empreendimentos residenciais lançados em Curitiba aumentar em 60% nos últimos 12 meses, tendo como referência o mês de fevereiro. O dado é da Ademi-PR.
Segundo os especialistas, tal retomada deverá contemplar todos os segmentos do mercado, englobando dos lançamentos de perfil econômico (enquadrados no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, que deverão voltar a ser lançados em Curitiba) aos de superluxo (com unidade a partir de R$ 2 milhões).
“A retomada deverá ocorrer em todos os segmentos, mas deverá ser mais significativa nas categorias standard (entre R$ 250 mil e R$ 400 mil) e de médio padrão (R$ 400 mil e R$ 600 mil). Nos últimos anos, esses foram os segmentos cujo público-alvo mais sentiu a restrição de crédito e a perda do emprego formal e que tiveram sua oferta reduzida [de forma mais expressiva] por causa [das temporadas] de promoções”, explica Araújo.
Ao contrário do que ocorreu no período do boom imobiliário, no qual Curitiba viu crescer a oferta de supercondomínios (empreendimentos com centenas de unidades em dezenas de torres residenciais), os novos lançamentos deverão ser mais modestos no sentido quantitativo. A aposta do diretor da Brain é a de que, em vez de lançar um empreendimento com 200 unidades, por exemplo, as empresas optem por ofertar dois ou três condomínios menores, de até 50 ou 60 unidades. “Assim, pulveriza-se o risco, mobiliza-se menos recursos em um só empreendimento e ganha-se velocidade nas vendas”, destaca Araújo.
Autoral e compartilhado
Além do maior número de lançamentos, a retomada do mercado imobiliário deverá ser marcada, também, pela inovação e pelos conceitos que irão nortear os projetos dos empreendimentos. Isso se deve, segundo os especialistas, ao amadurecimento do setor, que trabalha para oferecer ao cliente final espaços que correspondam não somente às suas necessidades de número de quartos e vagas de garagem, mas principalmente aos valores, anseios e padrões de consumo contemporâneos.
“O mercado imobiliário de Curitiba amadureceu nos últimos anos. Antes, tínhamos edifícios sendo construídos sem agregar benefícios e tecnologias para o cliente. A partir do momento em que houve o entendimento por parte de algumas empresas de que entregar [um produto com] mais valor ao cliente final era uma missão necessária à própria evolução do setor, o cliente também se tornou mais exigente e passou a buscar exclusividade, design, sustentabilidade e personalização”, avalia Alfredo Gulin Neto, CEO da AG7 Realty. “O cliente que vai comprar um estúdio ou uma unidade de um dormitório não quer mais uma commodity, mas sim um apartamento com a cara dele. É um caminho que não tem mais volta”, acrescenta.
Esta “cara”, por sua vez, pode estar presente em diferentes atributos dos empreendimentos, que vão das soluções que reduzem os custos do condomínio e/ou voltadas à sustentabilidade aos conceitos de compartilhamento, que ganham cada vez mais espaço na vida moderna.
“A tendência do compartilhamento, que começou na base da pirâmide do mercado imobiliário, já está se estendendo para o topo dela. Até mesmo nos empreendimentos de luxo as pessoas já alugam imóveis por temporada, algo que, tempos atrás, não acontecia”, exemplifica Gulin Neto ao ilustrar uma das fortes tendências do mercado imobiliário no curto e médio prazo.
Vivência coletiva
Acompanhando este movimento, algumas incorporadoras e construtoras anteciparam-se à concorrência e ofertam aos consumidores empreendimentos baseados no conceito de coliving, no qual os moradores fazem das áreas comuns uma verdadeira extensão dos apartamentos, priorizando a relação interpessoal no condomínio.
Uma das pioneiras neste sentido foi a gaúcha Wikihaus, de Porto Alegre. Em fevereiro de 2017, a empresa lançou o Cine Teatro Presidente, primeiro empreendimento coliving do Brasil, como aponta Eduardo Pricladnitzki, sócio-fundador da Wikihaus.
O conceito do empreendimento, que oferece estúdios de 38 m² a 70 m², traz a veia colaborativa desde o seu desenvolvimento. Isso porque ele foi desenhado a partir de dois workshops, nos quais profissionais renomados de diferentes áreas, como Direito, Artes Plásticas e Publicidade, e pessoas que moravam em empreendimentos compactos contribuíram para definir o briefing do projeto.
“O empreendimento está localizado no terreno onde funcionou um dos principais cinemas de rua da cidade. Nós imaginávamos desenvolver nele um empreendimento compacto. A região tinha vocação para isso. Mas, antes dos encontros, nunca tínhamos ouvido falar em coliving”, lembra Pricladnitzki.
Priorizando o compartilhamento das atividades cotidianas, o Cine Teatro Presidente conta com área de convivência e coworking integrados, bike sharing, lavanderia coletiva e ambientes pensados de forma a otimizar os recursos e usos dos espaços. “No workshop que fizemos com convidados, foi dito: ‘passo dois minutos por dia no hall de entrada, não quero que invistam muitos recursos nesta área que quase não vou usar’. Esta é uma mudança de comportamento relevante”, exemplifica o sócio-fundador da Wikihaus.
Em Curitiba, o Grupo Thá foi um dos primeiros a investir neste perfil de empreendimento ao lançar, no final de 2017, o All You Need. Localizado na Rua Riachuelo, o prédio será construído junto a uma Unidade de Interesse de Preservação (UIP), o casarão Guilherme Weiss, e tem no espírito de compartilhamento sua principal característica.
“Serão 300 unidades [de 17 m² a 44 m²] em um produto pensado para o compartilhamento, com mobiliário superinteligente, sistema de gestão por plataforma digital, bicicletas e ferramentas compartilhadas, [café e loja de conveniência]”, descreve Marcello Thá, diretor de Incorporações do Grupo Thá.
Ele destaca, ainda, o fato de o empreendimento ter sido concebido para o Airbnb e de já trazer em seu regimento interno a modalidade de ocupação short stay, popularmente conhecida como de locação temporária. “Um dos grandes problemas da disseminação do compartilhamento nos condomínios é a questão legal. Vários deles, inclusive, estão proibindo esta prática”, lembra o diretor.
Exclusividade com assinatura
Projetos arrojados, assinados por grandes nomes da arquitetura contemporânea e que parecem saído de grandes metrópoles. Assim podem ser descritos os empreendimentos que darão a nova cara do mercado imobiliário curitibano, pelo menos dentro do segmento de alto padrão e superluxo.
Como estratégia para se diferenciar dos concorrentes e garantir exclusividade aos seus empreendimentos, as incorporadoras que lançam na capital têm investido pesado em projetos que trazem a arquitetura autoral como seu principal atributo.
“Isso tem mais a ver com o perfil do empresário do que com um despertar do mercado. Há empresários que acreditam que esta é uma oportunidade e que querem criar este posicionamento. E, na medida em que isso for dando certo, outras empresas passam a perceber este mercado como interessante e isso começa a se expandir”, avalia Fábio Tadeu Araújo, da Brain. “Em todas as indústrias, as pessoas querem produtos personalizados, fabricados para elas. Quando [a empresa] investe em arquitetura autoral, está buscando este cliente que quer um bem que foi feito sob alfaiataria, que vai gerar valor e liquidez. Acreditamos muito no poder de arquitetura bem resolvida”, completa Alfredo Gulin Neto, da AG7 Realty.
Ao lançar o Ícaro Jardins Graciosa, no Cabral, em 2016, a empresa foi uma das primeiras da capital a investir em um projeto que tinha a arquitetura autoral como destaque. O empreendimento é assinado por Arthur Casas (projeto arquitetônico) e Renata Tilli (paisagismo).
Para o terceiro trimestre de 2018, a AG7 Realty ainda prevê o lançamento do primeiro projeto curitibano assinado pelo famoso escritório franco-brasileiro Triptyque Architecture. Localizado no Ecoville, o empreendimento ainda não teve muitas de suas informações divulgadas, mas terá torre com cerca de 130 metros de altura, 40 andares e exclusiva plataforma aberta que possibilita vista 360° da cidade.
“É um projeto que promete trazer muita inovação e quebrar [alguns] paradigmas, pois vender um imóvel hoje é vender conteúdo, estilo de vida e experiência. O projeto será um presente para a cidade e contará com um prédio residencial e, ao lado dele, um edifício de escritórios de menor porte. Eles serão independentes, mas complementares”, explica Gulin Neto.
Outros empreendimentos que seguem a tendência da arquitetura autoral em Curitiba são o Arbo Cabral, da incorporadora MDGP, que traz paisagismo assinado pelo renomado escritório Burle Marx (inédito na cidade) e projeto arquitetônico da Smolka Arquitetura, e o pré-lançamento Dsenho, da Idee Incorporadora, que tem projeto do Arquea Arquitetos e interiores por Leandro Garcia.
Além de representarem um atrativo para os compradores, indiretamente tais empreendimentos também deverão contribuir para transformar o cenário urbano da capital e a própria relação que os curitibanos têm com as construções que fazem parte do seu dia a dia, seja pela renovação estética que promovem ou pelas novas propostas de interação que trazem entre a rua e o interior das torres.
“A nova geração de consumidores se preocupa cada vez mais com a forma como seu empreendimento vai conversar com a cidade e trazer uma relação ganha-ganha para todos. [Aliado à facilidade de acesso às referências mundiais] de design, moda e mercado imobiliário, que sofisticou muito o gosto do consumidor, isso fez com que [ofertar] uma grande caixa com apartamentos com boa planta já não bastasse mais”, diz Eduardo Pricladnitzki, da Wikihaus.
Palavras mágicas: confiança e crédito
Em vídeo gravado com exclusividade para evento realizado no dia 12 abril pela Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (Ademi-PR) em parceria com a Gazeta do Povo, o economista e colunista do jornal Ricardo Amorim é claro em cravar que os anos difíceis para o mercado imobiliário ficaram para trás.