"Energia". Este foi o substantivo eleito pela presidente do Salone del Mobile, Maria Porro, para definir o que ainda viria a ser a 60ª edição do evento, âncora da Semana de Design de Milão, quando conversou com a nossa equipe antes mesmo da abertura dos portões da tradicional Rho Fiera. Uma previsão certeira! Passados os seis dias de realização da maior celebração do design mundial (que teve palco de 7 a 12 de junho), e sete, se contados também os das exposições da mostra paralela e igualmente relevante Fuorisalone, o que se viu na Milan Design Week (na sigla em inglês) foi um manifesto à vida, em todas as suas esferas, e uma alegria genuína em quem estava ali, desfrutando de tudo o que a capital do design sempre tem a oferecer.

Não era para menos. Após dois anos sem que os eventos pudessem acontecer em sua forma tradicional ou contar com visitantes de todas as partes do mundo – em 2021 foi realizado o SuperSalone e, neste mesmo ano e no anterior, edições digitais do Fuorisalone –, o clima nos estandes, nas ruas, nos metrôs de Milão foi de reencontro. Reencontro das marcas com seus clientes, dos designers com os usuários de suas peças (ou fãs de seu trabalho), com a história e o futuro do design.

Pode soar antagônico, mas não o é. No design, passado e futuro andam de mãos dadas. Tanto é verdade que o Salone del Mobile celebrou seus 60 anos com uma edição que esteve com os olhos voltados para os próximos 60, podemos arriscar a dizer, exaltando temas urgentes para que eles sejam possíveis, tendo à frente uma presidente jovem e apresentando ao mundo mais de 600 designers da nova geração, que debutaram no Salone Satellite. A mostra, realizada dentro da programação oficial do iSaloni, já revelou inúmeros talentos, como o designer Pedro Franco, para citarmos um exemplo brasileiro, sob a curadoria de Marva Griffin, “la mamma” do design, cuja vitalidade e conhecimento coloca todos aqueles jovens a quem ela acolheu no chinelo.

Outro exemplo? A celebração do bom, e por isso durável, design, que carrega consigo a provocação de se há mesmo a necessidade de a cada nova edição da Semana de Design sermos surpreendidos com o inédito. A Zanotta, por exemplo, direcionou seus holofotes para a Quaderna, assinada pelo Superstudio, que completa 50 anos e, por isso, ganhou três novos produtos para a coleção: mesa, mesa lateral e tapete. Já a B&B Italia, que neste ano recebeu seus visitantes no showroom da marca, trouxe a poltrona Le Bambole (As Bonecas, em português), de Mario Bellini, em uma nova versão supersustentável. As formas generosas e acolhedoras da peça, que também celebra seu cinquentenário neste 2022, utiliza materiais de última geração e técnicas construtivas modernas que fazem do seu projeto completamente desmontável e, portanto, 80% reciclável.

A sustentabilidade, inclusive, foi tema onipresente na Semana de Design de Milão 2022. No Salão do Móvel, uma área considerável do pavilhão 15 recebeu a instalação “Design com Natureza” (na tradução do inglês), assinada em conjunto com o arquiteto Mario Cucinella. Partindo dos conceitos da economia circular e da reutilização, ela discutia como as cidades são as possíveis maiores reservas de matérias-primas do futuro, a partir da exposição de novos materiais, sem deixar de alertar para o impacto das nossas escolhas de consumo para o meio ambiente. Uma delas feita pela própria organização do evento, que pela primeira vez não revestiu com carpetes as dezenas de quilômetros de corredores dos seus espaços expositivos, como bem pontuou sua presidente, Maria Porro.

Dentro dos pavilhões da Rho Fiera, os lançamentos apresentados pelas tradicionais e celebradas indústrias do setor também não deixaram a desejar no quesito. Uma das principais delas e que se agigantou durante as décadas passadas com suas peças em plástico, a Kartell apresentou inovações em materiais que resultaram em produtos mais sustentáveis, como a cadeira Re-Chair, por Antonio Citterio, desenvolvida em parceria com a Illy e produzida com resíduos de cápsulas de café não utilizadas na fábrica da marca.

É de Citterio, também, o sofá Esosoft, que apresenta linhas curvas – outro dos destaques entre os lançamentos - bem ao estilo vintage da década de 1960 com estrutura em alumínio, poliuretano biológico e revestimento em tecido de garrafas pet recicladas, em seu debut para a Cassina. E nem a Natuzzi, marca celebrada e reconhecida por suas peças em couro, ficou de fora, como mostra o pufe Terra, pelo designer italiano de Marcantonio, produzido com materiais totalmente sustentáveis, seja o tecido ou a estrutura interna em pet reciclável.

A valorização da casa, retomada desde os tempos de confinamento, também se fez presente – e de variadas formas. A aposta nas cores foi e continuará sendo um refúgio e uma maneira de trazer alegria, energia e vida aos ambientes domésticos. Nesta edição da Semana de Design, elas apareceram vibrantes, em tons de rosa, azul, amarelo, verde e magenta, predominantemente, tanto em estofados como revestindo toda a cozinha, o que coloriu os pavilhões da EuroCucina. Em outros lançamentos, elas ganharam ainda mais destaque ao receberem acabamentos metálicos. O que contribuiu para potencializar o apelo estético ao trazer um toque sofisticado às peças.

As referências à natureza são outro tema já recorrente e que também não perderam o posto. Na exposição da Moooi, uma das mais procuradas durante toda a semana, o designer Marcel Wanders explorou da fauna à flora em papéis de parede com toque aveludado que estampavam tigres, cobras e outras espécies e em móveis que pareciam flores desabrochadas, caso da poltrona Hortênsia, dos argentinos Andrés Reisinger e Júlia Esqué, apresentadas agora em novas cores.

Da mesma forma, as pedras seguem majestosas e apareceram reproduzidas em acabamentos industrializados, como porcelanatos, e em sua versão natural. Neste último, um dos destaques é a mesa Kintsugi, assinada por Pedro Franco, da A Lot of Brasil, única marca brasileira a expor no pavilhão 20, um dos mais importantes da Rho Fiera. Quebrado à mão, o mármore do tampo deixa aparente as rachaduras da pedra e a fenda em aberto, exaltando a beleza da imperfeição e fazendo referência à técnica de restauro japonesa de mesmo nome que utiliza fios de ouro para recuperar peças quebradas.

Para um, dois ou vários usos. O apelo multifuncional das peças também não é novidade, mas ganhou toques criativos nas mãos dos designers e arquitetos que estão entre as estrelas do setor. O arquiteto Stefano Boeri, por exemplo, trouxe as funções de cozinha e bancada à Oasi, para Aran Cucine. Em formato de ilha, o móvel compacto esconde a pia, o fogão de indução, geladeira, máquina de lavar-louça e áreas de armazenamento, transformando-se em uma extensa bancada. Não bastasse isso, ela ainda utiliza madeira natural reaproveitada dos postes de Veneza (que são trocados a cada duas décadas) como revestimento e traz uma árvore no centro da ilha, fazendo a natureza invadir a cozinha.

Na Campeggi Design, a mesa vira banco ou o banco vira mesa apenas por um girar de chapa da Kai, por Sakura Adachi. Aparece novamente também a cor, vibrante como a do banco-balanço Smarte, por Denis Santachiara. Um convite ao brincar, ao lúdico, à leveza e à liberdade. Liberdade para fazer da tecnologia (em materiais e ferramentas digitais) e do design aliados para se decorar e, principalmente, se viver a casa da maneira que faz mais sentido aos seus moradores, em quesitos funcionais e estéticos.

Se foram dois anos de espera para este (re)encontro com a Semana de Design de Milão, até o próximo não será nem sequer um. Serão 10 meses, para sermos exatos, até a realização da 61ª edição do Salone del Mobile.Milano, que será recebida pela mesma Rho Fiera Milano entre os dias 18 e 23 de abril de 2023. E, mesmo que ainda embriagados pelo volume gigantesco de inspirações e reflexões da edição 2022, não há como não tentar prever, ou ao menos imaginar, o que virá pela frente. Alguma aposta?

Cada foto traz as tendências do Salão em forma de ícones. Confira: